De um lado, um clube de tradição e com grande torcida, mas sem títulos expressivos há 41 anos.
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De outro, um craque eleito duas vezes o melhor jogador do mundo, mas que caiu em descrédito após uma sequência de temporadas ruins.
O destino fez o Atlético-MG e Ronaldinho se encontrarem como almas gêmeas em 2012. Em Minas, o porto-alegrense nascido na Vila Nova e criado no Estádio Olímpico se transformou em R49, o herói que o Galo precisava. É nos seus passes precisos e nas arrancadas que estufam as redes adversárias que reside o sonho da conquista do Brasileirão, inatingível desde 1971. Os atleticanos vivem da esperança – torcedores de até 40 anos não sabem o que é um título de expressão. Cresceram vendo o vizinho que veste azul conquistar quase tudo nas últimas décadas. O campeonato mineiro tem sido o limite para o Galo.
Em 1977, com o goleador Reinaldo, e em 1999, com o ex-gremista Guilherme, o título brasileiro quase veio. Bateu na trave, o Atlético ficou com o vice. Neste ano, Ronaldinho é o homem, ganhou aura de messias para 4,6 milhões de torcedores que se acostumaram a derrotas, que perderam o caminho que leva a vitórias. O jogador que pode mudar isso tem 32 anos, é milionário, multicampeão pelo Barcelona, mas tenta mostrar ao seu país que sua carreira não terminou. A união do clube de torcida apaixonada e do craque com a imagem arranhada pode valer o título. Pode valer a Redenção. Para ambos.
– Ronaldinho tem sido fundamental para o time. É um líder. Em campo, a qualquer momento ele deixa os demais em condições de fazer o gol, com apenas um toque na bola. Sempre teve uma técnica refinada. Ele deu um up grade para o Atlético – desmancha-se o técnico Cuca.
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Festas, sim, mas só em casa
Aquele jogador que vivia sempre flagrado em baladas cariocas parece ter desaparecido. Em Minas, Ronaldinho vive recluso em um condomínio de alto luxo, na cidade de Lagoa Santa, ao lado do aeroporto de Confins, distante 42 quilômetros de Belo Horizonte, e próxima a Vespasiano, onde fica o CT Cidade do Galo, considerado o melhor centro de treinamentos do futebol brasileiro, 50 mil metros quadrados que conta até com hotel cinco estrelas para os jogadores.
Foi na Cidade do Galo que Ronaldinho morou em sua primeira semana de Atlético, após a tumultuada saída do Flamengo – um adeus que deixou marcas, afinal, o craque entrou em guerra com o clube e cobra na Justiça mais de R$ 40 milhões. Em Lagoa Santa, Ronaldinho alugou uma mansão. Na Estância das Amendoeiras, um desses feudos com muros altos, segurança armada 24 horas, viaturas que circulam pelo condomínio, câmeras de monitoramento em cada rua, recepção que dificulta o acesso e até guaritas individuais nas casas, o que permite que elas não tenham cercas – como antigamente. Nas Amendoeiras, os casarões dos lotes menores, os de mil metros quadrados, custam algo como R$ 2 milhões. Mas há os de cinco mil metros quadrados, que dobram o valor dos imóveis.
Ronaldinho não é visto nas festas de Belo Horizonte porque tem levado a festa para casa. Entre os seus amigos mais próximos estão Jô, Pierre, Junior César e Réver. Na antevéspera de enfrentar o Vasco, um deslize. O único arranhão em sua imagem mineira até aqui. Ronaldinho teria se atrasado uma hora e meia para a apresentação, porque teria dado uma de suas festas. O procedimento seria o mesmo das noitadas no sítio de Belém Novo: mulheres desembarcam em vans (elas seriam importadas de Santa Catarina, contratadas por evento), não é permitido o uso de telefones celulares nem câmeras durante a noite, e a festa não tem hora para acabar.
O presidente Alexandre Kalil teria tido uma séria discussão com Ronaldinho após o episódio, e o craque teria ameaçado não ir a campo. Foi. Fez a sua melhor partida em Minas, repetindo uma boa atuação na rodada seguinte, contra o Botafogo.
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Afora esse episódio, em Minas, Ronaldinho parece em paz. Está magro, não conta mais com aquela escolta de seguranças (tem apenas um, que também é seu motorista), dos tempos de Rio e de quando visita Porto Alegre, e tornou-se um exemplo para os demais jogadores.
– Tem muito do Ronaldinho na minha atual boa fase. Ele me deu confiança, me ajudou bastante. Sempre me aconselha antes dos jogos – conta o meia Bernard, o novo xodó da torcida, e que no período pré-R49 não havia se firmado no time.
– Eu corro pelo Ronaldinho – afirmou o volante Pierre, quando o craque foi contratado.
– Ronaldinho está motivadíssimo aqui. Ele une o grupo e conversa muito com os garotos. Além disso, os adversários têm um respeito por ele, pela figura que sempre representou no futebol mundial – pondera o goleiro Victor.
O super-herói
Foto: Leandro Behs
Tendo em Ronaldinho sua principal figura no Brasileirão, o Atlético fez a melhor campanha do primeiro turno. Nunca um campeão de turno fez tantos pontos – e o time de Cuca ainda tem um jogo atrasado contra o Flamengo para fazer. Apesar da boa fase e da liderança do campeonato, há insegurança no ar puro da Cidade do Galo. Ainda que a equipe esteja invicta há um ano como mandante (a última derrota foi para o Cruzeiro, em 28 de agosto de 2011, por 2 a 1), o atleticano é um mineiro ainda mais desconfiado. Teme que o time não suporte uma provável queda momentânea no campeonato.
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– A torcida está eufórica, mas estamos com os pés no chão. Eu e o Victor tivemos um bom momento com o Grêmio, em 2008, e vimos como o campeonato é complicado. Estávamos com 12 pontos à frente do São Paulo, e perdemos o campeonato – recorda o capitão Réver, na tentativa de conter os ânimos da torcida.
Por tudo isso, o currículo de títulos de Ronaldinho dá esperanças aos atleticanos. Campeão brasileiro em 1971 com o Galo, o ex-meia Humberto Ramos (que também atuou no Grêmio nos anos 70) entende que a equipe será campeã, caso consiga se manter psicologicamente estável.
– Ronaldinho colocou o Atlético no mundo outra vez. O Galo estava esquecido. Tomara que tenha forças para levar o time ao título.
Clério Xavier, 30 anos, coloca nos pés do gaúcho o futuro de Davi, dois anos. Fardado com a 49, o guri chega ao estádio de mãos com o pai. Em comum, nenhum deles viu o time conquistar algo relevante. Clério, vestindo uma máscaras de Ronaldinho, comprada por R$ 10 em um camelô, foi um dos 1,5 mil torcedores que acompanharam a saída da delegação, da Cidade do Galo para o Independência, para o clássico de domingo contra o Cruzeiro. Como o jogo de torcida única era do time de Celso Roth, os atleticanos assistiram pela TV. Mas levaram apoio à equipe, na ação que foi chamada de Inferno Alvinegro.
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– Trago o Davi aos jogos porque meus amigos e irmãos são todos cruzeirenses. Sou de uma geração que viu apenas o rival vencer. Espero que o Ronaldinho mude isso agora – diz Clério.
Enquanto Davi preocupa-se em pedir um picolé de uva, o pai volta a vestir a máscara do ídolo que, para os atleticanos, tem o mesmo poder da capa do Super-Homem, das garras de Wolverine e do cinturão do Batman. Ronaldinho é o super-herói do Atlético. E Clério acredita nele para que o seu novo companheiro de futebol não acabe decepcionando-se – como ocorreu com ele, na infância.
O irmão, o sobrinho, a família
Foto: Leandro Behs
Assis acompanha o irmão de perto, como sempre. Diego, o sobrinho de Ronaldinho e filho de Assis, também está no Atlético. Aos 17 anos, joga nos juniores e mora em um apartamento na capital mineira. Não está com o tio. Devido à recuperação da mãe, Dona Miguelina, Assis tem se dividido na ponte aérea BH-Porto Alegre. Passa três dias em Minas e o restante na capital gaúcha. Aos 63 anos, Miguelina ainda precisa de cuidados, por causa da quimioterapia para combater o câncer de mama e de pulmão.
– Ronaldo está feliz de novo. O que aconteceu no Flamengo serviu de motivação para ele – atesta Assis. – Ele é a referência do time e abriu uma perspectiva de mercado muito grande para o clube e para os demais jogadores – acrescenta.
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Assim como o irmão famoso, Assis também parece ser outra pessoa em Minas Gerais. Dirige um sedã nacional de luxo, mas bem longe dos jipões com os quais circula por Porto Alegre. Chega sozinho à Cidade do Galo, sem seguranças.
– Você sabe, em Porto Alegre as coisas são mais complicadas. O fanatismo das pessoas não permite que elas vejam as nossas razões (para a opção pelo Flamengo em vez do Grêmio, no ano passado, o que acirrou novamente os ânimos da torcida contra a família Moreira). Expliquei os nossos motivos uma 50 vezes, mas o que ficou foi o que foi vendido lá pela direção do Grêmio – desabafa Assis.
Com um contrato emergencial, costurado na quarta rodada do Brasileirão, Ronaldinho assinou apenas para o Campeonato Brasileiro, e por um salário de R$ 300 mil, o teto do Atlético – rendimentos a que apenas mais Réver e Victor têm direito -, mas quatro vezes menos que o seu salário virtual na Gávea. O clube já sonha com a renovação, já desejava montar um plano de marketing para 2013, mas as coisas não são bem assim. Assis desconversa sobre a renovação. Especula-se, em Belo Horizonte, que o plano de Ronaldinho para a próxima temporada seria, aos 32 anos, fazer um último grande contrato e exibir-se em algum paraíso para veteranos, como China ou o mundo árabe.
Tu por aqui?
Apesar da blindagem feita pelo Atlético – na Cidade do Galo tudo é controlado -, Ronaldinho por vezes parece ser o mesmo guri que começou a carreira no Grêmio, no final dos anos 90. Ao ver um repórter gaúcho, surpreende-se e cumprimenta:
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– Ué, tu por aqui? Tá perdido?
– Não, não, vim para fazer matéria sobre o líder do campeonato, afinal, encerrar o turno com quase 80% de aproveitamento não é pouca coisa.
– Pois é, não é bem assim, ainda tem muita coisa pela frente, mas seja bem-vindo – responde ele, com um aperto de mãos.
R49 + Jô = time
Foto: Leandro Behs
Dono de um quadro social pequeno para os novos padrões gaúchos, com 5,4 mil torcedores, mas que pagando uma mensalidade na casa dos R$ 200 garantem ao Atlético um lucro pouco superior a R$ 1 milhão, e com uma folha salarial de R$ 4 milhões (a metade da folha do Inter e também bem abaixo da gremista, que é de R$ 6,5 milhões), Alexandre Kalil e o diretor de futebol Eduardo Maluf trataram de preparar o time para o Brasileirão. Necessitavam de quatro peças, afinal, o esqueleto da equipe estava formado. Na temporada, o fracasso na Copa do Brasil foi compensado com o título mineiro invicto.
– Tínhamos um time jovem demais. Uma equipe muito veloz, de garotos, mas sentíamos a falta de gente experiente, de peso, e com títulos – conta Maluf, que montou o Cruzeiro campeão da tríplice coroa em 2003, com Vanderlei Luxemburgo.
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Kalil fez uma exigência ao diretor: queria reforços de Seleção Brasileira, mas sem gastar muito. O Atlético foi ao mercado e, às portas do Brasileirão, mirou seus alvos.
Do Flamengo, chegou o lateral-esquerdo Junior César. Ronaldinho desembarcou em seguida, de graça, após um primeiro telefonema de Cuca para Assis – eles são amigos desde os tempos da conquista da Copa do Brasil, pelo Grêmio, em 1989. O Inter não conseguiu controlar Jô e repassou-o ao Atlético, com as 40 parcelas de US$ 100 mil a serem quitadas a investidores. E Victor foi comprado ao Grêmio, por R$ 8,9 milhões, mais o zagueiro Werley.
– Buscamos esses quatro para serem titulares. Ronaldinho é o diferencial do time. É quem dá o ritmo à equipe, é quem distribui o nosso jogo, é quem desequilibra – afirma Maluf. – Mas ele não tem privilégios aqui, é tratado como mais um do grupo – assegura o dirigente.
Mal amado no Beira-Rio, Jô é um caso à parte. Na partida contra a Ponte Preta, substituído, saiu de campo ovacionado pelos 18.644 atleticanos presentes ao empate em 2 a 2, dessa quarta-feira. É o grande amigo de Ronaldinho no clube. São parceiros desde os tempos de seleção olímpica de 2008. Eram figurinhas fáceis nas festanças de celebridades em Jurerê.
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Reencontram-se em Minas. Ao assinar o contrato, Jô recebeu a cartilha do clube, cheia de regras e multas em caso de indisciplinas – até mesmo ir a programas de TV sem o uniforme do time gera caixinha.
– Cheguei pro Jô e disse: “olha o que falam sobre você, sobre a sua saída do Inter. Estamos te dando uma oportunidade” – relata Eduardo Maluf. – Aqui, somos rígidos com a disciplina, mas não punimos a equipe. Se alguém infringir as regras, será descontado em 40% do salário, mas não deixará de ir a campo – emenda o dirigente.
Desde que desembarcou na Cidade do Galo, Jô marcou seis gols no Brasileirão. Ronaldinho soma cinco. Juntos, eles participaram de 77,1% dos 35 gols da equipe no campeonato – seja com gols ou assistências. O Atlético depende demais da dupla. A cada gol, eles comemoram saltando e batendo com o peito, no alto, como os jogadores da NBA.
– É uma comemoração de guerreiros. Muito não acreditaram em nós dois, mas estamos provando quem somos _ explica o ex-atacante do Inter. – Não guardo mágoas do Inter. Houve erros. Errei e eles também erraram comigo. Fui bem acolhido aqui. E, quando você sente-se em casa, é bem diferente – afirma Jô.
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O enigma Cuca
Em Belo Horizonte, há um receio ainda velado sobre o suporte psicológico da equipe. E, sobretudo, o de Cuca. No ano passado, contratado para tirar o Atlético do rebaixamento, após a demissão de Dorival Júnior, o treinador chegou a colocar o cargo à disposição da direção. Era a sétima partida sob o comando do time e somava apenas empates e derrotas.
No vestiário, após o empate com o Ceará, Cuca teve negado o seu pedido. Alexandre Kalil reuniu os jogadores e, aos gritos, disse que o técnico permaneceria, além de ser obrigação deles evitar o descenso. Ato contínuo, os atletas foram a Cuca, o treinador chorou, emocionado com o apoio e, como forma de firmar um pacto com o grupo, pediu que todos assinassem a sua camisa, branca. Depois disso, Cuca foi a um shopping e bordou as assinaturas. E passou a levar o manto a todas as orações do time. O Atlético não caiu, mas a passagem é sempre lembrada em BH como um momento de instabilidade do treinador.
O enigma Kalil
Alexandre Kalil é um dirigente à moda antiga. Daqueles que ingressam vestiário adentro batendo-boca com os jogadores, se necessário. Filho de Elias Kalil, considerado o maior dirigente da história do clube, e que comandou o Atlético de 1980 a 1985, ele ergueu a Cidade do Galo. É reconhecido por isso e também por suas declarações fortes. Foi o último presidente a aceitar o novo contrato com a Globo e foi um dos precursores da extinta Copa Sul-Minas. Ao contratar Victor, disparou em sua conta no Twitter: “Torcida mais chata do Brasil, se o problema era goleiro não é mais. Victor é do #Galo!”.
No Independência, a nova casa do Atlético, costuma assistir aos jogos à porta do vestiário. Aos 53 anos, herdou do pai a empresa de engenharia Erkal. É considerado pão-duro para todas as áreas do clube, menos para o futebol. Dos R$ 120 milhões previstos para serem arrecadados em 2012 pelo Atlético, R$ 70 milhões estão comprometidos para o futebol.
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Kalil costuma dar pouca importância para coisas alheias ao Atlético. Representantes da Inglaterra, do Japão e da Alemanha estiveram analisando a estrutura da Cidade do Galo, caso disputem a Copa de 2014 na sede mineira. Quando Kalil soube que o clube possivelmente tivesse que ceder para a Fifa as instalações, a fim de acomodar os ilustres hóspedes, vetou na hora qualquer acordo e prometeu retirar o CT da logística do Mundial.
Kalil ganhou notoriedade também em Minas com a frase: “jogador que bate-boca comigo está fora”.
Talvez o exemplo não sirva para Ronaldinho, dizem.
O retorno do marketing
Foto: Leandro Behs
Por enquanto, Ronaldinho é o deus atleticano. A Loja do Galo, uma das sete franqueadas pelo clube, na Rua Tupinambás, no centro de BH, contabiliza os lucros. O vendedor Victor Pratezi Júnior recebe as caixas com a camisa 49 – o número escolhido pelo jogador, em homenagem à recuperação de Dona Miguelina, nascida em 1949. Cada uma custa R$ 209.
– A cada 10 camisas que vendemos, oito são do Ronaldinho. A imagem dele junto ao nossos torcedor é algo impressionante. É o grande nome do clube desde Marques (que jogou sete anos pelo Atlético e abandonou os gramados em 2010), mas ele tem tudo para ser maior que o Marques – explica Júnior.
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Se há o apoio espontâneo dos torcedores também há outros interesses menos nobres envolvidos. Com menos de dois meses no Atlético, Ronaldinho foi homenageado na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte com o título de Cidadão Honorário da cidade. A moção partiu do vereador Daniel Nepomuceno, vice-presidente do Atlético e candidato à reeleição no pleito de outubro.