A aprovação da proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, quarta-feira na Câmara Federal, é a expressão de um fundamentalismo que não permite uma reflexão profunda sobre as verdadeiras causas da violência no país. Retrato de uma preguiça analítica da sociedade, disse a deputada federal Erika Kokay, titular da Comissão de Direitos Humanos e Minorias – e da PEC 171/93 – Maioridade Penal; ao participar, quarta-feira, de uma plenária que celebrou os 21 anos da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e que durante três dias reuniu cerca de 200 jornalistas e especialistas do país e da América Latina.
Continua depois da publicidade
Leia mais notícias de Santa Catarina
O tema do evento, em Brasília, foi a ‘A mídia brasileira e os direitos humanos: avanços e desafios’. Na pauta estiveram temas como redução da idade de responsabilização penal, violações de direitos na mídia brasileira, primeira infância, direitos humanos e inclusão socioambiental.
– Estão pisando na Constituição Federal – alertou a deputada, que considera um erro atribuir ao adolescente que comete ato infracional a responsabilidade da violência no país. A parlamentar atacou os programas policialescos, considerando que esses têm grande influência na formação da opinião pública mais desinformada. E que essa visão foi levada para dentro do Congresso Nacional por um segmento reacionário. Conforme ela, a espetacularização da violência e o discurso apresentados neste tipo de programa não são inocentes.
Continua depois da publicidade
– Esse discurso que entra dentro da casa das pessoas não é inocente. Faz com que a gente não perceba as violências realizadas contra cada um e contra nós, cotidianamente. E que vai sendo reproduzida em nossas instituições – observou.
Mesmo sentimento manifestou a deputada federal Maria do Rosário , titular da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ e da PEC 171/93. Para ela, a decisão que diz respeito aos adolescentes brasileiros tem um impacto em tudo o que se acreditou ter sido constituído na norma legal brasileira, sobretudo com a Constituição de 1988, com a adesão a tratados internacionais. Maria do Rosário também bateu forte nos programas policialescos, considerando que violam direitos e exploram o sofrimento das famílias das vítimas influenciando nos telespectadores:
– Os programas sensacionalistas, ao longo dos últimos anos, construíram uma distorção da imagem de quem são nossas crianças, adolescentes e jovens de um modo geral. E hoje colhem como resultado a aprovação de uma legislação retrógrada.
Continua depois da publicidade
O procurador federal Aurélio Rios, do Direitos do Cidadão, também participou do debate e igualmente não poupou críticas à imprensa sensacionalista.
– Desgraçadamente esses programas têm uma audiência muito alta e isso é um problema grave. Nós temos um desafio imenso para ser resolvido em relação a esse tipo de programa, a esse tipo de reportagem – defendeu.
Celso Schröder, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), reconheceu uma crescente desumanização da sociedade brasileira que parte da mídia reproduz e conduz.
Continua depois da publicidade
– Precisamos urgentemente de um marco regulatório da mídia no Brasil – disse Schröder.
Angelica Goulart, secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), considerou que a sociedade civil e o governo ficam sem recurso contra essa enxurrada de violações que acontecem todos os dias nesse tipo de programação. Para ela, o fato de cometer um ato infracional não retira do adolescente o seu direito de cidadão. A aprovação na Câmara Federal não chegou a ser uma surpresa para a presidente do Conanda, com base no que vinha sendo apurado junto aos deputados. Angelica Goulart se mantém otimista e acredita que até o dia 30, quando ocorrerá a apreciação no Senado Federal, a proposta não siga adiante. Para isso, entende, precisa haver uma forte articulação pela sociedade civil organizada contrária à redução:
– Temos dez dias para nos reorganizarmos e conseguir derrubar a PEC 130.
*Repórter viajou a convite da ANDI