O Dia Municipal das Rendeiras é celebrado nesta sexta-feira (21) em Florianópolis. Um marco da cultura açoriana, a tradição está desde o século 18 nas terras catarinenses. Maria da Glória Viana Soares, 73 anos, aprendeu a renda de bilro com a mãe, quando ainda era criança. Em entrevista ao Hora de SC, ela conta mais sobre essa relação passada entre gerações.

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Há mais de seis décadas, “Glorinha”, como é conhecida, tem paixão pelo artesanato. Nascida no bairro Sambaqui, ela lembra como funcionava a Ilha, quando tinha 7 anos. Os homens e os filhos saíam para pescar, enquanto as mulheres e filhas rendavam para complementar o ganho familiar, além de cuidarem do lar. 

Apesar da mãe ser rendeira, Maria da Glória precisou fazer um acordo para ser ensinada. A matriarca não desejava que ela aprendesse o tecer, pois, segundo ela, era muito cansativo. Porém, Glória não desistiu e fez o seguinte combinado com a mãe: aprenderia a fazer tricot, crochê, costura e pintura se, em troca, ela a ensinasse a rendar. Foi o que aconteceu. Anos depois, ela repetiria o mesmo com as filhas e netas.

— Me apaixonei, me entreguei de corpo e alma — comenta a rendeira. 

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Durante toda a vida de Maria da Glória, a renda de bilro esteve presente. Ela conta que trabalhou como recepcionista na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) por 30 anos, e mesmo nesta época, fazia o artesanato no tempo livre e, inclusive, levava para vender aos colegas. 

A família cresceu, ela teve duas filhas e um filho, além de algumas netas. O ensinamento continuou. Ela brinca “filha de rendeira não tem muito interesse, pode ver”. Segundo Glorinha, as duas filhas sabem fazer renda bilro, mas não tão bem quanto ela. Porém ela espera que “quando se aposentarem, possam fazer”.

Já uma das netas, Rafaela, desde cedo se interessa pela arte. Ela exibe orgulhosa foto da neta aos 7 anos tecendo. Atualmente, a menina tem 20 anos. Veja foto abaixo.

Glorinha e neta Rafaela fazendo renda de Bilro
Glorinha e neta Rafaela fazendo renda de Bilro (Foto: Arquivo Pessoal)

Em um espaço turístico e típico da Ilha, a Praia de Sambaqui, no distrito de Santo Antônio de Lisboa, sempre foi o lar da rendeira. Há 15 anos atrás, elas resolveu fundar um grupo, chamado Rendeiras do Sambaqui, que atualmente se reúne no Casarão Histórico de Santo Antônio de Lisboa. Juntas, as mulheres tecem, dão risadas e cantam versos de Boi de Mamão e ratoeira – manifestações folclóricas típicas do litoral de SC.  

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Esse local recebe muitas visitas, inclusive de estrangeiros. Um deles marcou a memória de Glorinha. Ela relembra com carinho de Verena, que vinha todos anos da Alemanha para aprender a fazer renda de bilro. Veja foto das duas abaixo.

Glorinha ensinando visitante alemã a fazer renda de bilro
Glorinha ensinando visitante alemã a fazer renda de bilro (Foto: Arquivo Pessoal)

Durante os anos, foram muitas feiras e cursos em que Glorinha esteve presente. Ela lembra de uma feira internacional na Espanha, onde exibiu sua arte, além de projetos com escolas e exibições em espaços públicos, como o Centro Integrado de Cultura (CIC).

Olhando para o futuro, a rendeira tem certeza que a tradição continuará. Segundo ela, mesmo que a procura não seja tão grande, quem tem interesse é realmente muito envolvido. Para além disso, ela cita Kauê, menino de 15 anos que faz parte do grupo.

— Eu me sinto feliz quando chega uma criança, menino ou menina, dizendo que quer aprender. Porque isso aí é o que a gente vai ter esperança de continuar — reflete.

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A Renda de bilro em SC

A tradição da renda de bilro veio junto com imigrantes do Arquipélago dos Açores no século 18. Eles estabeleceram uma cultura nas terras catarinenses: os homens iam para o mar e as mulheres ficavam nos bilros.

O bilro é um artefato de madeira roliça, onde se enrola o fio. Ele é usado para intercalar a linha e preencher os desenhos no papel (papelão) com o formato que farão a renda. Os intrumentos podem variar quanto a sua grossura, o tamanho pouco muda e a escolha para usá-lo na renda vai ao gosto da rendeira. 

A renda pode receber nomes diferentes conforme o seu desenho (pique) e o tipo de ponto em que é feita. Quando formada uma roda de rendeiras canta-se a ratoeira, que são versinhos com rimas onde se conta histórias de amor, se fala da natureza e acontecimentos do cotidiano com um tom de nostalgia.

Galeria de fotos abaixo mostra rendeiras de bilro em Florianópolis.

Homenagem às rendeiras em Floripa

Um encontro entre rendeiras para uma boa ação acontece nesta sexta-feira no Vão Central do Mercado Público de Florianópolis. Durante todo dia elas estarão cantando e tecendo rendas e bilro em comemoração ao Dia Municipal das Rendeiras. 

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Todas peças serão cor de rosa com formatos de coração, flores e borboletas. Elas vão ser doadas à AMUCC (Associação Brasileira dos Portadores de Câncer), em prol do combate ao câncer de mama. O evento é gratuito e aberto ao público, quem souber fazer a renda de bilro poderá se juntar à roda.

Dentro da programação deste dia, está o lançamento de um videoclipe em homenagem às rendeiras. A música Pele Rendada, de Maria da Graça Brum, é inspirada nas vivências e marcas do tempo deixadas no rosto das mulheres. Os versos buscam celebrar essas vidas com visão poética e delicada sobre as rendeiras. 

A letra de Pele Rendada é inspirada nas vivências e marcas do tempo deixadas no rosto das mulheres, usando como comparação, a renda. A artista, que se inspira nas tradições açoiranas, busca valorizar e celebrar a vida dessas mulheres, trazendo uma visão poética e delicada sobre o tema. 

Assista ao vídeoclipe Pele Rendada, de Maria da Graça Brum

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