Fazia muito sol em Florianópolis em 22 de outubro de 2008. Era isso que dizia o diário que fiscalizava o andamento das obras de construção da nova sede do Tribunal de Contas do Estado (TCE), naquele dia, relatando, também, que não existia “qualquer iniciativa consistente para dar início imediato na execução da escavação, rasamento das estações para concretagem dos blocos”.
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Oito meses antes, o TCE assinou contrato com o consórcio de empresas formado pelas construtoras Espaço Aberto e Beter para construir o prédio por R$ 19,2 milhões. Pesadas nuvens de chuva faziam parte do cenário em 27 de novembro de 2012, quando o TCE inaugurou, com dois anos e oito meses de atraso, o prédio apelidado de Palácio de Cristal.
O custo previsto inicialmente pulara para R$ 22,9 milhões, 19,2% a mais, graças a 12 aditivos contratuais assinados pela instituição com a Espaço Aberto, herdeira do contrato após a concordata da sócia Beter. Uma semana depois, o deputado estadual Jailson Lima (PT) discursou na tribuna da Assembleia, questionando os atrasos, os aumentos de custos e, especialmente, os indícios apontados pelos auditores do próprio TCE de que poderia ter sido tomadas medidas para evitá-los.
O DC teve acesso a esses diários. A partir de abril de 2008, eles alertaram, insistentemente, para falhas no cronograma por parte do consórcio que comandava a obra, sem que qualquer medida fosse tomada – entre elas, a possibilidade de convocar o consórcio que ficou em segundo lugar na disputa, o Viseu.
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Em 28 de outubro de 2008, os auditores desabafam:
– É para isso que se contrata uma empresa/consórcio experiente, para que os cronogramas sejam cumpridos. Para isso, é preciso haver dedicação, previsibilidade, programação em cada etapa, ou seja, pensar na frente. Do contrário, a obra ficará “patinando” na chuva, no sol, na lama, na falta de água, na falta de equipamento, na falta de concreto e de aço, na falta de pessoal, etc., sem resultados efetivos.
Em fevereiro de 2009, os auditores seguiam ressaltando a “capacidade do consórcio de postergar soluções para a obra”. Em novembro, acontece um dos momentos mais delicados do processo: em concordata, a Beter deixa o consórcio.
A saída poderia abrir margem para que a continuidade da Espaço Aberto fosse questionada, já que ela só cumpriu todos os requisitos técnicos para vencer a licitaçãopor estar consorciada à Beter. Em ritmo lento, os trabalhos chegaram a 2010, ano que deveria marcar a inauguração. Não foi o que ocorreu.
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Em março, o diário das obras relatava que “mesmo com o atraso no cronograma a construtura adota medidas deliberadas de dispensa de pessoal sem substituição, o que, além de promover um clima ruim de trabalho, vem reduzindo o andamento dos trabalhos e comprometendo, ainda mais, o cronograma”.
Mesmo após o relato, a Espaço Aberto teve, em 8 de julho de 2010, aceito o oitavo aditivo, prorrogando o prazo de entrega da nova sede para janeiro de 2011. No dia seguinte, mais um aditivo aumenta o custo em R$ 1,27 milhão, por “acréscimo de materiais e serviços”. Ainda seriam assinados outros três que, somados, ampliaram em cerca de R$ 950 mil.
A nova sede foi inaugurada em cerimônia que contou com o governador Raimundo Colombo (PSD), do presidente da AL, Gelson Merisio (PSD), e do presidente do Tribunal de Justiça, Cláudio Barreto Dutra.
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O QUE ELES DIZEM
O Tribunal de Contas
O TCE diz que o ritmo lento das obras e as dúvidas em relação à qualidade do serviço apontadas no Diário da Obra não são motivos suficientes para cancelamento de contrato, “pois são relativamente comuns na execução de obras desse porte”. Justifica que o mercado estava aquecido, dificultando a entrega de materiais e que o ritmo foi afetado por problemas técnicos na execução das contenções. A instituição garante que as observações feitas pelos técnicos permitiram correções.
Sobre a continuidade da construtora Espaço Aberto após a dissolvição do consórcio com a Beter, o TCE garante todos os critérios que levaram à escolha das empresas estavam assegurados.
– Quando a empresa cuja qualificação garantia a participação do consórcio na licitação se ausentou, a etapa de seus atestados exclusivos de qualificação, ou seja, as contenções por paredes diafragma, já tinham sido realizadas – em 2008. A instituição garante que as observações feitas pelos técnicos permitiram correção de falhas.
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A Espaço Aberto
O engenheiro Reinaldo Damasceno afirmou que perguntas sobre atrasos nas obras e quantidades de aditivos deveriam ser respondidas pelo próprio TCE, porque a empresa não seria a única responsável pela execução do projeto.
Sobre a dissolução do consórcio com a Beter, o engenheiro respondeu que foi uma necessidade, porque o então sócio entrou em concordata e outra solução poderia retardar ainda mais a obra.
– Eles entraram em concordata e empresa nesse caráter não pode participar de obra pública. ?
A construtora que perdeu a licitação
O engenheiro Manuel Carlos Maia de Oliveira, da Viseu, disse que a empresa “tocou a vida para frente” após perder a licitação e que a Viseu não foi informada da dissolução do consórcio entre Espaço Aberto e Viseu.
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– Realmente, isso não pode acontecer. Empresa que ganha licitação em consórcio tem que permanecer até o final.
Oliveira diz que o número de aditivos só pode ser considerado normal se ” houvesse equívocos muito grandes com os projetos”.