*Por Lena Wilson
O aplicativo conduziu uma pessoa a um cachorro amigável no deserto e outra, a um campo de flores silvestres. Uma jovem, depois de decidir qual faculdade faria, seguiu o aplicativo até um campo onde as iniciais da faculdade foram cortadas na grama. E também teve os amigos, que seguiram o aplicativo até uma mala cheia de restos mortais humanos.
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Essa é a aposta que se faz com o Randonautica, que diz canalizar as “intenções” dos usuários de produzir coordenadas próximas do entorno deles para exploração. Imagine: a lei da atração se encontra com o “geocaching”.
O Randonautica faz algumas perguntas e recomendações a seus usuários – “O que você quer conseguir?” e “Escolha sua fonte de entropia” – antes de alertá-los para “se concentrar na sua intenção” enquanto busca as coordenadas. Esse processo depende das configurações de localização e de um gerador de número randômico, que, apesar do que diz a empresa, não pode ser influenciado diretamente pelos pensamentos humanos.
Muitos dos lugares para os quais os usuários têm sido enviados, desde que o Randonautica foi lançado em fevereiro, são considerados desinteressantes: estacionamentos, descampados e muitos cursos d’água, como rios e córregos. No entanto, o interesse pelo aplicativo tem sido impulsionado pelas histórias sinistras e, com frequência, sincrônicas de “randonautas” compartilhadas nas redes sociais. Embora muitas histórias pareçam falsas, outras têm sido fonte de preocupação.
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Os criadores do Randonautica dizem que o aplicativo evoluiu além de seus objetivos. Mas quais seriam esses objetivos?
Uma breve história do “Randonauting”
Antes do Randonautica, havia os “randonautas”: estranhos que trocavam histórias sobre suas aventuras assistidas por robôs rumo ao desconhecido. Eles queriam expandir a mente para o mundo ao seu redor e dar sentido às coincidências da vida.
O código do bot surgiu de um grupo de programadores chamado Projeto Fatum, que estava interessado, entre outras coisas, em usar a tecnologia para garantir a aleatoriedade dos resultados de apostas on-line.
Joshua Lengfelder, de 29 anos, descobriu o Projeto Fatum no aplicativo de mensagens Telegram, em janeiro de 2019, em uma sala de bate-papo sobre fringe science (ciência marginal). Ele assimilou as teorias do projeto sobre como a exploração randômica poderia tirar as pessoas de sua realidade predeterminada e como as pessoas poderiam influenciar resultados aleatórios com sua mente.
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Lengfelder, um ex-artista de circo, pensou que o código e suas ideias subjacentes poderiam ser usados para explorar a relação entre consciência e tecnologia. Em fevereiro de 2019, enquanto cuidava de seu pai, que tinha acabado de sofrer um acidente vascular cerebral, ele criou um bot para o Telegram que usava o código do Projeto Fatum para gerar coordenadas randômicas. Em março, ele criou um “subreddit” – um subfórum da rede social Reddit – do Randonauts, que agora tem 125 mil usuários. E, em outubro, um desenvolvedor chamado Simon Nishi McCorkindale criou um site para o bot.
No mesmo mês, Auburn Salcedo, diretora executiva da Presley Media, uma agência que cria integração de marcas para televisão, encontrou o Randonauts na rede social Reddit e se ofereceu para ajudar Lengfelder na divulgação. Em 24 de janeiro, Salcedo e Lengfelder incorporaram a Randonauts LLC, ela atuando como diretora de operações e ele como diretor executivo. (Salcedo permanece como diretora executiva da Presley Media, que cuida da área de relações públicas da Randonautica.) Eles lançaram uma versão beta do aplicativo em 22 de fevereiro.
Desde seu lançamento, o Randonautica já foi baixado 10,8 milhões de vezes na App Store e no Google Play, de acordo com a empresa de pesquisas Sensor Tower. Depois de alguns meses de crescimento rápido, em grande parte impulsionado pelo TikTok, os downloads têm diminuído, segundo os dados da empresa de análises App Annie.
Em uma entrevista em julho, Lengfelder descreveu o Randonautica como “uma plataforma de narrativa multimídia” que incentiva a “arte performática”. Ele revelou que a resposta arrebatadora não o surpreendeu. “Meio que imaginei que isso seria inevitável, já que é basicamente como uma máquina que cria memes e lendas, e se propaga por conta própria de forma viral.”
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Então, como ele funciona?
No primeiro uso, o Randonautica oferece uma breve introdução e algumas dicas (“Sempre use o aplicativo com o celular carregado”, “Nunca invada a propriedade alheia”) antes de solicitar o compartilhamento de sua localização.
Em seguida, o aplicativo pedirá que você escolha o tipo de ponto a ser gerado (as diferenças entre eles só importam se você acredita que o aplicativo possa ler sua mente) antes de buscar as coordenadas em um gerador de números aleatórios. Depois disso, o usuário pode abrir o local no Google Maps e começar sua jornada.
O Randonautica gosta muito de usar termos como “quantum” e “entropia”. Seus criadores acreditam que os números quânticos aleatórios têm mais probabilidade de ser influenciados pela consciência humana do que os números aleatórios não quânticos. Essa hipótese é parte da teoria sugerida por Lengfelder como “interação da mente com a máquina” (MMI, na sigla em inglês): ela postula que, quando você se concentra na sua intenção, está influenciando os números.
Daniel Rogers, um físico que trabalhou com geradores de números aleatórios quânticos, chamou a teoria MMI da Randonautica de “completamente absurda”. “Não há física quântica aqui. Isso é apenas gente usando termos importantes da ciência para soar como algo mágico. Não existe uma ciência de verdade”, comentou Roger, fundador do Índice Global de Desinformação, entidade que acompanha o alcance e os efeitos da desinformação no mundo.
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Não vá ‘randonauta’
O randonauta se tornou popular em parte por causa da psicologia inversa; os jovens usam o aplicativo com uma sensação de mau presságio. “Não vá ‘randonauta'” se tornou um título popular para vídeos.
Muitas pessoas que compartilharam histórias angustiantes sobre o aplicativo pararam de usá-lo depois dessas experiências. Adrian Chavez, de 21 anos, foi levado a uma praia sinistra perto de sua casa em Orange County, na California. Um vídeo de sua jornada, publicado no TikTok no início de junho, já foi visualizado quatro milhões e meio de vezes. “Apaguei o aplicativo logo depois disso e nunca mais o usei de novo”, garantiu Chavez em uma entrevista, em julho.
O usuário do TikTok de 18 anos que publicou um vídeo viral sobre a descoberta de uma mala com restos mortais humanos em uma praia de Seatlle, @UghHenry, escreveu nos comentários de seu vídeo: “Quando voltei para casa, desabei. Ainda não consigo dormir.”
Em uma entrevista ao “The Atlantic”, Lengfelder se mostrou indiferente em relação à história, que foi divulgada pelos meios de comunicação, incluindo o programa de TV “King 5 News” e o jornal “New York Post”. “Não é a melhor publicidade, mas não estou realmente preocupado com isso, porque é até legal. Eu gostaria de ser a pessoa que encontrou a mala.”
Alguns adultos demonstraram preocupação com a falta de medidas de segurança para as crianças. Embora os termos de uso do Randonautica especifiquem que menores devem obter o consentimento dos pais para usar o aplicativo, tal consentimento é coletado por e-mail, sendo fácil para os jovens contornar o problema.
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As preocupações com o tráfico humano e o uso de informações pessoais são abordadas na seção de perguntas frequentes do Randonautica, que garante que todos os dados de localização são mantidos em anonimato e disponíveis apenas para os desenvolvedores, e os pontos de partida nunca são salvos pelo aplicativo.
O jogo Pokémon Go, que usa realidade aumentada para incentivar a exploração local, tratou das questões de segurança criando “PokéStops”e “Gyms” em espaços públicos importantes e encorajando os usuários a ficar atentos.
As dicas de segurança do Randonautica são semelhantes: evite áreas perigosas, não invada a propriedade alheia, tente explorar os locais durante o dia ou com amigos. O site do Randonautica repetidamente encoraja os usuários a “usar o bom senso”. A próxima versão do aplicativo apresentará várias telas e pop-ups lembrando os usuários de usar o aplicativo de forma segura.
Salcedo disse que o advogado da Randonautica assegurou a ela e a Lengfelder que o aplicativo não seria responsável por nenhum comportamento inadequado do usuário.
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“O Google Maps também é responsável por fornecer as direções aos usuários? Em certo ponto, se alguém quiser realmente tomar outro caminho e se prejudicar, essa pessoa fará isso, usando o Randonautica ou não”, afirmou Lengfelder.
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