Segundo J. Angamarca, meio escondido num emaranhado de equipamentos eletrônicos numa recente noite de sexta-feira, colocou os seus fones de ouvido e deu uma olhada na sala, uma estação de rádio online improvisada no seu apartamento no Bronx.

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– Tudo pronto, não? – ele perguntou em espanhol. Apertou alguns botões em uma mesinha e, aproximando-se de um microfone ao vivo, começou a falar nos fonemas percussivos de uma língua completamente diferente, com raízes nas regiões montanhosas dos Andes de sua terra natal, o Equador.

– Estamos aqui! Estamos aqui esta noite por vocês, para ajudar a trazer a felicidade, da Rádio El Tambo Stereo – ele anunciou.

E assim começou a transmissão inaugural de “Quíchua Hatari”, talvez o único programa de rádio nos Estados Unidos apresentado em quíchua, uma variante do quéchua no Equador, língua indígena da América do Sul falada especialmente na Bolívia, no Equador e no Peru.

Apesar de humilde, o objetivo do show não é nada modesto: resgatar uma língua em extinção.

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Os estudiosos afirmam que o uso do quíchua está em queda mundialmente, devido, em parte, ao aumento do uso do inglês e do espanhol entre os falantes nativos. Na crescente diáspora equatoriana para os Estados Unidos, o sustento da língua, segundo os estudiosos, é enfraquecido pela falta de aulas de quíchua e de outros recursos, assim como a pressão entre muitos imigrantes equatorianos e seus filhos para rápida integração na sociedade.

A população equatoriana da cidade de Nova York agora totaliza mais de 137 mil, tornando-a uma das populações de imigrantes de mais rápido crescimento. No entanto, o número desses imigrantes e dos seus filhos que fala quíchua permanece incerto.

Charlie S. Uruchima, estudante de mestrado da Universidade de Nova York, filho de equatorianos, mas nascido aqui, disse que a população que fala quíchua era em grande parte invisível, contida nas populações mais amplas de equatorianos e de latinos. As pesquisas do Recenseamento Americano não medem especificamente a utilização do quíchua.

O show semanal é uma colaboração entre Angamarca e seus dois colegas: Uruchima e Luis Antonio Lema, professor de línguas natural do Equador e tradutor de tribunal.

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Uruchima conheceu Lema, um nativo da língua quíchua, em março. A escola pública do Bronx que o filho de Lema frequenta havia contatado a Universidade de Nova York procurando ajuda para tradução (desde 2008, a universidade oferece aulas de quíchua, ajudando a divulgar o idioma). A escola tinha cerca de 50 famílias falantes da língua e alguns dos pais não conseguiam falar inglês, nem espanhol.

Lema e Uruchima então conheceram Angamarca, também falante nativo de quíchua, cuja estação normalmente transmite em espanhol para um público de maioria equatoriana.

Angamarca propôs a ideia de um programa de rádio. Os três homens anteviram um programa que lidaria com as preocupações dos falantes de quíchua, inclusive o problema da isolação da língua entre as pessoas que não falavam inglês ou espanhol. Mas de uma forma geral, esperavam que o programa pudesse ajudar a unir a pequena população dos falantes de quíchua em Nova York e além.

Os membros da população acham difícil uma aproximação entre si e a articulação das questões que afetam a comunidade como um todo. Uruchima esperava que o programa se tornasse um espaço onde isso pudesse mudar.

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O programa de rádio estreou em 25 de julho. Às 17h40min, 20 minutos antes do início programado, Angamarca e Uruchima chegaram ao estúdio, em uma sala vaga no apartamento onde Angamarca mora com a família. Cartazes promocionais da estação e dois violões estavam pendurados nas paredes. Os telhados dos vizinhos eram visíveis através das frestas das cortinas transparentes na cor magenta.

Os apresentadores receberam dois convidados: Elva Ambía Rebatta, fundadora da Iniciativa Quéchua de Nova York; e Fabian Muenala, um dos fundadores da Nação Quíchua, grupo cultural sediado em Nova York (Muenala e Lema foram colegas em um movimento político-social no Equador nos anos 80).

Um aluno de doutorado em antropologia da Universidade de Nova York que está fazendo um documentário sobre Ambía Rebatta filmava o evento, e um diretor de programas da Aliança das Línguas Ameaçadas, um grupo com sede em Nova York, estava gravando o programa.

Uruchima usou uma camiseta com os dizeres, em quéchua: “Estou sonhando ou estou ouvindo quéchua?”.

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Lema finalmente apareceu com alguns minutos livres, pedindo desculpas pelo atraso.

E depois foi a hora do show.

– Estamos aqui para ajudar vocês, pessoal. Hoje, vamos apresentar canções, e histórias. Também iremos aprender – Angamarca disse para os ouvintes.

No primeiro intervalo, enquanto música folclórica tradicional de San Juanito tocava nas ondas do rádio, Angamarca tirou os fones de ouvidos. “Um pouco nervoso”, ele confessou.

Verificando a tela do seu computador, ele exclamou:

– Cento e doze! – Havia 112 pessoas ouvindo a transmissão, além de outros que sintonizaram a transmissão do vídeo ao vivo no site da estação.

Durante as próximas duas horas, os apresentadores e os convidados discutiram a língua, a cultura e os acontecimentos atuais, e falaram sobre suas vidas.

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– Para você, o que é quíchua? – Angamarca perguntou.

– Quíchua é a minha vida – Muenala respondeu.

– Quíchua é uma língua; quíchua é um lugar. Quíchua é uma história – Lema disse.

– Não queremos que a língua seja extinta – ele completou.

Ao se aproximar do final do programa, Angamarca disse aos seus ouvintes:

– Deveríamos nos preocupar com o fato de que, embora os estrangeiros tenham interesse em nossa língua quíchua e nas tradições indígenas, nós, como os próprios quíchuas, constantemente temos vergonha de nossa língua e de nossas tradições. Temos esperança de que este programa forneça um incentivo para começarmos a valorizar nossa língua e cultura neste país.

Fora do ar, Uruchima surpreendeu o grupo com um bolo decorado com as palavras: “Quíchua Hatari!”

– Podemos fazer muitas coisas se nos unirmos. Realmente, isto é como um sonho – Ambía Rebatta disse, antes de o grupo sair no anoitecer do Bronx.