Principal instrumento do governo para garantir uma redução de 16,2% na conta de luz para os consumidores residenciais e de até 28% para os industriais, a renovação das concessões de empresas que atuam no setor elétrico é incerta. A duas semanas do fim do prazo, as concessionárias resistem a perdas que permitiriam a diminuição da tarifa, pondo em risco a concretização da promessa da presidente Dilma Rousseff de baixar o custo da eletricidade no país.
Continua depois da publicidade
Para o governo, o corte na conta de luz é duplamente estratégico: somente a queda de 16% nas tarifas residenciais representaria redução de 1,2 ponto percentual da inflação a médio prazo – crucial no momento em que a Petrobras pressiona por reajuste nos combustíveis. No caso da indústria, poderia haver repasse de diminuição de custo para os produtos finais, elevando essa projeção, além do benefício do aumento da competitividade.
– Pagamos uma das energias elétricas mais caras do mundo. Para o setor industrial, esse é um dos maiores pesos no custo de produção – aponta Erik Camarano, presidente do Movimento Brasil Competitivo (MBC).
A maior parte da redução da tarifa anunciada em cadeia nacional de rádio e TV para 2013 deveria vir de uma queda no valor pago pela produção e pelo transporte da energia a geradoras e transmissoras, que foram convidadas a renovar antecipadamente seus contratos por 30 anos, sem licitação, em troca de redução do valor cobrado. Em alguns casos, a tarifa de geração cairia até 73%, para usinas que já recuperaram, com ganhos, o valor do investimento.
Em Minas Gerais, a Cemig, que reúne três concessionárias, já indicou que não irá aderir à proposta. A Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep) também ameaçam não antecipar a renovação de seus contratos. No Estado, a CEEE, que estima uma redução na receita de 60%, tenta renegociar os valores oferecidos.
Continua depois da publicidade
– A probabilidade de as empresas não aderirem é grande – aponta Adriano Pires, presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
As elétricas de capital aberto estão marcando reuniões de acionistas para deliberar sobre a renovação antes do dia 4 de dezembro. A reunião do conselho de administração da CEEE acontece no dia 28.
Na própria Eletrobras, maior estatal do setor, as opiniões entre os acionistas são divergentes. Um dos pontos que gerou irritação entre investidores foi a pressa para estabelecer o prazo de assinatura dos contratos de renovação das concessões, sem que a Medida Provisória 579, que prorroga as concessões e reduz os encargos, sequer tenha sido aprovada pelo Congresso.
– A maneira como o governo agiu foi intempestiva, deixando brechas para contestações jurídicas e quebra de contratos – aponta Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.
Continua depois da publicidade
Como as empresas reclamam das condições e ameaçam ir à Justiça contra o plano, há sinais de que o governo não vá obter a economia esperada com essa medida. Embora ministros tenham garantido que a redução na tarifa para os consumidores está mantida, é possível que seja necessário encontrar outra fórmula para garantir o efeito – uma tarefa nada fácil. Em caso de recuo das concessionárias, uma opção discutida nos bastidores é o aumento de aportes do Tesouro Nacional aos fundos do setor. Embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenha afirmado que prefere não mexer nesses recursos, a medida não é descartada pelo governo.
– Usar dinheiro do Tesouro para isso seria um absurdo, pois quem estaria contribuindo seria o próprio consumidor – critica Pires, do CBIE.
O plano B, na opinião de especialistas, deveria envolver medidas complementares, como a extinção do PIS-Cofins para o setor, que aliviaria o preço da conta de luz em um percentual de 8% a 9,5% – pouco mais da metade do prometido. Hoje, 45% do valor das tarifas são de encargos e tributos.
– Até agora, o governo abriu mão de apenas 5% dos tributos. Há muito espaço ainda para buscar essa redução – aponta Sales, do Acende Brasil.
Continua depois da publicidade
A resistência das concessionárias de energia em renovar os contratos decorre da previsão de queda de receita a partir da medida. A MP 579 prevê que transmissoras e geradoras tenham direito a indenização pelos ativos não amortizados – investimentos feitos que ainda não deram retorno equivalente ao gasto realizado. Mas o valor da indenização ficou abaixo do esperado: R$ 20 bilhões no total. Só a Eletrobras pretendia receber em torno de R$ 30 bilhões, mas a indenização não deve passar de R$ 14 bilhões.
– Seguramente, a renda que as geradoras terão até 2015 ou 2017, mantendo os contratos atuais, será maior do que se aderirem à MP – aponta Jorge Trinkenreich, diretor da PSR Consultoria.
Conforme o consultor, uma das saídas seria buscar uma solução intermediária, alterando a MP e oferecendo alguma vantagem adicional às concessionárias. No Congresso, ao menos 390 emendas ao projeto foram protocoladas por deputados. Entre outros, há pedidos de ajuste dos prazos de adesão ao pacote.
De onde é para vir a redução
Como a conta das indústrias e residências deve cair 20,2%, em média:
7% pela diminuição do peso dos encargos
A Reserva Global de Reversão (para novos empreendimentos) e a Conta de Combustíveis Fósseis (para custear térmicas no norte do país) serão extintas.
Continua depois da publicidade
A Conta de Desenvolvimento Energético, que subsidia programas como o Luz para Todos, será reduzida a 25%. Em troca, a União aportará R$ 3,3 bilhões por ano no setor.
13,2% pela renovação das concessões
Empreendimentos como usinas já pagaram o investimento ao longo do tempo e agora podem cobrar tarifas mais em conta.
No caso da geração, 20 contratos de concessão – com vencimento de 2015 a 2017 e equivalentes a 20% da produção de energia do país – serão renovados.
Na transmissão, serão renovados nove contratos (67% do sistema interligado nacional), e na distribuição, outros 44 (35% do mercado).
Continua depois da publicidade
Os contratos serão renovados por mais 30 anos para hidrelétricas, linhas de transmissão e distribuidoras e 20 anos para térmicas.
A composição da fatura no Brasil
A que correspondem cada R$ 100 pagos na conta de luz:
Tributos: R$ 32
Custo da geração: R$ 24
Custo da distribuição: R$ 21
Encargos e taxas: R$ 18
Custo da transmissão: R$ 5
Fonte: Instituto Acende Brasil
Compare os custos no mundo
Na indústria (em R$ por megawatt hora)
Itália: 458,3
Turquia: 419
República Tcheca: 376,4
Rio Grande do Sul*: 331
Brasil: 329
Chile: 320,6
México: 303,7
El Salvador: 301,3
Cingapura: 271,7
Portugal: 260,8
Japão: 224
Grã-Bretanha: 215,4
*Custo médio, que varia conforme horário e perfil de consumo e distribuidora – cada uma tem preços diferentes.
Nas residências (em centavos de dólar por quilowatt hora)
Dinamarca: 35,6
Alemanha: 31,9
Noruega: 26,1
Itália: 25,7
Suécia: 25,1
Brasil: 23
Chile: 22,9
Holanda: 22,5
Portugal: 21,5
Espanha: 21,5
Fonte: Firjan, com dados da Aneel (2011) e da Agência Internacional de Energia (2011)
Peso dos tributos e encargos na tarifa residencial (em %)
Dinamarca: 55,7
Alemanha: 40,6
Brasil: 37
Itália: 36,3
Suécia: 27,7
Chile: 27,2
Holanda: 25,9
Espanha: 25,2
Noruega: 25
Portugal: 24
Fonte: Abradee, com dados de Enerdata, FMI e Eurostat