Com quase 18 anos de idade, esta é a primeira vez na vida que o ganês Suleiman Abubakar pode dizer que está feliz e com esperanças. Morando provisoriamente em Tubarão, o jovem fugiu do país natal para escapar das agressões de um familiar, das intolerâncias na comunidade onde vivia e ficar mais perto do maior sonho: o de se tornar um jogador de futebol profissional.

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Sully, como é conhecido pelos novos amigos, treina com o time sub-20 do Tubarão desde maio. Tímido e sem falar quase nada de português, encontra inspiração para ter sucesso no volante N’Golo Kanté, ex-catador de lixo que hoje é estrela do Chelsea e campeão mundial com a seleção da França.

– Muita gente me chama de Kanté aqui. Dizem que eu me pareço com ele e jogo no mesmo estilo dele – diz o ganês, cujo sonho é ter sucesso no futebol para dar uma vida melhor aos irmãos mais novos, que vivem na África.

O Peixe do Sul do Estado abriu as portas para ele assim que foi comunicado pelo motorista do abrigo de que havia um ganês ali com o sonho de jogar futebol. Suleiman fez um teste e agradou a comissão técnica.

– Chamou muito a atenção pelo nível técnico, pela força. Ele é um primeiro volante. Sabe fazer bem a leitura da jogada adversária e recupera com muita facilidade a bola. Tem um bom nível técnico para sair jogando, na construção da primeira fase ofensiva – resume o coordenador técnico das categorias de base do clube, Rafaele Messina.

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(Foto: Guilherme Hahn / Especial)

Futuro travado pela burocracia

Mas Sully não pode ser contratado pelo Peixe, embora haja interesse por parte do clube. O imigrante aguarda uma definição quanto ao pedido de visto de refugiado político que já fez. A situação atrasou ainda mais porque toda a documentação foi furtada quando se aventurou em uma viagem de ônibus ao Acre assim que chegou ao Brasil, induzido por um homem que lhe prometera vaga em um time do Norte.

Agora, a pressa é para tentar conseguir um visto que permita ser contratado pelo Tubarão. Se conseguir até o próximo domingo, o garoto pode ser inscrito na Copa São Paulo de Juniores. Mas a comissão técnica do Peixe não crê nessa possibilidade. O objetivo é fazer um contrato de formação assim que for possível. Além do nível técnico, os profissionais do Peixe se sensibilizaram com a história de superação que acompanha o adolescente tímido.

– O futebol tem um componente de inclusão social muito grande. A gente pode ver isso no dia a dia do Sully. Todos no clube entendem que isso pode ser a chance de mudar a vida dele. Simplesmente é a parte mais fascinante do futebol – diz Messina.

A pressa tem outro motivo. O ganês Sully vive em um abrigo provisório para crianças e adolescentes mantido pela Prefeitura de Tubarão. Quando completar 18 anos, no dia 10 de outubro, não poderá mais ficar no local.

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– Ele vai ter que ir para uma casa, um aluguel social, ou encaminhamos para o mercado de trabalho. Mas o sonho dele é ser jogador de futebol. Estamos confiantes de que esse sonho se tornará realidade, porque ele merece. É um menino do bem, de boa índole, muito educado, muito respeitador. Ele cativou a todos – relata a assistente social e coordenadora do serviço de acolhimento, Marilice Fagundes.

(Foto: Guilherme Hahn / Especial)

Entrevista

“A minha vida é melhor agora”

Por que você veio ao Brasil?

Porque eu não conseguia viver em Gana e nem seguir meus sonhos. Eu estava vivendo com meu tio, ele me tratava mal. Além disso, eu queria estudar as escrituras da Bíblia e isso se tornou um problema para a família e para todos na comunidade. Eles não aceitavam. Eu vivia com o meu tio e tudo o que ele fazia era me tratar muito mal, porque eu perdi meus pais e fui levado para que ele cuidasse de mim. Ele batia em mim o tempo todo, você pode ver algumas marcas no meu corpo. Um homem me viu lá e decidiu me ajudar a sair de Gana.

Você já conhecia alguém aqui?

Eu não conhecia ninguém, mas me disseram que poderia encontrar africanos e ganeses, principalmente por Santa Catarina. Quando eu vim, dormi pela rodoviária. Dois dias depois, encontrei um rapaz ganês que vivia por perto. Foi difícil para ele, porque não me conhecia. Mesmo entendendo a língua, ele não me permitiria ficar com ele de forma permanente. Estive com ele por uma semana e meia. Então, encontrei um cara que prometeu me ajudar e me levou para o Acre, sem saber que não era uma boa pessoa.

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Quais são as maiores dificuldades?

Quando eu vim, o clima foi muito difícil para mim. Em segundo lugar, a comunicação: tentar entender os jogadores, o técnico. Isso é o mais difícil.

Como está a sua vida agora?

Eu acho que a minha vida agora é melhor, porque eu tenho o time comigo. Acho que todo mundo precisa de pessoas positivas em volta. Tê-los na minha vida é uma ótima experiência, porque isso me ajuda a me esforçar, trabalhar o mais duro possível. Talvez eles possam me aceitar no time.

Quais seus objetivos aqui?

Meu sonho é, pelo menos, jogar num nível mais alto. Meu sonho é conquistar mais no futebol e me tornar alguém grande no futuro. Sempre rezo, é onde tudo começa.

Ainda pretende voltar a Gana?

Acho que sim, porque ainda tenho meus avôs, meus irmãozinhos e irmãzinhas. Eles não têm ninguém. Acho que ninguém além de mim vai sustentá-los. Principalmente na educação. Eu gosto de aprender, leio muito, só que não tive a chance de terminar o ensino médio porque ninguém consegue arcar com os custos. Fui obrigado a sair da escola. Eu não gostaria que meus irmãos tivessem a vida que eu tive. Vou trabalhar muito, me tornar alguém melhor e fazer a vida mais fácil para eles.

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(Foto: Guilherme Hahn / Especial)

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