Há mais de 25 anos, o casal Germano Woehl Junior, 61 anos, e Elza Nishimura Woehl, 62, dedicam suas vidas em defesa da natureza. Os ambientalistas, que sofreram um atentado em Guaramirim, vivem em uma área de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do município e, junto às ações de preservação, desenvolvem um trabalho voluntário de educação ambiental para crianças da região.
Continua depois da publicidade
> Acesse para receber notícias de Joinville e região pelo WhatsApp
A área na cidade do Norte catarinense foi comprada pelo casal em 1994 e, 14 anos depois, foi reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente como uma reserva. Germano conta que o projeto na Santuário Rã-bugio — como foi nomeada a ONG — iniciou já dois anos após a compra do território e, desde então, mais de 69 mil estudantes já participaram das atividades ao ar livre.
Com visitações a árvores frutíferas e pioneiras da Mata Atlântica, como jacatirões e araucárias, e à fauna da região, o objetivo principal é conscientizar a população sobre a importância de proteger o ecossistema.
— São atividades em trilhas interpretativas onde os estudantes aprendem observando na natureza sobre a biodiversidade da Mata Atlântica da nossa região, especialmente sobre os anfibios e o ciclo de vida deles — resume Germano.
Continua depois da publicidade
Além deste projeto, o casal ainda divide a rotina entre visitações as outras 10 unidades de conservação que possuem em Itaiópolis, no Planalto Norte de Santa Catarina, que conta com uma extensa área nas cabeceiras do rio Itajai. No total, incluindo as duas RPPN de Guaramirim, soma-se cerca de 1 mil hectares de área protegida, ou seja, que nunca mais poderão ser desmatadas.
A ONG de Germano e Elza é reconhecida como organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), uma qualificação jurídica que é atribuída a diferentes tipos de entidades privadas que atuam em áreas típicas do setor público com interesse social. Sendo assim, podem ser financiadas pelo Estado ou pela iniciativa privada sem fins lucrativos.
No caso da Santuário Rã-bugio, as matas preservadas foram compradas, em sua maioria, com economias próprias. Segundo o ambientalista, apenas 20% desta área — 212 hectares — foram adquiridos com dinheiro de doações.
— Por lei, como proprietário, sou obrigado a dar uma olhada periodicamente se está tudo em ordem. Se tiver irregularidades, como presença de caçadores, entrada de gado, invasão, derrubada de árvores, furto de madeira ou qualquer tipo de agressão contra a área protegida pela RPPN, eu tenho que comunicar ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e ao Ministério Público, Promotoria de Justiça, para as medidas cabíveis contra os infratores — explica Germano.
Continua depois da publicidade
Contato com a natureza e ida a Guaramirim
Natural de Itaiópolis, o contato de Germano com a natureza iniciou ainda na infância. Ele conta que já se interessava por sapos e outros organismos que fazem parte do ecossistema. Aos 14 anos, o garoto, que já cultivava paixão pela Serra do Mar, conheceu a Serra Dona Francisca durante uma viagem do colégio. Segundo ele, foi amor à primeira vista.
Com o passar dos anos, tornou-se pesquisador na área e tinha planos de comprar uma chácara e acabou adquirindo os terrenos em Guaramirim. Inicialmente, a esposa ficava em São José dos Campos (SP), já que trabalhava na cidade, e Germano fazia escala entre os dois estados aos fins de semana para visitar Elza.
Com o início do projeto da ONG, no entanto, a mulher também mudou-se para Santa Catarina e o casal passou a atuar ativamente em defesa da natureza.
— Diante de tanta devastação, decidi fazer alguma coisa — conta.
Casal já sofreu outros ataques e mantém vida restrita
Antes do ataque à casa do casal ocorrido na terça-feira, 28 de junho, Germano diz que já sofreu outros atentados. Em outubro do ano passado, um homem em uma moto entrou na propriedade Taipa do Rio Itajaí, em Itaiópolis, e ateou fogo. Segundo o ambientalista, na ocasião, um hectare de vegetação nativa foi destruído pelas chamas.
Continua depois da publicidade
O atentado ocorreu no fim da tarde, e o suspeito teria incendiado três pontos da localidade. Por sorte, uma forte chuva tinha atingido a localidade dois dias antes, após um longo período de estiagem, o que contribuiu para que o fogo não se alastrasse.
— Se eu fosse proprietário de uma área de agricultura ou de pastagem, não enfrentaria tantos problemas como estou enfrentado com área de mata nativas. As pessoas respeitam mais áreas de agricultura ou pastagem para criação de gado, já as matas nativas acham que não tem dono, que estão ali em pé esperando alguém desmatar e, enquanto isso não acontece, pode invadir, entrar com trator de esteiras arrebentando tudo, pode soltar o gado, pode derrubar as árvores se precisar de um tronco, pode abrir na mata trilhas com facão, pode capturar aves silvestres, saquear ninhos, caçar, soltar cães para perseguir animais silvestres ameaçados de extinção, pode soterrar as nascentes… Pensam que pode usar como bota-fora de detritos — se indigna.
À época, a Policia Ambiental fez um laudo pericial na área queimada, que foi entregue para a Polícia Civil dar continuidade nas investigações.
Além desta situação vivida no ano passado, Germano conta que as RPPNs já sofreram diversos ataques, de diferentes formas. O caso mais grave foi o de Guaramirim, que envolveu arma de fogo e tiros.
Continua depois da publicidade
Ele conta que o casal tem uma vida discreta e vive “meio escondido”, como cita, mas, mesmo assim, são incontáveis as ameaças que recebem, mesmo de forma indireta.
— Não tenho a liberdade de ir a uma festa de igreja, por exemplo, como eu sempre fazia na juventude — lamenta.
Atentado em Guaramirim e investigação do caso
Para Germano, não há dúvidas que o intuito dos tiros disparados na reserva de preservação onde o casal vive em Guaramirim tiveram teor intimidatório. As balas, que saíram de uma espingarda calibre .12, atingiram as placas que indicam que a Rã-bugio é uma reserva, além do banheiro utilizando pelos estudantes.
No momento da ação criminosa, por volta das 19h30min, apenas Elza estava em casa e não ficou ferida. O esposo havia saído para vistoriar as propriedades de Itaiópolis.
Continua depois da publicidade
Poucos minutos após o atentado, a Polícia Militar foi acionada, e os ambientalistas registraram um boletim de ocorrência. O autor dos disparos não foi localizado.
Na segunda-feira (4), o caso foi levado ao Ministério Público. A promotoria informou que vai analisar a denúncia e, posteriormente, informar as providências.
Brasil é o 4° país que mais mata ambientalistas
No Brasil, a violência contra ativistas ambientais é um problema que se arrasta por décadas, e entre os casos mais emblemáticos estão os trágicos assassinatos de Chico Mendes, 1988, da freira americana Dorothy Stang, em 2005 e, mais recentemente, do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.
Letícia Albuquerque, professora do Centro de Ciências Jurídicas e coordenadora de Gestão Ambiental da UFSC, afirma que, mesmo que situações semelhantes ocorram com mais frequência na Amazônia ou Pantanal, em Santa Catarina, também existem conflitos. No Estado, segundo a especialista, a maioria dos ataques ocorre por terra e as vitimas são indígenas ou pessoas que desenvolvem trabalhos nessas comunidades.
Continua depois da publicidade
Segundo o relatório da Global Witness de 2020, com 20 mortes, o Brasil foi o quarto lugar onde mais houve assassinatos de ativistas ambientais no mundo. No ranking, o país foi superado apenas pela Colômbia (65), México (30) e Filipinas (29).
Com base nos dados, Letícia confirma que realmente há uma elevação no número de violência contra defensores do meio ambiente nos últimos anos. Para ela, o fato pode até se explicar porque, atualmente, existe um sistema de monitoramento e órgãos que acompanham e registram esses casos, no entanto, em sua opinião, esta violência sempre esteve presente.
Mas a especialista argumeta que, em razão do contexto político atual, é possível observar o aumento da impunidade para este tipo de crime, o que acaba fortalecendo esses atos violentos. Além disso, acredita que esses atentados e assassinatos recentes também sejam resultado de alguns processos de desmonte em instituições que são encarregadas de monitorar e de proteger causas ambientais, como cortes aplicados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), por exemplo.
— Esses desmontes se dão pelos cortes orçamentários e redução de servidores com experiência nessa área temática de proteção ambiental. Há também retrocessos na nossa legislação ambiental que vem dificultando o trabalho dos órgãos fiscalizadores. Então, acho que se cria um sentimento de que o próprio Estado não prioriza essa área, e isso acaba levando ao aumento de casos de ameaça e violência, porque as pessoas que praticam esse tipo de ato ficam se sentindo autorizadas a agir desta forma — diz.
Continua depois da publicidade
Outra questão que cita é que, na gestão de Bolsonaro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), um órgão representativo da sociedade civil, governo e iniciativa privada, houve uma reformulação no órgão, o que diminuiu a participação da sociedade.
A professora também comenta que, no atual governo, o Acordo Regional de Acesso à Informação, Participação Pública e Justiça em Questões Ambientais na América Latina e no Caribe, mais conhecido como Acordo de Escazú, não teve encaminhamento. A primeira conferência sobre o tema aconteceu em abril de 2022 e foi assinado ainda no governo Michel Temer. Apesar de existir uma pressão para que o acordo seja ratificado, já que é considerado é importante para a América Latina, especialmente ao que diz respeito aos defensores dos direitos humanos, “o quadro atual não parece favorável”, lamenta.