Ataques a veículos e bases da polícia em todo o Estado, desde o dia 30 de janeiro, chegaram às crianças e adolescentes, causando insegurança também nas salas de aula. A coordenadora do Núcleo Vida e Cuidado da Universidade Federal de Santa Catarina, Patrícia de Moraes Lima, 42 anos, que tem entre os objetos de pesquisa a violência no ambiente escolar, aponta alternativas para se trabalhar com estudantes nas escolas o contexto atual da onda de violência e como manter os jovens fora da criminalidade.

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Diário Catarinense – Como a professora analisa a situação atual nas escolas? Patrícia Lima – Há um clima de insegurança. Tive a oportunidade de estar em uma escola estadual para fazer uma visita e havia o cenário de redução de linhas de ônibus, professores que dependiam de transporte coletivo faltaram. Vi os pais comentando e a própria comunidade também falando no assunto. Acho que está deflagrada uma situação para se discutir a questão da Segurança Pública.

Não há como pensar que uma política estatal, de segurança, não acesse outras políticas, como a de educação. Isso vem atingindo as escolas, as crianças. Os pais não se sentem seguros, há professores que dependem disso também. É o exemplo da importância da integração das políticas no Estado. Essa questão da segurança nos afetou e é um ponto bastante frágil no Estado de modo geral. Indicaria que o Estado estivesse próximo das pessoas, principalmente das comunidades, para poder dialogar, discutir estratégias e formas de participação da elaboração de políticas públicas, para as comunidades se sentiriam mais contempladas.

DC – Quais podem ser as consequências para as crianças e adolescentes com esses ataques nas ruas?

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Patrícia – A insegurança vai ser traduzida pelas crianças da forma com que o adulto próximo vai processar esse cenário de transitar pelas ruas, pelos ônibus e elas terão essas referências. Ainda assim, a própria experiência da infância talvez não incorpore todo esse sentimento do adulto, em toda essa dimensão. Eles não têm real noção dos riscos.

DC – Qual é o papel da escola nesse processo?

Patrícia – O papel da escola é fundamental, de traduzir com certa tranquilidade o que ocorre para assegurar um clima mais calmo. Mas a escola precisa ser amparada pelo Estado. Por si só, a escola não pode responder às crianças e isso nem é função dela. É função da escola responder às crianças amparadas por uma política de Estado. Os educadores não podem se responsabilizar sozinhos. Essa não é uma questão da educação, é questão de uma política de Estado.

DC – Como isso poderia ser feito?

Patrícia – A partir de uma medida do Estado, os educadores, coordenadores pedagógicos, diretores, seriam subsidiados com formas de comunicar às crianças, aos adolescentes e às famílias as práticas, as ações que o Estado entende como necessário. O Estado deve discutir isso. As aulas estão recomeçando e elas precisam retornar com clima de segurança.

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DC _ Como deve ser o comportamento dos pais para explicar o que está acontecendo?

Patrícia – O pai precisa estar bem atento, com cuidados mais gerais em relação à forma que está sendo garantida a segurança na cidade, as formas de transporte. Precisa acompanhar, saber onde o filho está indo, como vai se deslocar até a escola, e explicar o que está acontecendo. Há uma questão social sendo vivida e ela não vai ser resolvida de uma hora para outra. Há uma política que o Estado deve pensar, de proximidade com as comunidades.

DC – No atual contexto, crianças e adolescentes podem ter uma mudança de comportamento, como medo e ansiedade?

Patrícia – Podem apresentar sim, vai depender muito de como a família vai traduzir esse sentimento dos seus filhos e de como a escola vai atuar. Isso só pode ocorrer a partir de orientações mais gerais do Estado. Enquanto não escutarmos dele as medidas que estão sendo tomadas, a gente só ouve os acontecimentos.

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DC _ A curto prazo, teria alguma coisa para que os professores poderiam fazer

Patrícia _ A única coisa é que eles precisariam conhecer a importância de retomar orientações mais gerais, com todas as escolas, para que não fique um professor falando uma coisa e outro algo diferente sobre isso. Quais são as orientações para lidarmos como educadores com relação a essas questões? A educação está sendo atingida por isso, mas não é responsabilidade dos professores.

DC – Será possível a situação ficar normalizada e os alunos superarem isso? Patrícia – Sim, quando tivermos respostas. Essa manifestação, com a queima de ônibus, é um comportamento social que denuncia a falta de uma política pública ou a falência de política pública do Estado. À medida em que se tem a estruturação desse diálogo maior, que se constitui novamente a organização, as respostas serão outras, a situação será outra.

Contraponto

A respeito da sugestão da professora de uma orientação geral por parte do Estado para as escolas, relacionada à temática dos ataques, a Secretaria de Estado da Educação informa que desde 2009 desenvolve um programa de prevenção de violência nas instituições e junto à comunidade. Ficaria a cargo desse Núcleo de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às Violências nas Escolas, com diretrizes comuns para todo o Estado, o acompanhamento rotineiro da temática. O assunto também pode entrar na pauta da reunião com os gerentes de educação, prevista para o próximo mês.

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Já a Secretaria Regional da Grande Florianópolis relata que os diretores foram orientados a tomarem decisões conforme a necessidade e realidade em cada escola.