Ele esbanja simpatia. Entrega o corpo e a alma em cada Carnaval e representa a escola do coração e do Monte Serrat com muito samba no pé. Não por acaso Jefferson Willian da Costa, o Nego Gê, 39 anos, é o sambista que mais ganhou títulos como cidadão-samba em Florianópolis. Foram sete vezes. Este ano, ele não irá mais concorrer ao prêmio, pois receberá a faixa de Hors Concours, se tornando eterno cidadão-samba da cidade. Até então, o único sambista da Capital a receber essa homenagem foi o falecido Adilson Coelho, que tinha cinco títulos.
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O manezinho da Ilha, que sempre morou na vizinha Palhoça, tem como profissão a serralheria. Entre grades e portões, Nego Gê sempre gostou de usar o ferro para obras de arte. Foi quando, aos 18 anos, começou a trabalhar no Carnaval, na montagem de carros alegóricos. A inspiração veio do avô de criação que fazia os carros das antigas sociedades carnavalescas.
— Meu avô era responsável por uma delas e eu sempre estava na casa dele, na subida da Mariquinha, olhando ele fazer as maquetes. Eu ia para o barracão e isso despertou o meu interesse em criar, fazer carros alegóricos — conta.
Nego Gê lembra que entre 2000 e 2008 o carnaval de Florianópolis viveu o seu ápice. As escolas começavam a montar as alegorias oito meses antes do desfile, havia verba para isso. E ele trabalhava apenas com o Carnaval. Dele tirava todo o seu sustento. Depois disso, precisou reabrir a empresa de serralheria do pai e voltou a prestar serviço fora dos barracões, mas retornando para eles nas épocas da folia.
Esse ano, Nego Gê vai desfilar num carro alegórico e será homenageado pela escola.
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— Quando estou na passarela eu me lembro de todas as dificuldades que já tive, de não ter dinheiro, de quem me ajudou, me incentivou, motivou. A gente lembra todas as histórias, dos amigos que trabalham comigo, porque sozinho a gente não faz nada, dos meus pais, do meu avô, irmãs, todos que fazem parte da minha história. É muito amor por todos e pela escola.
Descoberto por acaso
Quem diria que o rapaz que sabia tudo de ferro e montagem de carros alegóricos também levaria jeito para o samba. Pois este talento foi descoberto dentro da Embaixada Copa Lord. Na época, o pavilhão ia realizar um concurso interno para escolher o cidadão-samba que iria representar a escola na passarela. Isso foi em 2007.
Nego Gê lembra que quando o pessoal se reunia no barracão para tomar uma cervejinha, ele deixava a vergonha de lado e arriscava alguns passos. Foi então que o carnavalesco Paulinho Trindade chamou o então presidente da escola, o Jacaré (Antônio José Leopoldo), e falou que já tinham um candidato.
— O presidente olhou e disse: ‘Mas o Gê entende de ferro, de carro alegórico’. Eles aprontaram uma pra mim. Eu estava empolgado, comecei a sambar, o Jacaré viu e colocou o meu nome no concurso da escola. Eu ganhei e, desde então, sou o representante da Copa Lord — conta com orgulho.
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Foram cinco anos de disputa até que Nego Gê ganhasse a primeira faixa como cidadão-samba de Florianópolis. Desde então, ele não parou mais e acumula sete faixas. Era para ser oito, mas em 2011, como sempre trabalhava nos carros antes do desfile, ele se esqueceu de ir para a passarela com a faixa. Foi anunciado como o ganhador, mas acabou desclassificado pela ausência.
Eterno passista
Este ano, após tanto reconhecimento, Nego Gê anunciou que não iria mais concorrer ao posto. Ele já deveria ter parado quando recebeu o quinto título, pois, pela regra, a faixa de Hors Concours é entregue para quem ganha cinco vezes consecutivas.
— Só que as coisas foram acontecendo e foi prolongando, até eu chegar a sete — explica.
O anúncio de que, finalmente, Nego Gê receberia o título de eterno cidadão-samba ocorreu em um encontro de passistas no Praça 11, em São José, há cerca de 20 dias, pelo presidente da Liga das Escolas de Samba de Florianópolis (Liesf) Fábio Botelho.
— Eu não esperava, foi bastante emocionante. A diretoria não queria que eu parasse, mas eu sei que já tá no momento de parar, a gente sente o corpo, já estou com 39 anos, tenho minha família e, como trabalho nos carros, é muito corrido. Vi também que é hora de dar chance para outras pessoas. Eu estou bem feliz — diz.
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No domingo passado, durante o ensaio técnico da Copa Lord, ele entregou a faixa de cidadão-samba da escola a Luiz Felipe, de 17 anos. O garoto, que aos oito anos recebeu do próprio Nego Gê a faixa de cidadão-samba mirim, assume a responsabilidade a partir deste carnaval. Na visão do hors concours, Luiz Felipe é o mais preparado dentro da Copa Lord e está dentro da proposta da escola para o cargo.
O cidadão-samba é o representante da ala de passista, reconhecido como o melhor passista da escola.
— É o cara que representa, no meu modo de pensar, a escola com o samba no pé, a comunidade com samba no pé, o cara que sobe o morro e vê sua comunidade e a representa na passarela. Eu trago tudo isso para a avenida — completa.
E a dica para o seu sucessor é ter paciência e persistência, pois não é uma tarefa fácil.
— Eu levei cinco anos para ganhar o primeiro título, até porque eu era tímido, foi um tempo de aprendizado. Eu falo para o menino que está vindo aí que ninguém espera que ele ganhe no primeiro ano. Sei que ele tem potencial, só que vai precisar de mais canja, conhecer a passarela, se soltar, porque ele está assumindo um posto com uma responsabilidade grande — finaliza o eterno cidadão-samba.