Há quem diga que o tempo cura toda dor, mas não bem é verdade. Para quem vive a angústia de esperar pelo retorno de um parente desaparecido, cada dia a mais no calendário é de sofrimento e dúvidas. O que aconteceu para o familiar não voltar ao lar é, infelizmente, um questionamento compartilhado por 42 famílias em Blumenau. Esse é número de pessoas cadastradas atualmente no site da Polícia Civil.
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O caso de Rafael Ricardo Muniz Bonsenhor é o segundo mais antigo na cidade com registro oficial. No dia 10 de janeiro de 1998, ele saiu para ir à padaria no bairro Água Verde e nunca mais voltou. Na época o garoto tinha 17 anos. A foto do menino estampa o perfil da rede social de Maria de Lurdes, mãe dele.
Passados 23 anos, ela ainda espera por uma notícia.
Procurada pelo Santa, a mulher preferiu não dar entrevista, mas citou uma publicação de 2019 na comunidade SOS Crianças Desaparecidas, no Facebook. No post, a mãe desabafou sobre o que define como uma procura incansável mesmo após duas décadas: “[…] Ainda não há pistas. Quem souber algo sobre o paradeiro dele ou o que de fato aconteceu, faça a denúncia anônima”.
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O perfil
O cadastro mais antigo de pessoa desaparecida em Blumenau é de Marcílio Erwin Puchler, visto pela última vez em 13 de outubro de 1994, aos 30 anos. Até hoje o caso está sem um desfecho junto com os de outros 36 adultos que simplesmente sumiram na cidade, conforme o portal da Polícia Civil do Estado. Na lista há ainda cinco adolescente com idades entre 14 e 17 anos na data do desaparecimento.
A pessoa mais velha no sistema é Erondina Paz da Silva, de 68 anos. Não há informações sobre o paradeiro dela desde o dia 2 de maio de 2016. Das 42 pessoas com registro aberto junto à Polícia Civil, em Blumenau, 32 são homens e 10 são mulheres. Nenhum deles tem foto cadastrada no sistema, o que dificulta, por exemplo, uma identficação por terceiros.
Quem são e quando foram vistos pela última vez
Alex Zeferino Ramos – 27 anos – sem registro da data de desaparecimento
Alexandra Tilles – 32 anos – 05/02/2015
André da Silva Maas – 38 anos – 14/02/2020
Anita Passold – 54 anos – 14/09/2008
Antônio Israel de Almeida – 34 anos – 04/06/2011
Carlos André de Moura – 23 anos – 28/03/2021
Cesar Leonardo Kellner – 53 anos – sem registro da data de desaparecimento
Claudiane Tives Aruda -25 anos – 05/06/2010
Domingos Augusto da Silva Almeida – 24 anos – 24/07/2019
Eduardo Jose Zendron – 34 anos – 10/11/2015
Erondina Paz da Silva – 68 anos – 02/05/2016
Everton Júnior de Medeiros dos Santos – 30 anos – 27/07/2020
Everton Luís Demarchi – 26 anos – 26/05/2021
Fliciano Aparecido Mendes – 32 anos – 05/04/2021
Gilberto Maul – 58 anos – 29/12/2020
Giovana Karla Morais de Aguiar – 14 anos – 15/05/2021
Janes da Silva Macedo – 48 anos – 26/05/2016
Jonas Lucca dos Santos Medeiro – 16 anos – 19/05/2020
José João da Gama – 56 anos – 05/01/2009
José Pereira Nunes – 46 anos – 08/04/2007
Josieli Ferla – 28 anos – 13/11/2020
Kauê Adriano Correa Machado – 23 anos – 04/02/2019
Letícia Pereira da Silva – 31 anos – 03/10/2020
Lucas Ricardo Bertoldo Candia – 17 anos – 18/05/2021
Luiz Adriano Soares de Lima – 29 anos – 05/06/2018
Luiz Henrique de Jesus da Rocha – 18 anos – 19/01/2013
Marcelo Lima Evangelista – 21 anos – 18/01/2020
Marcilio Erwin Puchler – 30 anos – 13/10/1994
Marcio Jair Telles – 40 anos – 25/12/2020
Moacir Haendchen – 36 anos – 18/05/2007
Naziozeno Cardoso de Lavor Junior – 23 anos – 12/12/2020
Nelson Ramos – 52 anos – 18/05/2012
Nilsa Nort – 36 anos – 18/05/2007
Paulo Rogério da Silva – 47 anos – 24/12/2019
Pedro Alves de Lima – 64 anos – 03/08/2007
Rafael Ricardo Muniz Bosenhor – 17 anos – 10/01/1998
Rafael Stahelin – 20 anos – 07/10/2006
Sebastião Silveira – 57 anos – 01/12/2015
Sidni Borges Fernandes – 28 anos – 03/01/2011
Thayna Sarah Moreira Cyrino – 23 anos – 13/09/2019
Tiago Rodrigues Vidal de Souza – 33 anos – 26/05/2021
William Matos Texeira – 20 anos – 06/01/2019
A procura
Há oito anos Santa Catarina conta com uma delegacia especializada em pessoas desaparecidas. Desde a criação, o órgão aponta ter ajudado a localizar mais de 30 mil pessoas. Hoje são 1.336 casos aguardando por solução. O responsável pelo departamento, Wanderley Redondo, diz que são muitos os desafios nas buscas neste trabalho.
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A começar pela equipe, de apenas cinco pessoas, passando por um site que é ainda provisório e não permite alterações simples, como ajustar as poucas fotos disponíveis dos procurados. Esbarra também na falta de um cadastro nacional de desaparecidos e na limitação de acesso à informações do Bolsa Família e cartórios civis, por exemplo.
— O sistema que nós temos tem que aprimorar muito. Principalmente das fotos. Registrou a ocorrência, deve ser encaminhada imagem de imediato. O problema é que muitas famílias sabem que o filho ou a filha não está desaparecido, e sim fugiram do lar. Então não querem que coloque ou faça qualquer tipo de divulgação dos seus familiares desaparecidos — aponta o delegado.
Em abril deste ano, Redondo foi indicado para integrar o grupo de trabalho instituído pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, que tratará de capacitação na área da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas. Embora as primeiras investigações ocorram com as equipes locais onde o desaparecimento ocorreu, cada caso registrado no Estado é enviado à delegacia pela qual ele reponde.
— Olhamos cada caso, o perfil do desaparecido, se sofria abusos, se tinha muitos problemas de conflitos, agressões. Tudo isso é analisado. Aí a gente vê as prioridades. Quando não tem nenhum desses fatores, então aí já preocupa. E a própria família já fica desesperada quando é uma pessoa que não tinha motivos pra desaparecer — explica.
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Segundo o delegado, uma equipe liga diariamente para famílias cadastradas no sistema com parentes desaparecidos. É um trabalho que leva tempo e na maioria das vezes serve para a polícia descobrir que a pessoa retornou ao lar, mas ninguém informou as autoridades. Esse, aliás, é um dos principais problemas enfrentados pela delegacia especializada, aponta redondo.
— Hoje calculamos de 200 a 300 pessoas que já tenham retornado para suas casas. E também tem os casos antigos em que já houve falecimento e a gente não consegue contato com os familiares. Algumas dessas pessoas estão em outros estados. Então desse total de 1,3 mil, entre 200 e 300 poderiam ser baixados do sistema — acredita.
Em Florianópolis o delegado se uniu à assistência social e ou Ministério Público para cadastrar e coletar digitais dos moradores de rua. A leitura é de que muitas pessoas somem por conta do uso de drogas e álcool.
Com mais pessoas registradas em um banco de dados, é possível aumentar o número de casos solucionados. Em um exemplo prático, ele cita as pessoas enterradas como indigentes, que poderiam ser identificadas em caso digitais, dna ou até mesmo fotos cadastradas junto aos órgão de segurança.
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DNA pode ajudar
É neste contexto que a solução para alguns dos casos em aberto pode vir de em uma campanha recém-lançada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O objetivo é coletar DNA de familiares das pessoas desaparecidas e incluir no Banco Nacional de Perfis Genéticos.
Atualmente menos de três mil amostras estão cadastradas. De Santa Catarina são pouco mais de 100 desde quando a coleta começou a ser feita no Estado em 2015.

A coleta de material biológico está programada para ocorrer entre 14 e 18 de junho em Florianópolis, e no dia 16 de junho nos postos do Instituto Geral de Perícias (IGP) de Lages, Joinville, Criciúma e Chapecó. Quem é de outros municípios, a exemplo de Blumenau, também pode participar. Para isso precisa fazer o agendamento clicando aqui.
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Parentes de pessoas desaparecidas — preferencialmente pai, mãe, filhos e irmãos — serão incentivadas a fornecerem amostras do próprio material genético. Escova de dentes ou cabelo; óculos, aparelho ortodôntico; dente de leite; aparelho de barbear; aliança e outros objetos nos quais os técnicos possam encontrar material genético também podem ser entregues.