No decorrer da história de Blumenau, homens de relevância se destacaram no desenvolvimento da cidade e são lembrados até hoje pelo o que fizeram desde a época da colônia. O que não se sabe, porém, é que grandes mulheres também estiveram por trás do crescimento do município que é, atualmente, o maior do Vale do Itajaí.

Continua depois da publicidade

Nomes não faltam para ser mencionados, independentemente da área escolhida. Seja na economia, saúde ou no mundo das artes, elas estavam lá para transformar o presente e futuro — só não costumam ser citadas com a mesma frequência que o sexo oposto.

Inscreva-se e receba notícias pelo WhatsApp do Vale do Itajaí

A crítica parte do documentário “Força: substantivo feminino”, lançado em Blumenau e dividido em cinco episódios já disponíveis no YouTube. A série conta a trajetória de 40 mulheres que participaram da história da cidade e não receberam o devido reconhecimento por isso.

Quando são mencionadas, por exemplo, é comum que seja de forma isolada ou dentro de um contexto específico. Assim, a ideia do documentário é mostrar, de outra maneira, a importância que elas tiveram para a sociedade, ultrapassando as paredes das bibliotecas ou as folhas dos trabalhos acadêmicos que descrevem essas personalidades.

Continua depois da publicidade

Conteúdo feito a partir do documentário Força: substantivo feminino, produzido pela Trilha Filmes e veiculado em episódios no Jornal do Almoço Blumenau na Semana da Mulher.

Palestra em sala de cinema sobre estilo e amor próprio celebra Dia da Mulher em Blumenau

Pela falta de divulgação, há quem não saiba que foi através da força delas, por trás das máquinas de costura, que se ergueu um polo têxtil em Blumenau. Além disso, várias outras mulheres fundaram ou, então, lideraram grandes indústrias e iniciativas que perduram até os dias atuais.

Mas, afinal: quem são elas? No Dia Internacional da Mulher, o NSC Total te convida para conhecer a importância que essas personalidades tiveram — e continuam exercendo — em diferentes cenários da história de Blumenau. Independente do passar do tempo.

Confira fotos de mulheres que fizeram a diferença em Blumenau

Continua depois da publicidade

As mulheres da economia blumenauense

A economia de Blumenau está historicamente ligada à indústria têxtil e personagens masculinos. As mulheres até aparecem, mas é de forma anônima, geralmente nas fiações e tecelagens. O que poucos sabem é que, desde sempre, elas ocuparam também funções de liderança nas empresas.

Muitos negócios, inclusive, começaram com elas à frente. Johanna Altenburg, por exemplo, produzia acolchoados e travesseiros manualmente em casa. O ano era 1922. Quando ficou viúva, ela precisava sustentar os filhos e se tornou o que se chama atualmente de “empreendedora por necessidade”.

Com penas de ganso, lã de carneiro e algodão, Johanna deu início ao negócio que, hoje, é o maior fabricante de travesseiros da América Latina e que já está na quarta geração da família.

Antes disso, a história de Blumenau se mistura à da Família Hering. A colônia tinha apenas 30 anos quando os irmãos alemães Bruno e Hermann fundaram a empresa têxtil. Os dois deram o pontapé inicial, mas eram elas, na verdade, que produziam.

Continua depois da publicidade

Família Hering: Paul Hering, Else Hering, Johanna Hering, Nanny Hering, Margareth Hering, Max Hering, Gertrud Hering e Curt Hering (Foto: Divulgação)

Junto com a mãe, Minna, as filhas de Hermann — Johanna, Nanny, Else e Margareth —, as mulheres desenhavam e costuravam em casa as camisetas que a família vendia. Na época, era comum que se parasse de trabalhar após o casamento. E foi o que aconteceu entre as mulheres da Família Hering.

Johanna, porém, logo se separou e voltou a trabalhar na empresa.

Além do trabalho de liderança dentro da indústria, ela se dedicou a causas sociais fundamentais para a época, como a primeira maternidade de Blumenau (saiba mais abaixo).

O setor têxtil ainda teve Bertha Matilde à frente da Empresa Industrial Garcia. Quando morreu, a indústria quase foi à falência e o marido precisou vendê-la. Martha Kuenrich também ajudou o companheiro a fundar a Teka, em 1926. Já Cecília Weege Lischke, depois de assumir a Fábrica de Chapéus Nelsa, deixada pelo pai, fundou a Maju Indústria Têxtil, especializada em lingeries que antes eram importadas da Europa.

Maju, localizada na Rua Antônio da Veiga (Foto: Arquivo histórico)

Mas, não para por aí. A força feminina vai além do setor têxtil. Conhecida como a Capital Nacional da Cerveja, Blumenau também tem na história uma mulher dentro desse cenário. Isso porque, em 1860, Heinrich Hosang abriu a primeira cervejaria da cidade.

Continua depois da publicidade

Porém, quando ele morreu, em 1888, a esposa Helene Brandes e o filho, Otto, administraram a empresa por uma década, com o mesmo sucesso do fundador. Vendiam para hotéis, bares e restaurantes locais, além de comercializarem para o consumo em casa.

Mulheres de destaque não faltam, em qualquer área. Basta que se queira saber quem são.

Mulheres na época da colônia

Elas moravam na Alemanha, muitas com acesso a escola, teatro, hospital e farmácia. Viviam em casas de alvenaria, tinham panelas, louça de porcelana, casacos para enfrentar temperaturas baixas. Até que se mudaram para a colônia Blumenau.

Aqui, às margens do Rio Itajaí-Açu, era mata virgem por todo lado. As cabanas de palmiteiros serviam de abrigo. Já a “chaleira esmaltada” virava carvão no contato direto com o fogo. O calor castigava os imigrantes acostumados com o frio europeu e a única tarefa era trabalhar.

Blumenau no passado (Foto: Arquivo histórico)

A força das mulheres se fazia essencial, como já alertava o colonizador Dr. Blumenau no início da ocupação alemã no Vale do Itajaí.

Continua depois da publicidade

“Uma esposa aqui é tão necessária quanto o pão de cada dia. Procurem trazer uma esposa com prendas domésticas e que não esteja muito habituada a cidades grandes”, escreveu Hermann Bruno Otto Blumenau em uma carta de 12 de dezembro de 1853.

O apelo por mais força feminina não era em vão. Na lista dos primeiros imigrantes, estavam apenas seis mulheres: Minna, Clara, Alma, Johanna, Christine e Marie. Duas delas ainda eram crianças.

Na primeira década da colônia, era uma mulher para cada 10 homens. Nenhuma que chegava em solos catarinenses imaginava ter de construir a própria casa. Nem mesmo aquelas que vinham castigadas pela crise na Europa, que fugiam da fome e do desemprego.

As cartas e relatos da época mostram este impacto que elas tiveram diante de uma vida difícil e sem nenhum tipo de lazer.

Continua depois da publicidade

Trabalho com enxada era comum no passado (Foto: Arquivo histórico)

Bertha Repsold, por exemplo, teve uma trajetória solitária por aqui. Apesar de ter vindo de uma família rica na Alemanha, ela colocou a lealdade ao marido acima de tudo ao chegar com Dr. Blumenau na colônia. A promessa dele é que os dois morariam em uma “bela casa no Morro do Aipim” — o que nunca se concretizou.

E isso que ela só teve quatro filhos. A xará Bertha Bichels, casada com o agrimensor Emil Odebrecht, criava ao menos 15 enquanto o marido viajava para abrir estradas que ligassem a colônia ao Planalto e Litoral. Sem contar os 77 netos que também tinha.

Além disso, as mulheres ainda precisavam arrumar tempo para mais do que “apenas” educar as crianças.

Na época, elas eram responsáveis por tratar os animais e cultivar a lavoura. Também produziam conservas, pães e doces que vendiam para outros imigrantes. Assim, além de aumentar a renda da família, matavam a saudade dos sabores da Alemanha.

Continua depois da publicidade

Bertha Bichels, casada com o agrimensor Emil Odebrecht (Foto: Arquivo histórico)

As receitas ficaram eternizadas em livros de Therese Stutzer, por exemplo. A confeitaria, principalmente, virou uma marca da cultura blumenauense, com os cafés coloniais que são tradição até hoje.

Mulheres da cultura blumenauense

Um lugar inóspito, sem estrada ou luz elétrica, pode parecer pouco convidativo para teatro, música e arte em geral. Em 1850, porém, os imigrantes recém-chegados à colônia Blumenau sabiam que somente a cultura era capaz de aliviar a dura rotina de quem teria de começar do zero.

Quando Dr. Blumenau escreveu uma extensa lista de orientações aos imigrantes, incluiu instrumentos de trabalho, mas também reconheceu a importância dos livros e partituras.

“É importante não esquecer um livro de canções e os pequenos instrumentos musicais, como a harpa e o violino, e com estes proporcionar momentos agradáveis a si mesmo e seus vizinhos”, conforma consta em um trecho do livro “Um alemão nos trópicos”, com correspondências de Dr. Blumenau.

Continua depois da publicidade

Barracão dos imigrantes, na época da Colônia (Foto: Arquivo histórico)

As peças teatrais, saraus literários e corais de igreja ajudavam a matar a saudade da vida na Europa. E quem liderava tudo isso era uma mulher: Rosálie Sametzki — ou, para os íntimos, Rose Gaertner. Ela foi a primeira diretora da Companhia Fluvial a Vapor Blumenau-Itajaí e era, inclusive, acionista. Também foi a primeira mulher a se separar oficialmente em Blumenau, ainda do primeiro marido.

Rose se tornou referência por ser uma das principais entusiastas das artes na colônia. Mesmo com oito filhos e tocando a empresa da família quando o último companheiro morreu, ainda promovia recitais e ensaios. O maior legado que deixou foi ter liderado a criação da Sociedade Teatral Frohsinn, que deu origem ao Teatro Carlos Gomes.

Ela pode ser até hoje a mais conhecida, mas não foi a única mulher de destaque no cenário cultural blumenauense ao longo desses mais de cento e setenta e três anos. Na virada para o século vinte, Gertrud Gross e Emma Deeke foram importantes romancistas, contistas e poetisas.

Teatro Frohsinn, em 1934 (Foto: Arquivo histórico)

Anne Brunner esteve à frente de uma editora de livros e uma revista, o que não era nada comum para a época.

Continua depois da publicidade

Além disso, o patrimônio histórico-cultural de Blumenau também deve muito a mulheres como Renata Rohkohol Dietrich e Edith Gaertner, que doaram casas que ajudam a recontar o passado da cidade.

Tem ainda Ellen Volmer, que organizou o acervo do Museu de Hábitos e Costumes, por exemplo. Elke Hering nas artes plásticas, Edith Kormann no teatro e Noemi Kellermann na música. Esta última estudou na Áustria, fez parte de um movimento que mudou o cenário artístico de Blumenau nos anos 1970 e por mais de três décadas atuou no Teatro Carlos Gomes, na Universidade Regional de Blumenau e no Conselho Municipal de Cultura.

Hoje, com mais de 80 anos, ainda é voluntária do Centro de Valorização da Vida.

Mulheres em movimentos sociais de Blumenau

É comum em Blumenau conhecer alguém que participa ou já participou de algum Clube de Mães. São 128 grupos que reúnem mulheres nos bairros com atividades beneficentes. Elas fazem artesanato, costuram e criam outras maneiras de ajudar as pessoas economicamente mais vulneráveis, além de incrementar a própria renda familiar.

O que muitos não sabem é que tudo começou com a iniciativa de mulheres como Maria do Carmo Carl, conhecida como Polaca, e Maura dos Santos, a Dona Santa, na década de 1970. As duas sempre foram muito atuantes na comunidade. A preocupação com o desenvolvimento social, no entanto, está no dia a dia da mulher blumenauense há muito mais tempo. A Sociedade Evangélica de Senhoras de Blumenau, por exemplo, existe há 117 anos.

Continua depois da publicidade

Registro em evento da Sociedade Evangélica de Senhoras de Blumenau (Foto: Arquivo histórico)

Foi a enfermeira Mildred Mummelthey quem começou o trabalho de assistência a doentes e carentes. Junto com ela, só havia mulheres. Elas se encontravam para bordar e costurar para eventos beneficentes.

Quem também fez parte desta mesma organização assistencial foi Alda Niemeyer, que ficou conhecida quando atuou nas enchentes de 1983 e 1984 em Blumenau. Como radioamadora, ganhou destaque nacional e garantiu que a cidade isolada pela água se comunicasse com o mundo.

Além disso, também trabalhou como enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial na Alemanha, atuou como voluntária da Cruz Vermelha, foi membro do conselho da Apae, dirigiu um grupo de teatro amador, escreveu poemas e foi até professora de yoga.

Alda Niemeyer foi radioamadora (Foto: Arquivo histórico)

E quem conhece Cristina Otília Apolônia Von Buettner? A mulher era inglesa e veio para Blumenau em 1865 a fim de coordenar a Escola para Meninas, em um prédio da antiga Rua do Imperador — atual Alameda Rio Branco.

Continua depois da publicidade

Cristina foi a primeira professora mulher de Blumenau no ensino público, com ajuda de outras duas pioneiras: Margarida Freygang e Else Gaertner. E foi o trabalho dessas mulheres que levou educação para alunas que não podiam pagar o colégio particular.

Elas estudavam Economia Doméstica, História da Arte, Geografia, Música, Culinária, Costura e Boas Maneiras. Um currículo voltado para o papel que se esperava da mulher, na época: cuidar da casa e contribuir para o desenvolvimento social. Mas isso não significa que elas tenham se limitado.

Partiu da iniciativa de uma mulher, por exemplo, a criação de uma maternidade em Blumenau durante o período em que só se faziam partos em casa. Ela precisou de força nos argumentos para enfrentar a resistência e, só depois de muita luta, conseguiu um marco para a área da saúde na cidade (leia mais abaixo).

Registro da Escola para Meninas, na Alameda Rio Branco (Foto: Arquivo histórico)

Mulheres que atuaram na saúde, em Blumenau

Elsbeth Koehler. O nome pode ser conhecido por ser o mesmo de um ancionato que existe há mais de 40 anos em Blumenau, mas o legado desta mulher vai muito além do serviço assistencial. É dela a iniciativa de criar neste prédio, que segue em pé até hoje, a primeira maternidade, cinco anos antes de Blumenau ser oficialmente considerada uma cidade.

Continua depois da publicidade

À época, quem doou o terreno foi outra mulher, Johanna Hering. Já o valor de duzentos mil réis para começar a obra veio da escritora Gertrud Gross. Essa união feminina ocorreu em um tempo em que parto fora de casa era uma afronta, “sinal de pobreza, vergonha e solidão.”, conforme consta no livro “História da Vida Privada”, de Philippe Aries e Georges Duby.

Elsbeth teve, portanto, de convencer as mulheres que maternidade era sinônimo de segurança para mãe e filho na hora do parto, independente da classe social. Se não bastasse, precisou de apoio dos homens que tinham dinheiro para investir, mas não achavam normal uma mulher ser tão articulada e cheia de argumentos para a época.

Prédio original da primeira maternidade de Blumenau (Foto: Arquivo histórico)

Outras que se tornaram referências na história da saúde pública em Blumenau são Marta Kunzmann e Catharina Tielkes. Marta, hoje, dá nome ao Ambulatório Geral do Distrito do Garcia e trabalhou como parteira nesta casa por 30 anos.

No endereço da Rua Amazonas, no Garcia, funcionava a Casa das Irmãs, ligada à Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas. Marta era conhecida como Anjo Branco e, além da bondade, tinha como marca ir de bicicleta ou a cavalo para atender qualquer parto, sem distinção de classe social.

Continua depois da publicidade

Já Catharina Tielkes usava o nome de Irmã Aloysianis. Aprendeu sobre enfermagem na Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra Mundial na Europa e, da Alemanha, trouxe para Blumenau o primeiro aparelho de raio-x de Santa Catarina. Operar o equipamento era a especialidade dela.

Irmã Aloysianis também chegou a ser diretora do Hospital Santa Isabel e trabalhou durante 54 anos. Mesmo com a saúde debilitada e um braço amputado, até morrer ela se dedicou a atender quem precisava.

Fachada do Hospital Santa Isabel em 1916 (Foto: Arquivo histórico)

Além destes, outros diversos nomes ficaram de fora da “lista” de mulheres que fizeram história em Blumenau. Entidades assistenciais como a Casa da Amizade e a Rede Feminina de Combate ao Câncer, por exemplo, são formadas só por mulheres.

Antes da chegada dos imigrantes, indígenas também já viviam em solos blumenauenses, mas pouco se sabe sobre a trajetória desses povos originários, já que não há muitos registros na região.

Continua depois da publicidade

O documentário busca, portanto, reforçar que as mulheres sempre estiveram presentes no desenvolvimento econômico, social e cultural de Blumenau, mostrando também que força é, muito além do dicionário, um substantivo feminino.

Leia também

Congresso antifeminista no Dia da Mulher é tapa na cara das mulheres de SC

“Não tem mais lugar para homem que não defende feminismo”, diz Sônia Bridi no Dia das Mulheres