Vou confessar. Até 13 de março de 2013 eu não conhecia Jorge Mario Bergoglio. Seis anos depois do pontificado, me tornei fã do Papa Francisco. A simplicidade, a postura evangélica moderna, o jeito transparente e atualizado com que trata temas dilacerantes, me fazem admirá-lo. A ponto que resolvi escrever uma cartinha para ele. Pois não é que me respondeu?
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Quase nem acreditei quando abri a caixa da correspondência e o envelope branco me esperava. Subi as escadas do prédio a passos largos, acho que pulando degraus, louca para sentar no sofá da sala e ver o que tinha dentro. Natural para uma repórter ousada que, solitariamente, por conta e risco, pediu uma entrevista com a maior autoridade religiosa do mundo católico.
Parti do básico: o não eu já tinha. A primeira vez que pensei na possibilidade foi quando, numa dessas mudanças gráficas do jornal, me disseram que teríamos mais espaço para entrevistas. Mas não era para entrevistas factuais ou dia a dia. Tinha que ser "A Entrevista" – assim mesmo, em Caixa Alta, como se diz na redação, para as letras maiúsculas. De preferência exclusiva, diferenciada, especial no verdadeiro sentido. Haverá coisa mais especial do que uma entrevista com o Papa?
Mas o tempo passou e me envolvi com alguns trabalhos. Só próximo do final do ano retomei a ideia. Os ventos pareciam favoráveis: tinha como emissária uma grande amiga dos tempos de infância que, em novembro, viajou para Roma para acompanhar uma audiência no Vaticano. Considerei que, com ela, teria certeza de a correspondência chegar às mãos do Papa. A conheço muito bem: nem que tivesse que puxar-lhe a batina, faria a entrega.
Como não sou boba, caprichei na apresentação e falei do exercício de um jornalismo humanizado, e citei premiações com nomes que certamente Francisco conhece – Vladimir Herzog (assassinado pela ditadura no DOI-Codi), Dom Helder Câmara (um dos fundadores da CNBB e defensor dos direitos humanos), Irmã Dorothy Stang (assassinada a tiros por pistoleiros no Pará).
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"Otras cositas más"
Como repórter, puxei a sardinha pra minha brasa a fim de convencê-lo. Falei coisas como o momento obscuro devido às ameaças de um governo descompromissado com políticas de direitos humanos, que coloca em risco as liberdades de fé e de expressão do povo brasileiro, e de uma guerrilha que mata 63 mil pessoas por ano. Além de narrar "otras cositas más que confidenciei ao hermano".
A simplicidade desse Papa é contagiante. Esse comportamento o aproxima das pessoas. Francisco é apaixonado por tango, torce pelo San Lorenzo e sempre que pode se livra do que acha supérfluo: trocou o anel de ouro por um de prata, mandou o Lamborghini para leilão e, na cerimônia do Lava-Pés, se curva para moradores de rua, refugiados, presidiários, mulheres.
Outra qualidade que acho sensacional nele é o senso de humor. Com suas tiradas, nem parece carregar nos ombros setores taciturnos da Igreja Católica. Como aquilo que disse na vinda ao Brasil, em 2013, em entrevista para a Rede Globo:
— Negociamos bem: o Papa é argentino e Deus é brasileiro.
Andei observando que tem uma expressão que Francisco sempre repete às multidões para quem é considerado “o representante de Deus na terra”:
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— Rezem por mim.
A declaração, que já parece marca registrada, desconstrói a ideia de um ser “todo poderoso”, divino, sem pecado.
Pois esse Francisco surpreendente não perdeu tempo com esta pobre mortal: respondeu-me a um pedido com outro pedido. Não é um cara de pau? Ao explicar-me que não me daria entrevista devido à agenda intensa, compromissos e viagens, pediu para eu e meus familiares rezarmos por ele.
Me disse ainda para continuar firme nos meus propósitos na profissão – de fazer um jornalismo humanizado –, para acreditar na misericórdia de Deus e não desistir diante das dificuldades. Ah! Escreveu outras "cositas", mas estas vou resguardar ao meu coração.
O santinho que me mandou vai para um quadro que colocarei na sala. Quero que todas as visitas saibam que o Papa Francisco, esse que não tem papas na língua, não me deu entrevista (ainda?), mas me mandou um presente que imagino que poucos repórteres no mundo ganharam.
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