“Às portas do aniversário de 40 anos da demolição, ocorrida em 1974, o Miramar segue como a mais sentida entre as inúmeras e irrecuperáveis perdas do patrimônio arquitetônico de Florianópolis. Quando foi inaugurado, em 1928, a cidade era uma capital provinciana onde as pessoas viviam sob rígidos códigos morais e de convivência. Paralela aos acontecimentos miúdos, brigas de vizinhos e roubos de galinha, no entanto, pulsava uma cidade sofisticada e elegante de intensa vida cultural.
Continua depois da publicidade
Era um tempo de mudança com a chegada do “cinema falado” e de acalorado debate sobre a falta de pudicícia do vestuário feminino com a exposição do colo, braços e pernas. Pura ousadia. Era também tempo de inovações tecnológicas com a disseminação da iluminação pública e a presença de raros automóveis que provocavam “congestionamentos” em ruelas projetadas para carroças e caleças. Tornaram-se comuns os atropelamentos por intrépidas “baratinhas” e também os abalroamentos de carroças com a morte da parelha de cavalos e burros. Novidade das novidades, elegantes vitrolas passaram a figurar nos salões dos clubes e nas salas das famílias abastadas.
Uma semana após sua inauguração, os donos do Miramar anunciavam a aquisição de uma moderníssima vitrola. Quando a música cessava e as luzes se apagavam, a cidade esperava a canoa fantasma, a Lancha Aurora, uma canoa sinistra, de propriedade desconhecida e sem marinheiro condutor, que aparecia à noite nas imediações do Miramar. Depois de horas atracada, sem “viva alma”, a canoa sumia na Baía Sul sem vestígios. Mistério.. Não se pode reconstruir a alma do Miramar.
Um novo prédio sobre os escombros do velho trapiche só é alvissareira se sinalizar uma mudança de rumo na relação da Capital com o seu rico e maltratado patrimônio arquitetônico. Que o próximo passo seja uma política de preservação.“
Continua depois da publicidade