Adaptar para os dias de hoje uma novela que fez sucesso 25 anos atrás é um desafio cheio de riscos. O mundo tem mudado de forma tão acelerada nos últimos anos que essas duas décadas e meia podem ter um efeito devastador sobre qualquer história. A Ti-ti-ti de Cassiano Gabus Mendes, por exemplo – que pode ser vista em capítulos integrais no YouTube -, hoje parece lenta demais, os personagens soam anacrônicos, algumas tramas idem…

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E nem vamos falar de aspectos técnicos. Mas essas defasagens têm um efeito positivo: elas só aumentam o mérito de Maria Adelaide Amaral ao transpor para os dias atuais a guerra entre os estilistas Jacques Leclair e Victor Valentim.

A autora do remake – que é quase uma “adaptação livremente inspirada em?” – consegue manter todo o espírito da trama original, mas não tem nenhum pudor de fazer as mudanças necessárias para que a história se torne verossímil aos olhos de um novo público ou de quem já conhece o texto original. Ainda que verossimilhança não seja um propósito fundamental numa comédia deliciosamente rasgada e fantasiosa como é Ti-ti-ti – seja em 1985 ou agora.

Um dos detalhes mais interessantes do remake é a forma como a autora insere a tecnologia – e questões decorrentes de seu uso – para recontar a história. A internet, por exemplo, é um instrumento-chave para que Ariclenes (Murilo Benício) faça o mundo conhecer Victor Valentim, estilista que é mero fruto da imaginação dele. Maria Adelaide aproveita o ensejo para tratar com certa ironia a maneira como, nos dias de hoje, é possível usar a rede mundial de comunicação para tornar verdade qualquer coisa que se queira. E aí, em meio àquela comédia toda, o telespectador mais crítico deve parar em algum momento e refletir sobre o que merece ou não credibilidade no caudaloso fluxo de informações a que ele está submetido.

Igualmente irônico é o olhar da autora sobre o “mundinho fashion”, quando faz estilistas, jornalistas de moda, modelos e interessados no assunto ficarem em polvorosa com as opiniões francas de uma certa Beatrice M., emitidas por meio de um blog – não é exagero, a tecnologia também oferece formas e formas de propagar uma página virtual desse tipo. O detalhe que a tal Beatrice M. é ninguém menos que Maria Beatriz, a Mabi (Clara Tiezzi), uma simpática menininha de 12 anos que tem sobre o mundo uma visão mais arguta do que a de muito adulto. E Mabi não poupa nem o próprio pai, o medíocre Jacques Leclair (Alexandre Borges), que só consegue alguma visibilidade graças à criatividade da destrambelhada Jacqueline (Claudia Raia).

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A Jacqueline de Claudia Raia, aliás, nada tem a ver com a Jacqueline de Sandra Bréa. E isso não é de forma alguma ruim (é mais um mérito de Maria Adelaide). A personagem se tornou muito mais interessante e cativante com o novo perfil (e com a atuação de Raia), a ponto de ser um dos únicos motivos a atrair algum interesse do telespectador sobre seu par, o demasiadamente afetado e abusado Leclair. Alexandre Borges conseguiu tornar o estilista uma criatura tão antipática, que acaba sendo uma covardia confrontá-lo com o carisma do Ariclenes/Victor Valentim criado por Murilo Benício. Em uma de suas melhores atuações na tevê, Benício parece se divertir e ter imenso prazer em cena, numa eficiente tabelinha com Rodrigo Lopez (o Chico, braço direito de Ari), e passa essa sensação ao público. Não tem pra ninguém.