Rio do Sul, cidade de 72 mil moradores no Alto Vale do Itajaí, viveu um dia de normalidade enganosa. A quinta-feira (14) foi uma véspera de feriado ensolarada com movimento no comércio e trânsito intenso nas ruas e rodovias. Nas lojas, bares e restaurantes, no entanto, o assunto era um só: o conhecido morador da cidade que provocou explosões no estacionamento da Câmara dos Deputados e na Praça dos Três Poderes, tentou invadir prédios públicos com explosivos e morreu após disparar bombas em frente à estátua símbolo da Justiça, na entrada do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Francisco Wanderley Luiz, 59 anos, era conhecido como Tiu França. Concorreu a vereador pelo PL em 2020 e antes de morrer deixou mensagens publicadas em uma rede social com anúncio do atentado e a ameaças a políticos e instituições.
As movimentações mais incomuns na cidade ocorreram logo nas primeiras horas da manhã, em frente ao endereço em que Francisco morava e mantinha um trailer com serviços de chaveiro. Equipes da Polícia Federal cumpriram um mandado de busca e apreensão no imóvel, com recolhimento de um celular e pen-drives. Nenhum material diretamente associado às explosões, no entanto, foi encontrado. A ex-mulher do autor do atentado foi levada para prestar depoimento, mas liberada em seguida, conforme fontes da PF. Em um vídeo gravado por policiais federais e divulgado pela colunista Daniela Lima, do portal g1, ela aparece afirmando que o companheiro fazia ameaças de que pretendia matar o ministro do STF, Alexandre de Moraes.
O endereço em que foi cumprido o mandado de busca fica às margens de uma avenida movimentada no bairro Budag, na região central de Rio do Sul. A casa, alugada, fica no mesmo endereço indicado por Francisco como local de moradia quando concorreu a vereador em Rio do Sul, nas eleições de 2020
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O terreno tem uma construção de contêiner preto em que Francisco e um enteado trabalhavam até poucos meses como chaveiros, com grandes placas indicando os serviços ofertados. Na parte lateral do mesmo terreno, há uma casa de madeira vermelha em que o autor do atentado morava com o enteado. Em uma das paredes externas há uma bandeira do Brasil colada.
Nesta quinta-feira, os policiais encontraram a ex-companheira de Francisco nesta construção, com móveis bagunçados e sem energia elétrica. Nos fundos do imóvel, atrás do ponto comercial, há uma casa atualmente ocupada por outros moradores.
A ex-companheira estaria morando no local depois que Francisco decidiu ir embora para Brasília, há cerca de quatro meses, segundo moradores próximos. Ele teria alugado uma casa em Ceilândia, cidade satélite do Distrito Federal, que também foi alvo de buscas nesta quinta-feira. No local, a Polícia Federal encontrou explosivos como os usados nos atentados de quarta-feira e frases escritas no espelho com alusões a ataques às instituições.
Vizinhos contam que há cerca de duas semanas os moradores da casa nos fundos do terreno de Francisco em Rio do Sul teriam tentado fazer uma instalação irregular de luz e o relógio de energia pegou fogo. Desde então, as casas estavam sem eletricidade.
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Impressões da vizinhança
Após a operação de busca da PF, jornalistas circularam na região do imóvel durante parte do dia em busca de informações ou relatos de moradores. A maioria dos imóveis em torno do terreno onde Francisco morava eram comerciais. Ele era visto na região principalmente quando era solicitado, em casos de lojas com problemas nas fechaduras e motoristas que esqueciam as chaves dentro dos carros. Trabalhadores que preferiram não se identificar descreveram o chaveiro como alguém normal, sem demonstrações de extremismo ou revolta que pudessem sugerir um ato criminoso como o registrado nesta quarta.
— Ele falava de política mais na época que foi candidato. Depois disso, não falava mais sobre isso quando vinha aqui — conta um comerciante, que prefere não divulgar o nome.
Francisco tinha sete irmãos, sendo dois já falecidos. A família chegou a ser sócia de casas noturnas famosas entre as décadas de 1970 e 1980. Também manteve um balcão de chaveiro no Centro da cidade, o que faz com que Francisco e os familiares sejam nomes conhecidos na cidade. Nos últimos anos, entre 2020 e 2021, o chaveiro fez mais uma investida com empresário de casas de festas, com um estabelecimento chamado Tendas Parque, exatamente ao lado do endereço em que morava e que foi alvo de buscas nesta quinta. Atualmente, no entanto, o espaço está desativado, ocupado apenas com moradias de aluguel.
Veja fotos da casa e do local das buscas
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Repercussão na cidade
Na região central da cidade, moradores assistiam a imagens das explosões em canais de notícias nas TVs de bares e cafeterias em meio a comentários sobre o autor do atentado. O clima sugeria uma decepção silenciosa com a atitude do conterrâneo. Alguns perguntavam o que o rio-sulense tentou fazer nos segundos finais antes de disparar os explosivos, outros especulavam o que ele poderia ter tentado. As conversas, no entanto, sempre convergiam para um consenso sobre o absurdo a que o extremismo político havia chegado.
— Fazer isso por política? Não importa quem ganhe, a gente vai ter que trabalhar igual — comentou um morador.
Um irmão de Francisco, Rogério Luiz, foi um dos poucos a falar sobre o caso. Defendeu que o autor dos atentados não tinha perfil de pessoa violenta, mas nos últimos anos passou a se concentrar muito em política. Também afirma que não tinha conhecimento com explosivos.
Rogério lembrou que Francisco admitiu ter participado de um ato em que manifestantes bolsonaristas hostilizaram o ministro do STF, Luis Roberto Barroso, durante visita a um restaurante em Porto Belo, no litoral de SC. O episódio, ocorrido em novembro de 2022, após as eleições, fez com que o magistrado precisasse deixar o local escoltado. O caso ficou marcado para o irmão por palavras fortes usadas por Francisco.
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— Ele comentou que esteve lá com Barroso e disse algo como “tem que explodir tudo mesmo”. Me assustou, mas jamais imaginávamos algo assim — afirmou.
Prisão por lesão corporal
Francisco era pai de dois filhos do primeiro casamento e tinha um enteado da relação mais recente, que havia terminado há cerca de um ano. Segundo mensagens trocadas com uma irmã, o chaveiro teria viajado para o Chile e para Minas Gerais nos últimos meses antes de chegar a Brasília. A família desconhecia o fato de que ele tinha alugado um imóvel na capital federal. Chegou a ficar preso por conta de um processo de lesão corporal, em 2012. Também era alvo de ações por dívida ativa abertos nos últimos anos. O irmão admite que nos últimos meses ele teria deixado de lado alguns aspectos da vida, como as questões financeiras.
Nas redes sociais, Francisco deixou mais de 40 mensagens de ódio ou com ameaças a políticos e instituições. O conteúdo foi excluído da rede social ainda na noite de quinta-feira, horas após as explosões.
As investigações estão centralizadas na Polícia Federal, em Brasília, e ainda devem responder perguntas sobre há quanto tempo o autor do crime planejou as explosões e como agiu na capital federal. Até o fim da tarde desta quinta-feira não havia informações sobre deslocamento do corpo para Rio do Sul e eventual sepultamento na cidade.
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