Ao atingir o recorde nominal de R$ 4 na última quarta-feira, o dólar se tornou o sintoma mais visível do desequilíbrio político e econômico do Brasil que avançava em espiral na semana passada. O real se desvalorizou 50% nos últimos 12 meses, ou seja, perdeu metade de seu poder de compra frente à moeda de referência internacional. Na quinta-feira, o Banco Central testou uma jogada arriscada e, por dois dias, foi bem-sucedido.

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Seu presidente, Alexandre Tombini, avisou em “bancentralês” – idioma em que se passam mensagens nunca explícitas – que, se necessário, usaria parte dos US$ 370,5 bilhões em reservas internacionais para corrigir o que parecia evidente exagero no mercado de câmbio. Na quinta e sexta-feira, a cotação se acomodou abaixo do valor que tem efeito psicológico. Vai seguir assim nos próximos dias? Essa é a pergunta de muitos bilhões de dólares, mas a maioria dos analistas duvida.

– Estamos vivendo o pico do estresse político e econômico, e esse movimento reflete exatamente a maior incerteza nessas duas áreas. Os ativos estão migrando de onde há maior risco para onde há menor – avalia Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas e ex-presidente do Banco Central (BC).

Para quem já esteve no lugar de Tombini, o que se vê há oito dias é o início de um ataque especulativo – quando investidores apostam que um ativo vai se desvalorizar e acabam provocando esse resultado. Por envolver um teste de nervos, pôde ser contido com declarações, ao menos temporariamente.

– É um jogo de xadrez, é preciso mover as peças com muito cuidado. É perigoso e difícil. O ideal é ficar na ameaça e só vender dólares à vista em situação extrema.

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Marta Sfredo: e se o BC precisar cumprir a ameaça?

Entenda a carta na manga do governo para conter alta do dólar

Especialista em capitais internacionais, Antonio Correa de Lacerda pondera que há “nível substancial” de reservas para conter movimentos especulativos. Tanto por questões externas – desaceleração da China e consequente queda nos preços das matérias-primas que o Brasil exporta – quanto internas – muitos erros cometidos na economia -, o real passa por uma correção que só não ocorreu antes porque o governo “fez de tudo para adiar”. E tão importante quanto conter a disparada, pondera, é evitar que a cotação caia abaixo do que considera o ponto de equilíbrio (R$ 3,60), porque essa correção é importante para reequilibrar a indústria.

– Vai ser preciso matar um leão por dia. Em crises, é bom ao menos mostrar os dentes, como fez o BC, porque diante de briga especulativa é preciso mostrar que está atuando – descreve Lacerda.

Para o estudioso das contas públicas Samuel Pessôa, o dólar é um sintoma de que o mercado projeta uma “bola de neve” na trajetória da dívida pública, resultado da falta de ajuste entre a receita e as despesas do governo. Embora afirme que o orçamento é mesmo difícil de cortar, lembra que não se faz omelete sem quebrar ovos:

– O mercado está precificando o fato de que o governo não consegue aprovar nenhuma medida relevante, nem cortes nem impostos. Se aprovar o pacote todo, o câmbio e o risco do país cedem, mas essa probabilidade hoje é baixa.

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Langoni e Pessôa insistem na fórmula que se repete há décadas sem sinais de avanços concretos: as reformas estruturais – trabalhista, previdenciária, tributária.

– É claro que demora, mas se colocar em debate, pensar para o futuro, é um sinal para a sociedade e os investidores – diz Langoni.

– O Estado quebrou. Se não mexer nas vacas sagradas, como previdência, política de salário mínimo, vai para a inflação acelerada ou inventa um monte de impostos – exaspera-se Pessôa.

Um circuito a quebrar

Dólar sobe e eleva a inflação

Com alta de cerca de 50% desde janeiro, o câmbio afeta preços de produtos importados, mercadorias fabricadas no Brasil com insumos importados e matérias-primas básicas que têm valores cotados em dólar mesmo produzidas no país. O efeito é direto sobre a inflação. Cálculos apontam que cada 10% de depreciação do real eleva a inflação entre 0,4 e 0,64 ponto percentual.

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Inflação alta exige juro maior

A alta média de preços medida pelo IPCA, indicador usado pelo Banco Central, está em 9,53%, mais de três pontos percentuais acima do teto da meta que deveria ser tolerada pela instituição. Para tentar fazê-la chegar perto de 4,5% no final de 2016, o BC elevou o juro básico. O juro alto desestimula o consumo e o investimento, porque torna o crédito mais caro e portanto menos procurado.

Juro maior contrai a economia

O objetivo é reduzir o consumo, mas se por um lado contém a inflação, por outro encolhe a economia. O Banco Central projeta queda de 2,7% no PIB para este ano e o mercado prevê mais um recuo de 0,8% em 2016. Se o dólar voltar a subir e pesar na inflação, o BC teria de elevar ainda mais o juro, o que agravaria a queda no próximo ano, retardando a recuperação. A recessão eleva o desemprego, como mostram duas estatísticas de agosto: a taxa medida pelo IBGE subiu para 7,6%, a maior desde 2009, e o fechamento de vagas formais superou em 86,5 mil as abertas.

PIB menor encolhe a arrecadação

Com menos emprego, consumo e investimento, cai o recolhimento de impostos. De janeiro a agosto deste ano, a arrecadação federal diminuiu 3,68%. Se não há corte de gastos, isso aumenta o rombo entre despesa e receita, o déficit primário. Se não sobra dinheiro suficiente para pagar os juros da dívida pública, o valor não pago se soma ao principal e eleva o endividamento. O aumento da dívida pública alerta agências de avaliação de risco e embute risco de rebaixamento de nota de crédito, realimentando a incerteza que faz o dólar subir.