– Finalmente, não é, seu Osni? Mais de cinco anos esperando por isso!
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– Cinco anos? Mais de vinte!
O diálogo acima foi trocado no início dessa semana, quando Osni Fleith, 67 anos, chegou para trabalhar nas terras que a família Fleith adquiriu no início do século 20 e onde construíram uma casa que hoje é tombada como patrimônio cultural nacional.
Há seis anos – em março de 2006 – o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) firmou o compromisso de restaurar a casa centenária, com a promessa de que as obras começariam no mês seguinte.
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O início, no entanto, foi adiado: vai começar na próxima segunda-feira. Quando a promessa foi feita, a família de Osni Fleith já não vivia mais lá há cerca de duas décadas, já que a casa apresentava riscos para a segurança dos moradores.
Esta semana, a empresa Tecville Construções Civis, de Curitiba, começou a trabalhar no local para avaliar a situação da casa, montar a proteção de lonas sobre a estrutura e instalar o canteiro de obras. Ela venceu a licitação aberta pela Prefeitura Municipal de Joinville e trabalhará no restauro da casa pelos próximos oito meses, tempo previsto para fazerem a restauração elétrica e hidráulica, reformarem a cobertura, o fechamento, as esquadrias e as ferragens.
As obras ocorrerão em duas etapas: a parte principal da casa será restaurada primeiro, depois eles passarão para a cozinha, que fica nos fundos. O rancho não entra no restauro, já que não é mais original da primeira construção.
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Segundo o engenheiro civil Rafael Rigolan, responsável da Tecville pela obra, a primeira semana da equipe no local serviu para conhecerem a real situação da casa.
– Quando você faz o projeto, a avaliação é superficial, você não tem como conhecer totalmente a situação. Agora, quando começamos a mexer na casa, no forro, é que percebemos o real nível da madeira -, conta ele.
As peças pequenas de madeiramento são as mais comprometidas, já que sofreram infiltrações e ações de cupins.
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– A porcentagem de madeiras comprometidas subiu um pouco, mas nada que afetasse o projeto -, garante o chefe do escritório técnico do Iphan em Santa Catarina, Fabiano Teixeira dos Santos.
Mudanças na estrutura
A equipe responsável pela reforma é formada por quatro profissionais: o mestre-de-obras, o carpinteiro e os ajudantes. São eles que passarão a semana trabalhando na Casa Fleith até outubro, sendo auxiliados por mais quatro ajudantes em alguns períodos do processo.
Eles já retiraram a madeira que será descartada e avaliaram o que está em bom estado para continuar formando a estrutura da casa, garantindo que ela tenha a madeira original no imóvel.
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– A madeira original não existe mais, e a nova (madeira canela) foi encomendada, já que as bitolas usadas na casa Fleith não são mais encontradas no mercado -, afirma Rafael, referindo-se às medidas originais da casa.
Além da madeira, as partes de alvenaria e esquadria também serão substituídas. Tudo o que for considerado comprometido pela equipe será reformado – nos últimos anos, quando a família Fleith já não vivia mais no local, a casa começou a ser destelhada pela ação do tempo. Na semana que vem, eles começarão a mexer na parte estrutural da casa. Depois, farão a manutenção elétrica.
– Será feito tudo o que precisar para que a família possa voltar a viver aqui em segurança -, diz o engenheiro.
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Uma das grandes dificuldades de fazer o restauro de imóveis antigos em Joinville é a falta de empresas disponíveis: muitos editais abertos pela Fundação Cultural de Joinville nos últimos anos tiveram “deserta”, ou seja, nenhuma empresa se candidatou.
De acordo com o engenheiro civil Rafael Rigolan, o grande problema é o acervo técnico: para fazer estas obras, a empresa deve ter um arquiteto com outras obras de restauro no currículo.
– E não é qualquer empresa que tem este profissional -, afirma ele.
A importância do restauro
Quando começaram a retirar as madeiras e telhas que serão inutilizadas no processo de restauro, os funcionários encontraram uma telha com uma inscrição feita, provavelmente, a carvão, com a data de 23 de dezembro de 1913. Ela foi guardada para continuar na casa.
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– Era costume marcar a data de telhamento da casa em algum lugar e, nesse dia, era feita a festa da cumeeira. Isso porque, geralmente, a construção da casa era um trabalho que dependia de toda a família -, conta Fabiano.
É por motivos como este que o técnico do Iphan acredita que estas obras de restauro são tão importantes. A Casa Fleith faz parte do projeto Roteiros Nacionais de Imigração, que tem o objetivo de preservar as propriedades dos imigrantes estabelecidos em solo catarinense.
– O restauro da casa é o ponto forte do projeto. A gente entende que o patrimônio é dos herdeiros dos imigrantes e reformar as casas é a garantia de que eles continuarão no campo -, avalia Fabiano.
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Sem o restauro, o caminho natural de muitos moradores é abandonar as casas e mudar para a cidade – ou reformar as casas por conta própria, fazendo com que elas percam as características originais, que as transformam em patrimônio cultural.
– Se o descendente do imigrante deixa a casa e vai para a cidade, tudo acaba se perdendo tanto quanto a propriedade. Não é só o imóvel que importa: são as tradições que eles continuarão mantendo aqui, conservando a cultura -, afirma ele.
A hora de voltar para casa
Se depender da família de Osni Fleith, a zona rural de Joinville vai continuar fazendo parte da vida das próximas gerações. A grande expectativa dele é voltar a viver na casa que seu avô construiu na Estrada do Pico.
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Nos últimos 20 anos, mesmo vivendo a quatro quilômetros de distância, ele continuou visitando a casa quase todos os dias – pelo menos de segunda a sexta, o aposentado faz o trajeto para trabalhar no terreno, já que ele ainda depende do trabalho no campo para completar o orçamento da família.
– E lá na outra casa não tenho onde plantar, é só um quadradinho de chão -, conta Osni.
Ele já não acreditava mais que um dia conseguiria voltar para casa. As promessas de restauro foram feitas muitas vezes, mas nunca eram concretizadas e Osni perdeu as esperanças.
– Se ainda me deixassem fazer alguma coisa, eu dava um jeito na casa. Era muito difícil ficar parado, vendo tudo cair -, lamenta.
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Apesar da estrutura comprometida, ele ainda guarda alguns itens essenciais ao trabalho dentro de casa, como uma geladeira antiga, um sofá e um retrato de Afonso e Rosa Schmidt – a irmã da mãe dele e o marido, que também viveram ali no século passado.