Em 2020, o mundo parou. Com a pandemia causada pelo coronavírus, a vida como conhecíamos também foi interrompida. O distanciamento social trouxe à luz uma necessidade básica para a nossa sobrevivência: a conexão com outros seres humanos. A falta de comunicação e de contato físico levou milhares de pessoas a experimentarem o lado intenso e aflorado das emoções. Angústia, medo e ansiedade passaram a fazer parte da rotina assim como tomar banho e escovar os dentes. Além do isolamento obrigatório, medidas de prevenção foram abruptamente instauradas para proteger a população.

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— A pandemia nos pegou desprevenidos em diversos sentidos. A falta de liberdade, a necessidade de desinfecção de ambientes, alimentos e roupas, o uso de máscara e a necessidade de adaptar a vida dentro de casa, desde o trabalho até compras de mercado trouxeram para milhares de pessoas a temida ansiedade. Mudar um hábito já é tarefa uma difícil, imagine, então, ser forçado a isso — comenta a psicóloga Karen Mocellin.

Quem vivia uma vida livre, praticando esportes, trabalhando em formato presencial e frequentando eventos se deparou com a proibição de todas essas atividades. Não é à toa que as consequências da pandemia vão além da infecção por covid-19.

— Já existem estudos recentes que comprovam o adoecimento de pessoas devido ao isolamento obrigatório e também o surgimento de transtornos como o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) devido à necessidade de limpeza. Toda a nossa condução durante a pandemia já tem seus reflexos — esclarece a psicóloga.

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Retorno das atividades presenciais também gera ansiedade

Quando o distanciamento foi decretado, o principal desejo comum era o fim da pandemia e a extinção das barreiras sociais. Dois anos depois, com 75% da população brasileira com duas doses da vacina e 38% com o esquema vacinal completo, o país está, aos poucos, voltando às atividades presenciais. Alguns estados, como Santa Catarina, passaram a desobrigar o uso de máscara e realizam movimentos para a reintegração em todas as esferas — profissionais, culturais e turísticas. O que ninguém esperava, era enfrentar um novo desafio: a insegurança e a pressão provocadas pela ressocialização.

— Mesmo que o ser humano seja um ser sociável, que precisa do contato, do afeto e da atenção do próximo, a pandemia nos mostrou uma comodidade e acesso rápido e fácil a tudo que precisamos. Compras de supermercado, farmácias, encontros virtuais, trabalhar em casa e fugir do trânsito de grandes cidades são exemplos de como conseguimos ter tudo através de breves cliques. Além disso, outra parcela da população se acomodou dentro de suas casas, do seu ambiente confortável e ali permaneceu, pois é um hábito fácil, que não gera sofrimento nem desgaste de adaptação, diferente de forçar-se a um exercício que lhe causa desconforto, por exemplo — explica Karen Mocellin.

Os sintomas da ansiedade social são intensos e chegam rapidamente. Entre as manifestações físicas, é comum apresentar mãos frias, sudorese, rosto avermelhado, palpitação e até mesmo dor abdominal. Os efeitos psicológicos podem vir acompanhados de medo intenso de ser julgado por outras pessoas e vergonha extrema de expor ideias ou opiniões. A longo prazo, o problema pode gerar comportamentos evitativos, isto é, quando a pessoa deixa de realizar determinadas atividades para não precisar lidar com os sintomas da ansiedade.

Aprender a lidar com a pressão social é primordial

Se os efeitos da ansiedade já bateram à porta e as tarefas presenciais voltaram a ser uma realidade, só resta aprender a lidar com as incertezas e descobrir a melhor forma de manejar as emoções. O segredo, para isso, é apostar no autoconhecimento e respeitar o processo de ressocialização, que é individual e particular.

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— Podemos pensar que da mesma forma que fomos obrigados a criar hábitos de prevenção, mesmo que desagradáveis no início, podemos também recriar hábitos saudáveis diante da realidade de cada um, sem a mesma pressão, é claro. Pode ser que nada volte a ser como era antes da pandemia, mas sabemos que somos adaptáveis e que agora podemos flexibilizar nossa rotina. Voltar ao trabalho foi um dos primeiros passos dessa flexibilização e que ajudou a realizar contatos novamente — explica a psicóloga.

Para isso, não é preciso pressa. Acelerar a reintegração, em vez de ajudar, pode até intensificar a ansiedade.

— Não há porquê se pressionar a voltar toda rotina imediatamente, até mesmo porque a pandemia não acabou de fato. Podemos retomar o trabalho, a ida ao mercado, passeios ao ar livre. É importante que cada um busque o que lhe agrada e faça bem. No caso de pessoas ansiosas, é importante não se deixar levar pela rotina imposta — complementa.

Plasticidade cerebral e o poder da adaptação

Na jornada das constantes e inesperadas mudanças que a vida traz, o ser humano tem uma grande aliada: a plasticidade cerebral, que reflete a capacidade do organismo de formar novos neurônios e, consequentemente, aprimorar a aprendizagem ao longo dos anos e o poder de adaptação ao ambiente.

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Até 1964, a comunidade científica julgava impossível que o cérebro fosse capaz de gerar novos neurônios. Para os especialistas da época, o ser humano carregava um órgão estático na cabeça, fadado à degeneração natural ao processo de envelhecimento ou de lesões cerebrais. Entretanto, a descoberta da bióloga Marian Diamond, da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, provou que o cérebro é altamente capaz de se adaptar, se transformar e ser modelado.

O estudo da bióloga consistia em observar doze ratos que cresciam em uma gaiola com ambiente enriquecido, com lazer, companhia e alimentação variada, e doze ratos isolados em uma gaiola pequena, sem interações sociais ou contato com lazer. Quase três meses depois, o resultado foi surpreendente. O córtex cerebral dos ratos que viviam no ambiente enriquecido havia se modificado, tornando-se mais extenso. A partir disso, diversos estudos foram dedicados a entender o poder de adaptação do ser humano.

O cérebro adulto carrega mais de 80 bilhões de neurônios, e uma parte deles é responsável pela flexibilidade cognitiva. Ou seja, por mais desafiador que seja o processo de ressocialização em tempos pandêmicos, o ser humano possui a capacidade de se adaptar. Tudo é uma questão de tempo e exposição gradual à nova realidade.

Ansiedade é importante. Ansiedade patológica, não.

Muitas pessoas que experimentam a ansiedade desejam nunca mais senti-la. Entretanto, é preciso aprender a diferenciar a ansiedade natural da ansiedade patológica. A primeira, considerada saudável, é o mecanismo de defesa do organismo contra possíveis ameaças. É o instinto de sobrevivência inerente ao ser humano.

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A ansiedade patológica, por outro lado, é disfuncional. A hiperestimulação do sistema nervoso e a liberação descontrolada de adrenalina leva o indivíduo a vivenciar sintomas físicos desagradáveis constantemente e até desenvolver transtornos como síndrome do pânico e outras fobias. Para evitar ou sair de um quadro de ansiedade patológica, é preciso prestar atenção no estilo de vida que está sendo posto em prática e implementar hábitos saudáveis.

— Bons hábitos levam tempo de adaptação, por isso, é importante buscar atividades que sejam prazerosas. Cada um pode identificar o que prefere: exercícios, leitura, natação, corrida, criação de receitas… É importante que seja algo prazeroso para que seja fácil inserir na rotina. Buscar atividades em grupo também é um auxílio para quem tem dificuldade em iniciar e manter alguma atividade. Também é sempre importante lembrar de buscar auxílio sempre que sentir que não vai conseguir sozinho. Ajuda profissional faz toda a diferença quando falamos em problemas de saúde mental. O caso pode precisar de medicação e quem vai poder identificar e encaminhar para um psiquiatra será o psicólogo — explica Karen.

O importante é não esperar a situação se agravar para buscar ajuda. É possível equilibrar o retorno às atividades presenciais com momentos de bem-estar. Meditação mindfulness (atenção plena), alimentação nutritiva com baixo consumo de industrializados, atividades físicas e até escrever um diário à mão podem contribuir para uma mente menos ansiosa e uma rotina mais leve e feliz.

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