A água suja e o cheiro forte do Rio Camboriú na manhã de sexta-feira não foram problema para Valderi José Pereira, 35 anos. Com um arpão, ele se equilibrava em troncos de árvore e na vegetação ribeirinha para pescar. O alvo eram os centenas de peixes que apareceram mortos ou agonizando no rio, e que chamaram a atenção de moradores e autoridades ambientais.
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Apesar de grave, a mortandade dos animais é na verdade a consequência de problemas ainda maiores. Desde a metade da semana o nível do Rio Camboriú vinha baixando, apontando índices alarmantes. Faz mais de 10 anos que não eram registrados níveis tão baixos.
Segundo informações da Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú (Emasa), a lâmina de água registrava apenas 30cm de altura, sendo que o nível considerado normal é de 1,5m. A situação, que prejudica o setor agrícola e afeta diretamente o abastecimento da população, ocorreu por três fatores.
O primeiro é a estiagem na região de Camboriú e Balneário, que compromete a vazão do rio e o abastecimento dos municípios. O maior consumo residencial das famílias a partir de dezembro também aumenta as dificuldades. E a rizicultura completa a lista de problemas, já que nessa época do ano os produtores têm necessidade de captar mais água para as plantações de arroz.
– Há mais de 10 anos o Rio Camboriú não atingia níveis tão baixos. Existe um conflito entre a atividade agrícola e o abastecimento de água. Em períodos de seca ocorrem os problemas – considera o secretário de Meio Ambiente de Camboriú, Márcio da Rosa.
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Sem saber os motivos da pouca vazão e da agonia dos peixes, Valderi foi para casa de mãos vazias. Como quase todos os peixes já estavam mortos, o trabalhador da construção civil desistiu. Diferente dele, muitas pessoas encheram carrinhos com pescado. A estimativa é que mais de três mil quilos de peixe foram encontrados no rio entre robalos, carpas, cascudos, jundiás e bagres.
– Faz oito anos que moro aqui e nunca vi tanto peixe morrer – diz.
Reservatório
Para amenizar os efeitos da escassez de chuvas aliada à agricultura, algumas medidas já foram tomadas. Foi assinado sexta-feira um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre Ministério Público, Emasa, Secretaria de Saneamento Básico, Sindicato dos Agricultores de Camboriú, Epagri e Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú.
O acordo prevê rodízio semanal entre os rizicultores e proíbe a captação de água em determinados dias. Além disso um parque linear está sendo construído no Bairro Santa Regina. A estrutura é um grande reservatório com capacidade para 1,7 milhão de metros cúbicos de água da chuva.
Previsto para ser concluído no final de 2013, o parque foi projetado para que Camboriú não tenha problemas com abastecimento pelos próximos 10 anos.
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– Mesmo se não entrar nenhuma gota de água, esse reservatório vai atender Camboriú e Balneário por um mês – diz o secretário de Saneamento Básico de Camboriú, Janir Francisco de Miranda.
Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica, Ênio Faqueti, o que poderia resolver o problema é uma obra de macrodrenagem, construindo pequenas represas.
Rizicultores vão revezar captação
Até o final da temporada de verão 2012/2013 os rizicultores de Camboriú que estão acima da captação de água da Emasa estão proibidos de fazer a atividade, de quinta-feira até o meio-dia de domingo. A medida integra o TAC assinado entre o Ministério Público e as entidades de Camboriú e Balneário Camboriú, e só serão desconsideradas quando os rios estiverem com vazão normal.
De domingo à tarde até quinta-feira ao meio-dia os produtores de arroz farão rodízio nas captações: uma semana para os rizicultores da micro-bacia do Rio Canoas e outra semana para os da micro-bacia do Rio do Braço.
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– Tomara que esse revezamento ajude, mas a água está faltando por causa da seca e acredito que isso vá resolver pouco. Prejudica os agricultores, mas por enquanto dá pra levar – declara o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Camboriú, Silvio Matias.
Se a ordem para interromper a captação for descumprida, a Secretaria de Saneamento Básico pode paralisar toda a atividade. As prefeituras de Camboriú e Balneário e a Polícia Ambiental vão fiscalizar o sistema de rodízio.
Esgoto e falta de oxigênio causam mortes
O baixo nível da água ocasiona diversos fenômenos que podem explicar a morte dos peixes no Rio Camboriú, de acordo com o doutor em Ciências Naturais Paulo Ricardo Schwingel. Com pequena vazão, o esgoto que acaba desembocando no rio é pouco diluído.
O resultado é a necessidade de quase todo o oxigênio da água para decompor esses materiais, prejudicando os peixes. Sem o ar para respirar, os animais acabam morrendo. Outro fator é o aumento na salinidade, já que sem uma boa vazão o rio permite o avanço do mar e da água salgada.
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– A maré pode ter atingido áreas que não atingia antes e algumas espécies não se adaptam ao sal onde geralmente tinha mais água doce – explica Schwingel.
Na sexta-feira, moradores de Camboriú pescaram os animais mortos para consumo, o que segundo o especialista não é recomendado. Como a cidade não tem ainda um tratamento de resíduos adequado, ele diz que a probabilidade de concentração de esgoto no animal é grande.
– Boa parte destas bactérias devem estar se acumulando nos peixes. Não ocorre do dia para a noite, mas como estamos em situação crítica no Rio Camboriú, eu não comeria os peixes – diz.