Personagens de séries de televisão como Seinfeld e Friends já fizeram anedotas sobre a participação em pesquisas clínicas como forma de tirar algum proveito financeiro, o que não seria possível no cotidiano desse tipo de estudo. Pesquisadores recrutam voluntários para testar a eficácia de novos medicamentos e medir efeitos colaterais sem oferecer qualquer tipo de remuneração.

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A solidariedade científica, no entanto, tem baixa adesão, segundo o médico e pesquisador Flávio Fuchs, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ao lado de Sandra Fuchs, ele coordena o estudo Prever, que envolve 24 centros de todo o país em testes com medicamentos para o tratamento da hipertensão. Reunir diversas unidades em torno de uma mesma pesquisa, aliás, é uma das estratégias usadas pelos cientistas para atingir amostras maiores. Recentemente, um artigo publicado no Jornal da Associação Médica Americana questionou a capacidade de testes clínicos realizados nos Estados Unidos fornecerem recomendações médicas confiáveis, visto que mais da metade deles envolveram menos de 100 pacientes e apenas 4% tinham mais de 1.000 voluntários.

– Participar de uma pesquisa demanda disponibilidade de tempo, a pessoa precisa se comprometer com cada etapa e também aceitar os riscos que toda pesquisa tem – comenta Fuchs.

Por conta disso, grande parte dos que se inscrevem para colaborar são, na verdade, os maiores interessados em novos tratamentos para a doença em questão. Nesses casos, os voluntários conseguem perceber uma forma de recompensa.

– Seja por qualquer motivo, voluntariedade absoluta ou algum interesse secundário, quem participa de um estudo como esse está oferecendo uma contribuição humana muito importante para a ciência – reforça Fuchs.

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Paciente bem acompanhado

Com sinais de hipertensão, o bancário Eduardo Godinho, 43 anos, monitora seus hábitos de alimentação e atividade física desde os 35. Nessa idade, seu pai morreu vítima de um AVC – complicação da pressão alta persistente. Há um ano e meio, ele foi recrutado pelo estudo Prever para participar do estudo clínico.

– Eu sei que estou contribuindo, mas não me sinto um voluntário. Eu me vejo como um paciente bem acompanhado – diz Godinho.

Já a professora aposentada Tânia Cohen, 64 anos, resolveu atender ao chamado que viu no jornal para participar do estudo por conta do histórico familiar: por mais de 20 anos, ela ficou cuidando da mãe, vítima de complicações da hipertensão. Recém-chegada ao grupo, ela ainda não sabe se será recrutada para a pesquisa.

– Achei que deveria participar para poder ajudar outras pessoas – resume.

A ajuda é bem-vinda, mas é preciso ter boa vontade também para cumprir com as recomendações exigidas pela pesquisa. No caso do Prever, tomar os remédios corretamente, estabelecer uma rotina de exercícios e manter uma alimentação regrada.

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– Tem que levar a sério, fazer a coisa caprichada – ensina João Donato Steinemetz, 65 anos, também voluntário (e paciente).

Respaldo científico

O coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rodolfo Schneider, esclarece que o sujeito de pesquisa tem direitos e deveres. Todos eles estão registrados no termo de consentimento livre e esclarecido. O documento, assinado pelo voluntário quando ingressa no estudo, apresenta os objetivos da pesquisa, os procedimentos a serem realizados (exames, frequência de consultas, etc), os principais riscos, os contatos da equipe clínica e do comitê de ética do centro de pesquisa.

– O termo deve ser redigido em forma de convite, numa linguagem clara, sem termos técnicos, para garantir o entendimento – destaca Schneider.

De acordo com o médico, o candidato pode ficar tranquilo quanto à segurança de sua participação na pesquisa, pois ela já passou por todas as etapas necessárias até o recrutamento de voluntários.

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Indícios revelados por pesquisas clínicas inspiram consensos médicos e até mesmo políticas públicas de saúde. É a chamada medicina baseada em evidências, que consiste em oferecer ao médico subsídios para auxiliar na tomada de decisão em tratamentos de saúde. O acesso a esse tipo de informação é cada vez mais valorizado no dia a dia da medicina, tanto que o governo federal criou um banco de dados para disponibilizar conteúdo científico a profissionais da saúde.

O voluntário deve

:: Seguir rigorosamente as recomendações.

:: Participar de apenas um estudo clínico por vez.

:: Comparecer em todas as visitas antes, durante e após o estudo.

O centro de pesquisa deve

:: Sanar todas as dúvidas do voluntário sobre o estudo.

:: Garantir assistência 24 horas para atender possíveis intercorrências clínicas durante e após o estudo, conforme previsto no termo de consentimento.

Fases da pesquisa

:: Novos medicamentos são testados primeiro em animais, para que o cientista possa antever possíveis efeitos adversos.

:: Quando parte para testes em humanos, primeiro, o medicamento é usado em pessoas que não têm a doença em questão, para avaliar a segurança do remédio e qual a melhor via de aplicação (uso oral ou injeção). Envolve até 100 voluntários.

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:: A segunda etapa envolve cerca de 300 pacientes com a doença em questão, para validar a segurança e a eficácia do medicamento.

:: Na terceira fase, são realizados estudos multicêntricos, para reunir entre 5 a 10 mil voluntários. A medicação é testada em comparação a similares já existentes no mercado. São os chamados estudos randomizados: uma parte do grupo usa o medicamento já comercializado e outra usa o medicamento em teste. Para garantir a imparcialidade da pesquisa, nem o paciente nem o pesquisador sabem quem está em qual grupo.

:: A última etapa dos estudos clínicos está focada na avaliação dos efeitos colaterais ou adversos. Ou seja, se a medicação compromete alguma outra função do organismo ao mesmo tempo em que trata a patologia em questão, dado relevante para futura prescrição médica.