Tecendo a manhã

1

Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

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e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Morte e Vida Severina

(…)

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra,

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas

e iguais também porque o sangue,

que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte severina:

que é a morte de que se morre

de velhice antes dos trinta

de emboscada antes dos vinte

de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

é que a morte severina

ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida).

Questão:

Com base na leitura dos textos 1 e 2, de João Cabral de Melo Neto, na obra de onde foram retirados e na norma padrão da língua portuguesa, assinale a(s) proposição(ões) correta(s):

01. Nos dois primeiros versos do texto 1, João Cabral de Melo Neto faz uso de tempos verbais no modo indicativo, o que enfatiza a certeza dos fatos mencionados. Uma das razões para tal escolha pode residir no desejo de transmitir ao leitor o reconhecimento e a preocupação com o social, característica típica de suas obras pós Pedra do Sono, seu primeiro livro.

02. O jogo entre diferentes classes gramaticais a partir de um mesmo vocábulo pode ser percebido na segunda estrofe do texto 1, evidenciando, dessa forma, que sua poesia é um elencar de dados bem estruturados, marca denotadora de sua referência como o engenheiro ou arquiteto da poesia.

04. A mudança para o modo subjuntivo dos verbos, percebida a partir do terceiro verso do texto 1, destaca uma característica neorrealista do autor, uma vez que cria uma espécie de “esperança racional” de que os fatos seguintes realmente ocorram.

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08. O uso de figuras de estilo ou linguagem como zeugma e elipse contribui para a construção da poesia do texto 1, evitando, assim, o uso excessivo de verbos e/ou substantivos, outro ponto característico de sua obra, a concisão.

16. A escolha proposital de certos substantivos, pronomes e advérbios gera, no texto 1, aliteração, figura de linguagem presente nas obras do autor e que cria um efeito sonoro interessante, considerado um recurso fônico de intensificação; consegue, assim, o autor a intensificação da imagética de referência social.

Resolução:

01. Os verbos “tece” e “precisará” estão conjugados, respectivamente, no presente e no futuro do presente do indicativo, modo que representa a certeza dos fatos.

02. O vocábulo “entre” está empregado como preposição, e o vocábulo “entrem”, como verbo. Já a palavra “tecido”, em sua primeira ocorrência, está empregada como substantivo, mas, na segunda, como um verbo.

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04. Os verbos “apanhe”, “lance”, “cruzem” e “vá” estão todos conjugados no presente do subjuntivo.

08. No verso “De um que apanhe esse grito que ele”, estão subentendidos o substantivo “galo” e o verbo “soltou”.

16. As palavras “tela” (substantivo), “todos” (pronome), “toldo” (substantivo) e “tão” (advérbio) geram aliteração.

Todas as alternativas são corretas.

Gab. 31