As recentes denúncias de casos de racismo, machismo e até xenofobia nos grupos de cervejeiros do Brasil motivaram uma debandada da diretoria da Abracerva (Associação Brasileira de Cerveja Artesanal). Ao todo dez diretores, entre eles o presidente, o blumenauense Carlo Lapolli, renunciaram aos cargos nesta quarta-feira (2) à noite.
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Os casos vieram à tona nas últimas semanas, e ganharam atenção nacional em uma reportagem do programa Fantástico no último domingo (30). A sommelière Sara Araujo foi alvo de comentários racistas em grupos de WhatsApp com cervejeiros do Brasil inteiro – muitos de Santa Catarina -, e denunciou o caso após o vazamento das mensagens. A situação envolvia também a cervejaria gaúcha Implicantes, a primeira do Brasil com proprietários e cervejeiros negros, que foi atacada no grupo após fazer um financiamento coletivo para conseguir retomar a produção impactada pela pandemia.
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O episódio foi repudiado pela própria Abracerva, em um artigo de Lapolli pedindo por mudanças no setor. Na sequência, novas conversas em outros grupos envolvendo cervejeiros do país inteiro expuseram comentários machistas, alguns direcionados a mulheres conhecidas no meio cervejeiro, como fabricantes ou sommelières.
O novo caso, que desta vez também envolvia mensagens do ex-presidente da Abracerva, motivou a decisão de renúncia geral da diretoria da entidade. Uma nova eleição será convocada para o dia 15 de outubro, e até lá a associação terá como presidente interina a então diretora do Núcleo de Diversidade da Abracerva, Nadhine França.
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Em entrevista à reportagem, Carlo Lapolli admitiu que fez comentários “de baixo calão” que foram inadequados, e disse que o episódio foi “bastante grave”.
– Eu acho que é melhor [a renovação da diretoria], pra gente ter uma construção mais diversa. Tem que ter maturidade, de entender o episódio com a gravidade que ele tem. Talvez fui omisso nessa situação anterior do racismo, mas é a questão do racismo estrutural, de normalizar essas pequenas atitudes, que podem parecer pequenas na nossa visão de mundo de branco. A gente tem que ter empatia – disse o ex-presidente.
“Foram ataques horrorosos”, diz sommelière citada em conversas
Especialista em cerveja e embaixadora de um concurso internacional no Brasil, a sommelière Daiane Colla foi uma das citadas nos comentários machistas feitos nos grupos de WhatsApp.
Uma publicação feita por ela nas redes sociais após os casos de racismo contra Sara Araújo e a cervejaria Implicantes parou nos grupos de cervejeiros e foi alvo de uma série de comentários ofensivos. Colega de Daiane e colunista de uma revista especializada no mercado cervejeiro, Fernanda Meybom também foi hostilizada.
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– Essas pessoas chegaram a levar as ofensas ao meu chefe no concurso de cervejas na Bélgica e para a revista em que eu escrevo, mas felizmente eles entenderam a situação. Foram ataques horrorosos – diz Daiane.
A especialista afirma que a mudança na diretoria da Abracerva é positiva, em um momento que a associação precisa estimular a diversidade do setor cervejeiro:
– Acredito que foi o correto. A pessoa que assumiu interinamente, que é a Nadhine, é super conhecida no meio, mulher negra que consegue compreender as diversidades de diálogo necessárias.
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