O desvio de cerca de R$ 8 milhões dos cofres públicos, que transformou em presidiário o deputado Natan Donadon, ocorreu entre 1995 e 1998. O escândalo e a denúncia, aceita pelo Judiciário em 2002, não abalaram seu prestígio em Rondônia.
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Enquanto seu caso tramitou nos tribunais, ele obteve três mandatos na Câmara. Os problemas com a Justiça foram ignorados pelas urnas.
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Primeiro deputado federal em exercício com a prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde a Constituição de 1988, Donadon teve o mandato salvo pelos colegas de Câmara, mesmo trancafiado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. O futuro dele ainda depende de aval da Corte. Seu caso, porém, evidencia a rotina nacional de reeleger políticos envolvidos em escândalos.
Professor da Universidade de Brasília (UnB), o cientista político Lucio Rennó estuda, desde 1994, as variáveis que impactam a reeleição de parlamentares.
Nos casos de envolvidos em suspeitas de corrupção, ele identifica fatores econômicos, sociais e partidários para o sucesso nas urnas. Um exemplo é o embate entre eficiência e honestidade. Em geral, o eleitor prioriza o candidato capaz de trazer melhorias para seu cotidiano, como estradas, calçamentos e moradia. A biografia livre de desvios fica em segundo plano.
– É o tradicional “rouba, mas faz”, que beneficia, principalmente, políticos com passagem pelo Executivo. Além da existência de um eleitorado fiel, é o que explica o sucesso de um Paulo Maluf – ressalta Rennó.
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A postura das siglas também auxilia. Segundo o professor, em países como Estados Unidos, França e Alemanha, as siglas se desfazem de envolvidos em corrupção, pois privilegiam uma imagem íntegra. No Brasil, os partidos evitam expulsar candidatos sob suspeita com grande potencial de votos, que se beneficiam da demora do Judiciário para alegar inocência.
Juiz prega mudanças
A pesquisa de Rennó revela que, entre os últimos pleitos realizados no Brasil, só o de 2006 teve índice de punição alto – em virtude da exposição do mensalão e da máfia dos sanguessugas. Dos parlamentares citados em casos de corrupção, apenas 38% se reelegeram. Já em 2010, 68% ganharam um novo mandato.
Nos dois pleitos, sobreviveram os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), quarteto envolvido com o mensalão que, só agora, se prepara para deixar a Câmara.
O estudo traz outro dado decisivo nas reeleições: quem é acusado de corrupção precisa gastar mais recursos para se reeleger. Um dos líderes do movimento popular que culminou na aprovação da Lei da Ficha Limpa e que agora tenta emplacar o projeto Eleições Limpas, o juiz Márlon Reis tenta combater a influência do fator econômico. Por isso, propõe campanhas livres do financiamento de empresas.
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Para o magistrado, com dinheiro de sobra um candidato à Câmara produz mais material de divulgação e mobiliza maior número de cabos eleitorais, incluindo vereadores e deputados estaduais, staff que lhe arrecada votos. Suas ideias têm papel secundário.
– O financiamento privado permite a eleição de candidatos sem plataforma, independentemente de um passado íntegro ou não. Arrecadar mais é o meio para se eleger, o que precisa acabar – diz Márlon.
Entrevista – Ayres Britto, ex-presidente do STF
“Eleitores mais seletivos”
Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro aposentado Carlos Ayres Britto vê com otimismo a escolha dos representantes políticos em 2014. Em entrevista a ZH, revela crença no recado que as ruas trouxeram em junho.
Zero Hora – O brasileiro é mais tolerante com a corrupção no momento de votar?
Ayres Britto – Estamos vivendo uma nova era. É próprio da democracia fazer da transparência um dos seus mais sólidos pilares, implantar a cultura do debate. Isso produz resultados bons ao longo do tempo. O eleitor é mais informado da biografia do candidato. Teremos eleitores mais criteriosos, exigentes, seletivos. Projeto sobre o futuro político do país um
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olhar otimista.
ZH – Por que o otimismo?
Britto – Temos a novidade expressiva que é a população assumindo um protagonismo antes quase inexistente. São as manifestações de rua, em junho, que significam a ativação da cidadania, mandando recado explícito para
as autoridades.
ZH – Que recado foi mandado?
Britto – Que ninguém mais tolera privilégios, desperdício de recursos, corrupção. Aliás, um dos méritos dos movimentos, talvez o maior deles, é o link entre a corrupção e a falta de recursos para as políticas públicas essenciais, em saúde, educação, transporte, moradia. Parece que esse vínculo é o ponto mais alto da agenda.
ZH – O foro privilegiado é tratado como sinônimo de impunidade. As condenações recentes do STF, no mensalão e no caso Donadon, ajudam a mudar essa imagem?
Britto – A identificação do foro especial por prerrogativa de função e a possibilidade maior de um tratamento judiciário condescendente e até cúmplice passou. É página que estamos virando. Acredito que o sistema jurídico brasileiro deva fazer um enxugamento quanto aos recursos. Certamente, isso virá com o tempo.
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