Embora escape a dados oficiais, o êxodo haitiano é percebido de forma simultânea em diferentes locais do Vale do Itajaí. Em Brusque, onde voluntários tentaram formar uma associação para dar apoio aos imigrantes, a saída da maioria deles após demissões reduziu o número de haitianos de pouco mais de 400 para menos de 100. Em Navegantes, que chegou a ter 700 haitianos em 2014, segundo a Associação dos Haitianos de Navegantes (Ashan), hoje há cerca de 150.

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Não há números oficiais sobre haitianos em Blumenau, mas Jeanpaulo Desrosiers, que também dá entrada em documentos para passaportes, acredita que metade dos conterrâneos que estima ter vivido na cidade já partiu para outros países desde o fim do ano passado. Na lan house que ele comanda há três anos – transferida há dois meses da Ponta Aguda para a Velha e que também funciona como correspondente bancário -, os quase 400 clientes de um ano atrás hoje diminuíram para pouco mais de 250. Remanescentes ganham brindes ao frequentar o QG haitiano.

:: Crise faz haitiano deixarem o Vale em busca de oportunidades fora do país

Na Cativa Têxtil, de Pomerode, onde em meados do ano passado trabalhavam 42 haitianos, hoje há cerca de 20. Em Navegantes, as aulas de português gratuitas oferecidas aos imigrantes que antes reuniam de 40 a 50 alunos hoje atraem em média 10. Na Secretaria de Educação de Blumenau é onde os números ainda mostram aumento. Eram 20 crianças haitianas matriculadas em julho de 2015 (15 em escolas e cinco em creches) e, este ano, são 39 (28 em unidades escolares e 11 em CEIs).

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Pelo escritório de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Balneário Camboriú, passaram 460 haitianos nos últimos 12 meses. A maioria deles esteve no local para a renovação de passaporte, serviço feito em parceria com a Embaixada do Haiti. A coordenadora do escritório, Giselda Cherem, diz que nos últimos três meses aumentaram as consultas sobre informações e documentos necessários para sair do país. Os destinos mais cogitados são EUA, Canadá, Suíça, França e Chile.

– Não temos como ter controle se eles efetivamente estão saindo, mas para muitos que pediram renovação de passaporte já não conseguimos entregar o documento – detalha.

Retração econômica e câmbio dificultam a permanência no Vale

Além das demissões e da dificuldade de recolocação, o câmbio também influencia na decisão dos haitianos que buscam novos horizontes. No pico da alta do dólar, em janeiro, para enviar 100 dólares para familiares no Haiti os imigrantes precisavam economizar quase R$ 450. Considerando um salário médio de R$ 1 mil recebido na indústria, o restante precisava custear aluguel, alimentação, transporte e alguns poucos caprichos: “o perfume, por exemplo”, lembra Jeanpaulo Desrosiers, o Gazman.

Embora a cotação do dólar tenha diminuído recentemente, alguns conhecidos que foram ao Chile conseguem mandar mais dólares para a família. Mas as histórias de emigração sempre têm ao menos dois lados. Um haitiano que deixou Blumenau há seis meses tem dificuldade para conseguir serviço como pintor na Guiana Francesa.

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Segundo o presidente da Cativa Têxtil, Gilmar Sprung, a impossibilidade de fazer horas extras nas indústrias é outra dificuldade que levou muitos a buscarem locais em que conseguem trabalhar mais horas por dia e, consequentemente, levantar maiores quantias para as famílias. O diretor da Associação de Haitianos de Navegantes, João Edson Fagundes, confirma o movimento de saída, que segundo ele se intensificou nos últimos dois meses, e critica a falta de discussão sobre políticas públicas voltadas a essa parcela de imigrantes no Litoral.

Os três anos em Blumenau não naturalizaram o preconceito no coração de Desrosiers. Nada o incomoda mais do que ouvir de alguém que os haitianos querem tomar empregos dos brasileiros. Gazman argumenta com a paciência de quem ensina uma criança que brasileiros e haitianos podem coexistir no mercado de trabalho sem prejudicar um ao outro. O preconceito demonstrado em opiniões excludentes é, para Fagundes, outro fator que desestimula muitos a seguirem no país. Fagundes arrisca apontar a indústria pesqueira, construção e serviços como possíveis esperanças de novas oportunidades. Fé não vai faltar.