Santa Catarina foi o estado, em termos proporcionais à população, que mais colocou armas de fogo nas mãos de pessoas com registro de CAC (a permissão concedida pelo Exército aos civis colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Para cada 100 mil habitantes, 1.130 armas legais passaram a estar sob posse de catarinenses com essa certificação.

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Ao todo, 82.955 novas armas foram colocadas à disposição de CAC’s no Estado desde 7 de maio de 2019, quando o decreto nº 9.785, assinado por Bolsonaro, facilitou o acesso a armamentos por civis. Os números foram identificados pela Polícia Federal (PF) a partir do recadastramento recém-imposto pelo governo Lula (PT) aos CACs que adquiriram armas justamente após esse decreto de flexibilização de Bolsonaro. O NSC Total teve acesso aos dados.

Em números absolutos, São Paulo (213.821), Rio Grande do Sul (114.594) e Paraná (103.259) tiveram mais armas recadastradas do que Santa Catarina. No entanto, se levada em conta a população de cada um, os três se mostraram menos armados: para cada 100 mil pessoas, eles tiveram 458, 999 e 890 novas armas nas mãos de CACs, respectivamente.

Motivos do recadastramento

O Brasil conta atualmente com dois bancos de registros de armas de fogo: um da PF, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm); e um outro do Exército, o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma). O primeiro reunia até então registros de empresas de segurança, de servidores civis (como policiais e guardas municipais), e de pessoas comuns que contam com porte para defesa pessoal. Já o segundo concentrava os registros dos CACs e de militares com armas particulares.

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O governo Lula argumentou, então, tentar unificar, ao menos em parte, as bases de dados para facilitar o controle de armamento por civis. Para isso, exigiu o recadastramento dos CACs no Sinarm entre fevereiro e maio deste ano.

O decreto que estabeleceu o recadastramento ainda restringiu o acesso a armas por CACs, proibiu a prática de tiro esportivo por menores de 18 anos e suspendeu o registro de novos clubes, o que desagradou empresários e praticantes no Estado, com tradição na atividade — Santa Catarina tem uma Rota Turística do Tiro, com 29 cidades, e sedia a Shot Fair Brasil, maior evento de negócios do setor.

— No nosso Estado contamos com quase dez mil famílias que vivem exclusivamente da prática do tiro, da venda de armas e munição, de formação profissional, atletas de nível internacional, campeões mundiais no setor, e por questões políticas está havendo uma criminalização do setor — disse o deputado estadual Sargento Lima (PL), em uma audiência na Alesc com donos de clubes de caça e tiro à época do decreto de Lula.

Armas escondidas

Antes do recadastramento, não era possível identificar, por exemplo, o número de armas adquiridas por CACs catarinenses, já que o Exército fazia a divulgação dos dados por região militar (RM), e não por estado — a 5ª RM, que integra Santa Catarina, reúne também registros do Paraná.

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— Por incrível que pareça, o recadastramento será fundamental para que o Estado tenha o panorama completo de armas no país e também consiga iniciar investigações sobre usos criminosos de registros concedidos legalmente, que foram usados para atividades criminais — diz Bruno Langeani, pesquisador de políticas de controle de armas e gerente do Instituto Sou da Paz.

À época do recadastramento, a entidade da qual o pesquisador faz parte, que monitora e propõe políticas de segurança pública no país, elogiou a iniciativa do governo federal, por entender que a divisão dificultava que a Justiça e as polícias estaduais identificassem armas registradas no Sigma, que tem consulta restrita ao Exército.

A entidade usou como exemplo um caso ocorrido em São Paulo no ano passado em que um militar suspeito de violência doméstica teve apreendidas duas armas que havia registrado no Sinarm, identificadas a tempo pela Polícia Civil, mas usou uma terceira com registro de CAC no Sigma para matar a ex-esposa e o próprio filho — as vítimas eram Michelli, de 37, e Luiz Nicolich, de dois anos.

Langeani pondera, no entanto, que as armas adquiridas por CACs antes do decreto de 2019 ainda seguem alheias ao Sinarm. Isso poderá ser corrigido por uma portaria recente, de abril, que prevê a integração dos dados do Sigma a um outro sistema, o Sinesp, usado por policiais para consultar informações de pessoas, veículos e armas registradas junto à PF.

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— É certo que a maior parte das compras de CAC se deu pós-2019, mas este problema será definitivamente superado só quando o processo de integração se concluir — diz o pesquisador.

Aumento de armas em SC

Antes do recadastramento, já era possível identificar com os dados do Exército um expressivo aumento nos números de CACs no país e em Santa Catarina durante o governo Bolsonaro (PL).

Conforme mostrou reportagem anterior do NSC Total, o Brasil tinha 117.467 certificados ativos de CAC’s até 2018 — cada atirador certificado pode registrar mais de uma arma e até obter outra certificação. Já em 1º de junho do ano passado, isso disparou 473% (673.818), segundo dados do próprio Exército, compilados pelo Anuário Brasileiro da Segurança Pública.

Somente na região militar que integra Santa Catarina e Paraná eram 109.918 registros ativos em dados preliminares de 2022, a segunda com maior número no país.

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Ainda no Sigma, haviam 41.051 armas registradas por CACs na região militar catarinense até 2018. Em julho do ano passado, esse número já estava 318% maior, em 171.907 registros, segundo dados obtidos pelo Instituto Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação (LAI) e revelados pelo g1.

Langeani, do Sou da Paz, diz que a disparada de armas legais nas mãos de CAC’s tem duas consequências negativas mais visíveis: o aumento e a maior gravidade de crimes interpessoais, como brigas entre vizinhos e feminicídios que façam uso das armas; e a alta dos desvios para o mercado ilegal:

— Com esta mudança de patamar de armas no Brasil, vários estados já estão registrando número maior de armas apreendidas e mudança de perfil delas, com armas mais modernas e potentes na mão do crime.

No ano passado, o NSC Total mostrou que o número de armas de fogo furtadas, roubadas ou perdidas em Santa Catarina subiu. A maioria dos desvios ocorreu por furtos em residências.

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