Os três primeiros vacinados contra covid-19 em Santa Catarina vivenciavam ainda nesta terça-feira (19) a repercussão do dia anterior. Na segunda, o enfermeiro, o idoso morador de um lar de repouso e a indígena receberam as primeiras doses da vacina CoronaVac enviadas ao Estado. Eles simbolizam os públicos que serão contemplados nesta primeira fase da campanha de vacinação em SC, que teve sequência nesta terça-feira com a chegada das doses aos municípios.
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Um dia após receberem a primeira dose, os três relataram não sentir qualquer efeito causado pela vacina, nem mesmo dor no local da aplicação. Em conversas com a reportagem, o enfermeiro Júlio César Vasconcellos de Azevedo falou sobre sua trajetória e as cenas que viu no dia a dia de hospital nos meses de pandemia.
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A administradora do lar onde o idoso João de Jesus Cardoso mora falou sobre a empolgação do aposentado após receber a vacina e da esperança que chegou aos outros companheiros de casa de repouso, vacinados nesta terça. Já a cacique Eunice Antunes, que também não sentiu reações após a vacina, falou sobre a luta dos povos indígenas e dificuldades enfrentadas durante a pandemia. Como fizeram logo após serem imunizados, todos mantiveram o apelo para que as pessoas se vacinem quando chegar a sua vez. Conheça mais sobre os três primeiros imunizados contra o coronavírus em SC:
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Júlio César: enfermeiro encarou o pior lado da pandemia

O enfermeiro Júlio César Vasconcellos de Azevedo, 55 anos, é natural de Macaé (RJ), mas veio para Florianópolis ainda criança, com apenas 10 anos de idade. O desejo de ser útil para as pessoas o levou à enfermagem. Foi para essa profissão que Júlio César dedicou os últimos 30 anos da vida, sendo 28 deles à Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Celso Ramos, na Capital.
Nesta segunda-feira, a vontade de ajudar as pessoas foi retribuída. Por representar os trabalhadores da linha de frente da saúde e ser o mais antigo da terapia intensiva que trata casos graves de Covid-19, o profissional foi escolhido para ser o primeiro a receber a vacina no Estado.
– Na minha cabeça eu estava meio que não acreditando. Mas claro, a gente vai conversando, sendo instruído, daí foi caindo a ficha. Mandei no grupo de Whatsapp da família e todos ficaram emocionados, deram os parabéns – conta.
A vacinação foi o episódio mais recente de uma trajetória difícil enfrentada por Júlio César nos últimos meses. Ele mora sozinho e não tem filhos, o que facilitou o isolamento, mas por trabalhar na UTI, precisou deixar de visitar os irmãos mais velhos, que pertencem ao grupo de risco. Desde o início da pandemia o morador da Capital esteve na linha de frente de atendimento de casos de Covid-19, tratando pacientes na forma grave que precisavam de tratamento em UTI. Foi nesses leitos que viu as cenas mais impactantes da pandemia.
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– O que mais marca é o paciente chegar conversando, consciente, e depois terminar no tubo, porque o pulmão não recupera. Muitos chegam olhando os pacientes entubados e dizem: “não quero ficar igual àquele paciente, não me deixa ficar daquele jeito”. Mas muitos acabam precisando ser entubados – conta.
O que mais marca é o paciente chegar conversando e depois terminar entubado.”
Por ter visto o pior da doença nos leitos de UTI, Júlio César admite revolta com cenas de festas e aglomerações como as registradas em Santa Catarina no final do ano. Mostras de pessoas que desconsideram o risco da doença, conhecido de perto pelos profissionais de saúde.
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Um dia após tomar a primeira dose, Júlio César diz não ter sentido qualquer reação, nem mesmo dor no local da aplicação. O enfermeiro aproveitou uma folga surpreso com a repercussão da sua vacinação nas redes sociais. Morador do Campeche, ele já tem um desejo para quando estiver totalmente imunizado após a segunda dose: ir à praia, colocar uma cadeira na areia e apreciar seu programa favorito, que foi prejudicado pela pandemia.
– O apelo que faço é aquele que disse após ser vacinado, para as pessoas terem amor com os outros e se vacinarem, porque assim você não vai estar transmitindo a doença – afirma.
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João de Jesus Cardoso: feliz e à espera de passeios após vacina

O aposentado João de Jesus Cardoso, 81 anos, foi o segundo catarinense a receber a vacina contra o coronavírus, ainda na segunda-feira (18). Ele representou o grupo de idosos com mais de 60 anos que moram em locais de longa permanência como casas de repouso. Esse público também faz parte desta primeira fase da vacinação. Um perfil de pessoas que sentiram restrições de isolamento ainda mais severas do que a população em geral nos últimos meses.
Agricultor e analfabeto, seu João é natural de Paulo Lopes, na Grande Florianópolis, e mora há quase quatro anos no Lar dos Velhinhos de Zulma, em São José. Ele não tem filhos, mas costumava receber visitas de uma irmã, que precisaram deixar de acontecer após a chegada da Covid-19.
– A pandemia afetou no sentido psicológico. A casa é bem movimentada, tinha culto de oração, bailinho, fisioterapia, e de repente tudo parou. O que ele [seu João] mais sentiu foi de não poder ver a irmã. Ele pedia para ir vê-la, a gente tentava resolver com videochamadas, para ele matar a saudade. Agora no começo do ano, então, autorizamos que ele fosse visitá-la, e ele voltou mais feliz – conta a administradora do Lar dos Velhinhos de Zulma, Débora Cristina Kuhn.
Débora diz que seu João é a tranquilidade em pessoa. Dá bom dia e deseja “a paz de Nossa Senhora” para todas as funcionárias do local todos os dias. Gosta de andar sempre bem arrumado, com a boina que vestiu até mesmo na cerimônia em que recebeu a vacina.
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– Tudo ele gosta de fazer. Tínhamos fisioterapia, ele ia. Dizíamos: vamos passear? Vamos. Vamos para o bingo? Vamos. E adora dançar. Em todo bailinho que tínhamos, ele estava presente – conta a administradora.
Débora afirma que seu João estava feliz da vida nesta terça-feira por ter recebido a vacina, conhecido o governador e vivido praticamente um dia de fama. Ele também não relatou nenhum efeito após ser vacinado. Nesta terça, assistiu aos outros 24 companheiros de casa de repouso também receberem a vacina contra a Covid-19 e viverem o momento especial que ele experimentara um dia antes. Mais perto da imunização, os idosos do lar já planejam quando será possível fazer passeios novamente, depois de quase um ano.
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– Para nós foi o melhor momento de todo esse período de pandemia. Um momento de luz no fim do túnel. Ontem [segunda] ficou todo mundo na televisão querendo ver o seu João, perguntando “nós vamos ser os primeiros?”. Todos comemoraram. E hoje a pergunta mais feita foi quando poderemos voltar a ter passeios – descreve, sorridente.
Logo após tomar a vacina, que, vale lembrar, ainda é apenas a primeira dose e exige nova aplicação para garantir proteção, seu João em poucas palavras fez questão de convidar os catarinenses a também se imunizarem quando as doses estiverem disponíveis:
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– Fiquei contente, a gente tem que tomar a vacina.
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Eunice Antunes: vitória dos povos indígenas com a imunização

A líder Eunice Antunes, que tem o nome indígena de Kerexu Yxapyry, foi a primeira representante dos povos indígenas vacinada contra a Covid-19 em SC. Os índios que vivem em aldeias também integram os grupos que receberão a vacina contra o coronavírus já nesta primeira fase da imunização.
Eunice é líder da aldeia Guarani do Morro dos Cavalos, em Palhoça, na Grande Florianópolis, e é apontada como uma das maiores lideranças femininas do país. É professora formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e foi a primeira educadora da aldeia a dar aula para as crianças. A atuação sempre buscou uma educação bilíngue e identificada com os valores da comunidade. Também teve papel importante na construção de um maior protagonismo das mulheres nas decisões que envolvem as aldeias.
O papel de liderança foi um dos critérios pela escolha de Kerexu para ser a primeira a ser vacinada, para motivar os demais indígenas a se imunizarem. Nesta segunda, após receber a vacina, Eunice disse ter vivido uma mistura de sensações. Ela se lembrou do histórico negativo de outras pandemias e vírus em comunidades indígenas do país e da luta para que as aldeias fossem incluídas nos grupos prioritários.
– Acredito que todos os brasileiros estão esperando por esse momento. Foram 10 meses de muitas perdas, mortes. Então foi essa mistura de sentimentos, de alegria, compensação, vitória, que eu tive naquele momento – contou.
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A líder indígena disse na noite desta terça-feira não ter sentido nenhuma reação após a vacina e estar se sentindo bem. A comunidade da qual ela faz parte ainda não começou a receber a vacinação, mas a expectativa é de que algumas aldeias do Estado tenham as aplicações das primeiras doses a partir desta quarta-feira (20).