Depois de mapear minuciosamente os caminhos que levaram à explosão do Rock Brasil nos anos 1980 no livro Dias de Luta, o jornalista Ricardo Alexandre volta ao tema por um viés mais pessoal.

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Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar, novo livro do jornalista, crítico musical e ex-diretor da extinta revista Bizz, é menos uma sequência do título anterior e mais um depoimento em primeira pessoa sobre os bastidores da música no Brasil nas últimas duas décadas.

Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar reúne 50 textos curtos nos quais Alexandre, colocando-se como personagem central, revê episódios e cenas que testemunhou na história do rock nacional. O recorte começa no início dos anos 1990, exatamente o momento em que Dias de Luta termina. O próprio autor, contudo, é rápido em desfazer a ideia de que se trata de uma continuação do livro publicado em 2003 e relançado em edição comemorativa no ano passado.

:: Mundo Livro: leia a entrevista completa com Ricardo Alexandre

– Acho que a minha mente talvez esteja mais focada na parte do “cheguei bem a tempo” do que na do palco desabando, do título. Meu impulso foi quase uma paráfrase de uma frase que está citada no livro: “Cheguei muito tarde para um mundo muito velho”. Acho que eu me coloco um pouco ali, no fato de eu fazer parte de uma espécie de última geração que ainda viveu o charme de escrever e trafegar no mundo musical – diz Alexandre, em entrevista por telefone.

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As cinco dezenas de textos são escritas em ritmo de crônica, e Alexandre as define como “postagens”, já que o material veio a público primeiramente no blog que ele mantém no portal msn.com.br.

Ao longo do livro, o jornalista revisita momentos chave da música pop brasileira das últimas duas décadas. Estão lá: o surgimento de uma onda de festivais responsável por revelar grupos até então atuantes em cenas locais, a surpreendente tendência para misturas de sonoridades malucas que marcaram os anos 1990 e a ascensão de bandas que definiriam o som do período, como Raimundos, Skank, Pato Fu, Chico Science & Nação Zumbi, Charlie Brown Jr., entre outros.

– Vejo esse período retratado como o momento em que o Brasil se torna um grande mercado de discos. Ali, acho que aquele romantismo, aquela naturalidade que havia nos anos 1980, começa a se perder. A gente começa a ver a indústria se tornando muito mais “industrial” mesmo. E esses processos mais naturais de amadurecimento da arte começam a ficar truncados, a característica de o artista ter de enfrentar um público que não é o seu acaba se perdendo. E acho que, até meados dos anos 1990, isso ainda existia. Lembro do Skank no palco do Hollywood Rock, ou os Raimundos tocando pela primeira vez na Globo – conta o autor.

Cheguei Bem a Tempo… também aborda a dominação do cenário por produtores e executivos responsáveis por montar bandas sem identidade que se assemelham a sabão em pó – e, claro, a decadência progressiva do rock nacional e da própria imprensa musical. Não é, contudo, um apanhado com rigor histórico, e sim assumidamente impressionista.

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Dias de Luta tinha a pretensão de ser um retrato com mais acuidade. Este livro não. Alguém me disse: “Você não falou do Sepultura”. E é verdade, não falei, porque eles não fizeram parte da minha vida. Cheguei a pensar, depois, que talvez devesse ter falado, mas o fato é que, se eles não vieram à mente em um primeiro momento, é porque o formato do livro os excluiu naturalmente. Por outro lado, bandas irrelevantes, como Catedral, têm espaço generoso, porque tiveram a ver com a minha história – diz.

Praticante da fé cristã, Alexandre questiona, na figura do Catedral, a indústria do gospel de onde o grupo havia saído. Outro nicho que ganha um amplo espaço, em tom simpático, é a cena roqueira de Porto Alegre nos anos 1990 e início dos 2000.

– Eu tinha uma predileção pelo que acontecia por aí por dois motivos. Sempre gostei do rock dos anos 1960, uma influência muito comum em Porto Alegre para as bandas dos anos 1990. E também porque via aí uma espécie de peça de resistência da profissionalização marquetológica da música. Me parecia que ainda haviam se preservado algumas características do romantismo do rock brasileiro dos anos 1980 – explica.