A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem feito escolhas difíceis nos últimos meses: pagar a conta de energia elétrica ou as bolsas de auxílio estudantil? Comprar um edifício para o curso de Medicina no interior do Estado ou desistir, pelo menos por enquanto, da aquisição? Equilibrar os débitos da instituição não tem sido fácil, especialmente porque falta o principal, dinheiro. O déficit já alcança R$ 40 milhões.

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UFSC está há cinco meses com as contas de luz em atraso

Pelo menos desde 2014, a universidade enfrenta dificuldades com a liberação de verba do governo federal. O ano de 2016, por exemplo, já começou com um débito de R$ 11,4 milhões só de custeio. Essa dívida é de contas de energia elétrica e de serviços terceirizados que não foram pagos no ano passado. Não entra nesse cálculo os valores deste ano, que já estão atrasados. Em visita a Florianópolis ontem, o ministro da Educação, José Mendonça Filho, anunciou a liberação de R$ 14 milhões à UFSC, valor que ajuda, mas não resolve o problema das contas.

Com um custo previsto de despesas correntes de R$ 170 milhões para 2016, mais R$ 43 milhões para investimentos, como construção de novos prédios –, a principal universidade do Estado obteve um orçamento de R$ 167 milhões da União, valor que já inclui esses R$ 14 milhões anunciados. Só por aí, a conta já não fecha. Se considerar o que está em atraso, a situação piora.

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Os R$ 167 milhões aprovados na lei orçamentária não significam que a universidade está com esse dinheiro na conta. Isso porque o governo federal segura – contingencia – a verba e vai liberando gradativamente, conforme julgar melhor.

Uma série de obras, contudo, estão no papel, paradas ou andando lentamente. Um exemplo são os cursos de Medicina previstos para Curitibanos e Araranguá dentro do programa Mais Médicos, do governo federal. Entre 2014 e 2016, o investimento previsto era de R$ 20 milhões. Nada foi executado.

Além de uma lista extensa de construções, outros investimentos estão sendo deixados de lado. Desde uma simples obra de acessibilidade no colégio de Aplicação até a atualização da tecnologia da informação (TI) de toda a instituição. Algumas dessas são, inclusive, exigências legais, como a implantação do ponto eletrônico, exigida pelo Ministério Público Federal (MPF).

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Para o Secretário de Planejamento e Orçamento da UFSC, professor Vladimir Artur Frey, a federal tem seu orçamento sufocado há décadas. Com aumento expressivo no número de alunos e de cursos – por conta do Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – a instituição também precisou crescer. Mas, na opinião de Frey, houve um descompasso entre políticas públicas e orçamento.

– As cotas, por exemplo, são um ganho inegável para a sociedade. O processo de inclusão era algo que tinha que ser feito. Mas a verba repassada não deu conta da ampliação – opina.

Além do crescimento no número de alunos e cursos, a terceirização é mais um problema para a universidade, que passa a ter uma conta a mais para pagar. Enquanto os servidores são pagos pelo Tesouro Nacional, os serviços terceirizados entram na pilha de contas da instituição. À medida que os trabalhadores vão se aposentando e sendo substituídos por terceirizados, esse débito só cresce.

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Estudantes buscam soluções para crise

As diretorias de centros e alunos têm planejado medidas para reduzir as despesas. Para a economia de energia elétrica, foi criada uma campanha. Em virtude da redução de terceirizados para a limpeza, também foi realizado uma ação junto aos estudantes para auxiliar no trabalho de limpeza dos ambientes.

De acordo com o coordenador geral do Diretório Central Estudantil (DCE), o estudante de Medicina Plínio Oliveira Filho, há uma compreensão das dificuldades enfrentadas pela universidade e a vontade de colaborar.

– Nossa visão é de que é preciso buscar soluções pragmáticas. Se for o caso de o setor privado entrar na universidade para, na outra ponta, ter mais dinheiro que vai auxiliar na permanência de alunos, temos que entender como algo benéfico – diz o estudante.

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Segundo Plínio, o DCE tem buscado parcerias com o setor privado para fazer a carteirinha de estudante e promover obras de acessibilidade nos prédios.

Medicina em Araranguá virou sonho

Em 2014, os moradores de Araranguá e região receberam a boa-nova: iriam contar com um curso de Medicina da UFSC na cidade. A promessa veio no âmbito do programa Mais Médicos, do governo federal, coordenado no Estado pela universidade. Com pouco mais de 60 mil habitantes, a novidade teria enorme impacto para o município. A história, porém, não foi tão fácil assim.

Para receber o novo curso, no ano passado a UFSC anunciou a compra de um prédio da Unisul – já utilizado em parte pela universidade federal ao custo de R$ 30 mil de aluguel mensal. Para receber a nova graduação, a estrutura sofreria reformas. De acordo com a ex-vice reitora Lúcia Pacheco, já havia a expectativa de comprar o edifício pelo menos desde 2013, mas foi preciso aguardar a Unisul saldar uma dívida com a União.

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Neste ano, em abril, a ex-reitora Roselane Neckel foi a Brasília para garantir a compra do imóvel. Saiu de lá com uma autorização extraorçamentária. Isso não significa que a universidade recebeu o dinheiro. Era um tipo de compromisso do MEC de que seriam reservados R$ 8 milhões para a primeira parcela da compra (o valor total do imóvel era de R$ 17,7 milhões).

Com o documento em mãos, Roselane assinou o contrato com a Unisul em 10 de maio. No dia seguinte, ela já não estaria mais na função. Luis Carlos Cancellier sentou na cadeira de reitor com essa conta para pagar.

– Pedimos a dotação orçamentária ao MEC [o segundo passo para obter a verba após a autorização] mas não conseguimos. Não tínhamos como pagar essa conta, não sabíamos quando e se teríamos. Optamos por sentar e conversar com a Unisul para rescindir o contrato – disse o reitor.

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Foi o que aconteceu. No dia 8 de junho, foi assinada a rescisão.

Para Lúcia Pacheco, seria possível efetivar a compra se houvesse esforço.

– O processo de compra em um órgão público é uma coisa muito burocrática, desgastante e demorada. Mas é possível.

Em contrapartida, o atual reitor argumenta que não poderia ter sido assinado um contrato tendo como base apenas um documento de autorização de orçamento.

– No mínimo, teriam que ter a dotação orçamentária em mãos. Mas o correto mesmo seria esperar o dinheiro chegar para, daí sim, assinar. Fizeram uma compra sem ter o dinheiro. Além disso, a compra não passou pelo conselho – acusa Cancellier.

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Em 2013, a ex-reitora Roselane Neckel assinou um termo de ajuste de conduta (TAC) com o Ministério Público para garantir que, dali em diante, qualquer aquisição passaria pelo conselho.

A instalação dos cursos de medicina no interior de SC não está descartada. Mas, sem verba, não é possível prever quando haverá dinheiro para esse investimento.

Entrevista: Luiz Araújo, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e professor na UnB

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Dado o contexto atual de crise econômica, que saída as universidades federais têm?

A falta de recursos, faz algum tempo, tem levado muitas universidades públicas a venderem serviços públicos, o que pode representar uma saída para determinados nichos dentro delas (áreas tecnológicas), mas não é sustentável para a maioria dos cursos. As instituições estão reduzindo custeio, o que afeta as condições dos serviços prestados aos alunos e prejudica a pesquisa e extensão.

Apesar de vivermos um momento difícil, na sua opinião, é o caso de fazer cortes em áreas sensíveis como educação?

Os cortes têm acontecido de forma mais aguda em todas as universidades. Não domino o orçamento específico da UFSC. Em momentos de crise, a distância entre orçado e executado aumentou, via contingenciamento de recursos pelo Ministério do Planejamento. Foi uma opção de prioridade, visando manter um nível aceitável (para o mercado) de pagamento da dívida pública. Certamente tal corte prejudicou e muito o custeio da UFSC.

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Há cerca de uma década, por conta especialmente da Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), as instituições se expandiram. Houve um descompasso entre políticas públicas e orçamento/planejamento?

O Reuni garantiu uma expansão de vagas, mas isso aconteceu de forma muito diferenciada por todo o país. Ampliaram-se vagas em troca de resolução de problemas estruturais antigos, mas muitas vezes tal expansão foi também pela otimização dos espaços existentes, especialmente com ensino noturno. Não acho que o maior problema tenha sido falta de capacidade de execução, mesmo que possa ter ocorrido pontualmente. Entre a aprovação orçamentária e a liberação há uma via-crúcis proposital, atrasos propositais, dificuldades burocráticas, tudo para inviabilizar que os órgãos públicos gastem todo o dinheiro liberado. O Reuni expandiu, mas num formato inferior em termos de custos praticados anteriormente. Forçou a uma adaptação de padrão dentro das universidades. Um subproduto desta expansão é que o valor por aluno no ensino federal caiu ou ficou estável na década.

Com as terceirizações e o aumento de alunos sem aumento proporcional de orçamento, gestores da universidade afirmam que há um estrangulamento do orçamento das federais. Qual sua opinião a respeito?

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Concordo. No fundo, todas as medidas de contenção partem de uma visão que permeou os governos FHC, Lula e Dilma de que as universidades eram caras e que poderiam fazer mais com menos. Infelizmente. O estrangulamento significa aumento da pressão por privatizações internas – taxas, cobranças de mensalidades para cursos de especialização, mestrado e doutorado, dependência de programas federais para qualquer atividade de pesquisa. E, com isso, cresce a pressão por entrega de parcelas dos serviços públicos para o setor privado.