Em pleno século 21, época em que as mulheres já conquistaram seu espaço (inclusive na presidência do Brasil, para citar apenas um exemplo), parecia ultrapassado falar em disputas dos gêneros masculino versus feminino. Mesmo assim, Sílvio de Abreu insistiu na ideia de adaptar a oitentista Guerra dos Sexos, um remake que estreou datado. Afinal, o conflito sexista pode ter sido um assunto atualíssimo em 1983, época da primeira versão, mas não ganha primeira página nos dias de hoje, quando a inserção igualitária não é mais novidade.

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Sem refletir a realidade, em que grandes empresas são lideradas por mulheres e homens podem, sim, até cuidar da casa e dos filhos, na novela das 19h ainda há uma divisão clara. Na cadeia de lojas Charlô?s, por exemplo, esta disputa pelo poder causou certo estranhamento, justamente por ter sido pouco modificada em sua essência, focando apenas no gênero dos funcionários, ignorando o cenário atual do mercado.

A trama trouxe os mesmos personagens em situações como as de 30 anos atrás. De um lado, Otávio e Felipe. De outro, Charlô, Vânia e Juliana. E no meio, a ambiciosa Carolina, uma “agente dupla” que mudava de time conforme lhe convinha. Em meio a essa “guerra”, não faltaram piadas rasas, provocações batidas (com clichês a respeito de homens e mulheres) e muito humor pastelão.

Mas nem tudo são críticas negativas: o remake da comédia teve, sim, seus acertos. Na reta final da trama, que termina nesta sexta-feira, dia 26, na RBS TV, elegemos o que deu certo e o que não emplacou.

Batalhas Vencidas

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> O primeiro capítulo trouxe bela homenagem a Paulo Autran e Fernanda Montenegro, imortalizados como Otávio e Charlô. Foram exibidas notícias fictícias em jornais sobre a morte do casal durante uma noite de amor. Os sobrinhos herdaram a fortuna da família e deram continuação à rivalidade. Quadros com imagens originais de Bimbo e Cumbuca interagiam em algumas cenas na mansão, com direito a piscadinhas, sorrisos e expressões enigmáticas. Ficou bacana.

> Um elenco compacto, com apenas 30 personagens, chama a atenção por ter estrelas de primeira grandeza. Por mais que Guerra dos Sexos não tenha obtido o mesmo sucesso da primeira versão, não faltou talento por parte de Gloria Pires, Tony Ramos, Irene Ravache e Mariana Ximenes, entre outros. Situação semelhante ocorreu com As Filhas da Mãe (2001), outra novela de Sílvio de Abreu que não bombou, mas contava com nomes consagrados como Fernanda Montenegro, Raul Cortez e Francisco Cuoco.

> Reynaldo Gianecchini e Mariana Ximenes repetiram a química que deu certo em Passione (2010). A história de Nando e Juliana decolou na reta final, com cenas de tapas e beijos entre o ex-motorista e a rica mimada.

> Quase novatas, Mariana Armellini e Thalita Lippi foram algumas das revelações. Mariana, intérprete de Frô, famosa por esquetes de comédia no teatro, divertiu como a atendente de lanchonete fofoqueira e que se achava irresistível aos homens. Já a ex-BBB fez milagre com um papel apagado, destacando-se em cenas de barraco com a vilã Carolina.

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> Homenagens a outras novelas foram frequentes. Vale Tudo, de Gilberto Braga, foi a mais lembrada, seja em referências abertas ou mais sutis. A mais recente foi a cena em que Nieta (Drica Moraes) rasgou o vestido de noiva de Carolina no dia do casamento. Para quem não captou a recriação da cena de 1988, Nieta fez questão de explicar durante o diálogo.

Batalhas Perdidas

> A proposta de “remake que não é remake” ficou confusa. Sílvio de Abreu explicou, no lançamento da novela, que não se trataria da mesma história, já que Charlô e Otávio da nova versão eram outras pessoas. Seria, então, uma continuação, mas não a mesma trama. Os demais personagens permaneceram iguais, com os mesmos nomes e perfis, inclusive muitos diálogos de 1983. O autor manteve até o sumiço de Otávio (Paulo Autran saiu de cena à época por problemas de saúde). A ausência de Tony Ramos sem justificativas, somente para copiar a ausiência de Autran durante o folhetim original, empobreceu a novela.

> Enquanto boa parte do elenco teve um bom desempenho, certos atores comprometeram a trama. Luana Piovani não se destacou como poderia no papel da independente Vânia Trabucco. Bianca Bin tampouco convenceu como a grande vilã Carolina, que tinha um papel importante em boa parte da história. Houve falhas até na atuação de Reynaldo Gianecchini, que não conseguiu diferenciar Nando do mecânico Pascoal, de Belíssima (2005). Parecia o mesmo personagem.

> Os novatos Jesus Luz e Antonia Morais tiveram performance sofrível como Ronaldo e Isadora. Em meio a cenas com bons atores, os estreantes até conseguiam enganar, mas, contracenando juntos e sozinhos, o desempenho amador era evidente e até constrangedor.

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> Guerra dos Sexos tem como cenário a capital paulista, mas não houve muito cuidado da produção com relação ao sotaque. O modo de falar dos personagens poderia ter sido ao menos uniformizado, mas virou uma verdadeira salada. Mariana Ximenes e Irene Ravache mantiveram o sotaque “mezzo paulista, mezzo carioca”, Nando e Ulisses falavam uma mistura de paulista da periferia com interiorano, outros mantiveram o sotaque de São Paulo, e apenas Semíramis (Débora Olivieri) e Nieta (Drica Moraes) forçavam um sotaque italiano da Mooca.

“Guerra dos Sexos” ontem e hoje

Tramas inesquecíveis deixam uma memória afetiva forte no telespectador, que rejeita releituras para não apagar as lembranças da versão original. Muitos críticos creditam a isso, entre outros fatores, a baixa audiência de Guerra dos Sexos 2013. Quem viu e se apaixonou pela versão original, por exemplo, não teria interesse pela novela repaginada.

Por outro lado, quem não assistiu à trama de 1983 (a parcela jovem do público, que não havia nascido àquela época ou era criança) não foi fisgado pelo tema homens versus mulheres, assunto considerado demodê para os tempos atuais.

Capitaneada pela mesma dupla de autor (Sílvio de Abreu) e diretor (Jorge Fernando), a novela original foi um hit no Brasil graças a diversas inovações e cenas inesquecíveis. Recorde o que fez sucesso quando ela estreou e o que tentou ser repetido neste ano.

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> Sílvio de Abreu revolucionou a teledramaturgia ao inserir humor em suas tramas. Guerra dos Sexos foi a primeira comédia escrachada exibida na TV, no estilo pastelão com direito a torta na cara e guerras de comida. De lá pra cá, o horário das 19h passou a ser tradicionalmente ocupado por novelas cômicas. E é de Guerra dos Sexos uma das cenas mais marcantes da teledramaturgia brasileira: a famosa cena em que Charlô e Otávio jogam comida um no outro, sequência protagonizada por Paulo Autran e Fernanda Montenegro em 1983. Repetida 30 anos depois, não teve a mesma repercussão.

> Se hoje em dia a luta entre os sexos é assunto ultrapassado, na primeira versão o tema era novidade. Na época, Sílvio de Abreu teve diversos problemas com a censura, principalmente no caso da personagem Vânia Trabucco (interpretada por Maria Zilda), uma mulher emancipada e que ia para a cama com os homens sem ser casada, algo que era um escândalo. A Vânia da versão atual (Luana Piovani) fazia a linha moderna, dispensando compromissos sérios.

> Outra bola dentro de Sílvio de Abreu em 1983 foi o diálogo entre os personagens e o público. O autor optou por repetir a fórmula no remake e criou várias cenas em que os atores viravam para a câmera e questionavam o telespectador: “E agora?”, “Será?”, mas sem o mesmo impacto de quando o recurso era novidade.

> A relação polêmica entre Roberta (Gloria Pires) e um homem pobre e muito mais jovem (Nando, interpretado por Reynaldo Gianecchini) dividiu opiniões no passado e agora. Na primeira versão, Glória Menezes terminou a trama com o motorista vivido por Mário Gomes. Sílvio de Abreu havia prometido fazer mudanças no desfecho atual, mas já foi divulgado que Nando volta para Roberta.

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