O olhar desconfiado traz consigo as lembranças de quem acompanhou de perto as mudanças que a Ilha do Campeche, em Florianópolis, sofreu nos últimos anos. Dos seus 76 anos, Nabor João dos Santos passou 65 deles no espaço que nos dias atuais é considerado patrimônio arqueológico. Um local que nasceu como abrigo para os povos originários e suas pinturas rupestres se tornou refúgio para a pesca e a caça dos animais no século passado e, atualmente, carrega o título de “Caribe catarinense” ao encantar milhares de turistas que a visitam todos os anos.

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— A Ilha do Campeche é tudo para mim. Se eu tenho alguma coisa, eu agradeço à Ilha do Campeche — diz o pescador que há 25 anos abriu um restaurante na beira da praia.

Do outro lado, Lucas Zimermman Pires encontrou no local que avistava de longe desde a infância, na beira da Praia da Armação, uma “segunda casa”. Ele é um dos que atua para garantir a conservação em meio a boom turístico.

— [Meu objetivo] É manter o patrimônio intacto, toda a parte histórica e a valorização dessa história — conta.

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Ilha do Campeche: tudo o que você precisa saber para visitar o “Caribe Catarinense”

São histórias como essas que se misturam à mitologia da Ilha do Campeche, em Santa Catarina. Estudos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apontam que os primeiros povos a ocuparem o local foram os sambaqueiros, que viviam da pesca e coleta de alimentos. Os registros datam de aproximadamente oito mil anos atrás. Também há vestígios dos povos originários, como os Kaingang e Xlokleng.

No decorrer dos anos, a Ilha passou a ser utilizada para a exploração do óleo de baleia. Porém, com o fim da atividade econômica, a praia passou a servir de apoio para as atividades de pesca artesanal.

— Desde antes da colonização ela já foi bastante procurada. Ela tinha uma relação muito forte com a caça da baleia, com essa estrutura da armação, que se estabeleceu aqui em 1.772. Isso fez com que a Ilha tivesse uma importância histórica, logística e paisagística também — explica o geógrafo Aracídio de Freitas Barbosa Neto.

O pescador que viu a Ilha virar ponto turístico

A pesca artesanal mudou a forma como a Ilha era utilizada. Isto porque o local passou a ser ponto de refúgio dos moradores de Florianópolis no século passado, que encontraram no mar uma maneira de sustento. Foi nesse contexto que Nabor João dos Santos teve contato pela primeira vez com a praia, ainda adolescente, ao lado do pai.

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— Eu comecei com 15 anos ao lado do pai, como pescador. Depois, passou para o meu irmão mais velho e depois, eu que fiquei manobrando por aí, até hoje. Aí tivemos uma sociedade com a Pioneira da Costa, e meu pai resolveu vender uma parte. O falecido Seu Arlindo, porém, disse que nunca ia me tirar daqui, e até hoje eu estou aqui — explica.

Na época da pesca, Nabor conta que era normal a tripulação pernoitar na Ilha, o que a obrigava a explorar cada canto do local em busca de comida e água.

— Era só pé de laranja, vergamota. Para você andar, chegava a atolar o pé na água do tanto de goiaba madura que caia. Talvez vocês não conheçam, mas a gente pegava o que chamamos de pote para carregar a água e ia pegar lá no saquinho da fonte, atrás da Ilha, onde tem uma pocinha com água doce […]. Praticamente a minha infância toda foi aqui — relembra.

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Filhos de Nabor ajudam a tocar o negócio do pai na Ilha do Campeche (Foto: Lucas Amorelli, Diário Catarinense)

No entanto, a partir da segunda metade do século XX, a Secretaria de Patrimônio da União passou a ceder títulos de inscrição de ocupação para dois entes privados. Foi o que deu início ao processo de transformar a Ilha do Campeche em atração turística.

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O cenário contribuiu também para a mudança na vida de Nabor, que passou de pescador para dono do único restaurante da Ilha do Campeche há 25 anos.

— Começamos vendendo uma cachacinha, fomos aumentando, evoluindo, e sigo nesse ponto até hoje […]. O que mais sai é o peixe, que a gente pesca aqui — pontua.

De manezinho a guardião da Ilha

Com a introdução do turismo na Ilha do Campeche, surgiu a necessidade de garantir a segurança do patrimônio arqueológico. Por isso, em 2000, o local foi inscrito no livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, e passou a ser administrado pelo Iphan.

O órgão é responsável pela conservação da Ilha. Também é quem definiu o número de turistas que podem fazer o passeio para a Ilha do Campeche por meio da portaria 691/2009. Durante a alta temporada, entre dezembro e março, a capacidade é de 800 pessoas por dia. Já na baixa temporada, são 700 pessoas diariamente.

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E é nesse cenário que a história de um manezinho da Praia da Armação se mistura com a da pequena Ilha banhada pelo oceano atlântico.

— A minha família foi uma das principais fundadoras da Praia da Armação, então, sempre estive aqui, presente na Ilha. Quando tive a oportunidade, aos 15 anos, de fazer o curso de formação de monitores, aí eu agarrei. Acabei ficando e estou trabalhando até hoje — conta Lucas Zimermman Pires, coordenador do Programa de Visitação das Trilhas Terrestres da Ilha do Campeche.

Dezoito anos depois, ele segue atuando como monitor dos passeios da Ilha do Campeche. Durante este tempo ele viu desde as dificuldades na conservação durante a pandemia até o desaparecimento de dezenas de quatis em 2009 — um mistério da praia da Ilha do Campeche que segue sem solução até hoje.

Para Lucas, a oportunidade de trabalhar na Ilha também é uma forma de contribuir com a comunidade na qual foi criado.

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—  Tu vê um turismo de base comunitária muito forte. Então, é um privilégio estar trabalhando aqui — pontua.

A Ilha do Campeche é rodeada de magia. Para os moradores, no entanto, ela é muito mais que um patrimônio arqueológico ou natural capaz de atrair turistas e visitantes de todo o país. Ela também se mistura com a cultura de quem vive ao seu redor, como explica Aracídio de Freitas Barbosa Neto.

— Ela é um patrimônio histórico por conta das ruínas, do histórico que tem do uso agrícola e em função da caça da baleia. É um patrimônio paisagístico pela beleza que tem […]. Mas sobretudo, ela é um patrimônio dos moradores e pescadores que nela trabalham, que vivem e dependem da Ilha do Campeche ao longo das últimas várias décadas — finaliza.

Confira fotos da Ilha do Campeche

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Vídeo mostra detalhes da Ilha do Campeche

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