Tudo começou na Secretaria de Turismo de São Joaquim, município da Serra Catarinense, conhecido por suas maçãs, vinhos de altitude e pelo frio. O então funcionário da secretaria, Mycchel Legnaghi, em pleno inverno dos anos 2000, constantemente recebia ligações de diversos jornalistas dos principais veículos de comunicação do Brasil requisitando imagens de neve, geadas e frio. O fotógrafo, hoje reconhecido nacionalmente, recebeu o apelido de Caçador de Geadas, tendo seus registros exibidos em programas de repercurssão nacional.
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Confira registros do caçador de geadas
— Eu fazia um horário diferenciado, com início no romper da madrugada, e prontamente atendia o telefone, anotava o e-mail e ia atrás de algum fotógrafo que tivesse a tal foto para eu enviar. O tempo passou e eu mesmo decidi fazer as fotos e enviar. O sucesso foi tanto que em 2008 fundei o site São Joaquim Online e passei a utilizar ele como uma Agência de Fotojornalismo, fornecendo todo o material de forma gratuita para imprensa catarinense, nacional e internacional, com o único objetivo de divulgar a região de São Joaquim e Serra Catarinense. Eu nem acreditei quando isso aconteceu. Fátima Bernardes utilizou minhas fotos como decoração do Programa Encontro em seus telões durante uma semana inteira. E ela em algum momento soltou: “Mycchel, o Caçador de Geadas” — conta Mycchel, que nunca mais parou de registrar o frio e todos os fenômenos climático da região.
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Sobre como consegue a foto perfeita, ele explica que acorda muito cedo para fazer os registros:
— Eu brinco que às vezes acordo muito cedo, porque na maioria dos dias de muito frio eu nem durmo. Fico a noite toda acordado esperando pela formação da neve ou da geada.
O caçador de geada fica por um tempo esperando o nascer do sol até a pequena névoa de gelo se dissipar e aparecer a geada plena.
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— Utilizo os raios de sol para refletir a geada nos cristais de gelo enquanto as montanhas ficam douradas no horizonte, isso dá um efeito bacana e enche os olhos de quem quer ver paisagens únicas da região serrana do Brasil — conta ele.
Um dos lugares preferidos
Um dos lugares preferidos do fotógrafo é o Vale dos Caminhos da Neve, local que fica a três quilômetros da área central de São Joaquim. Ele conta o motivo da preferência pelo lugar.
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— O lugar é fantástico. No Vale, a luz chega a ficar paralisada por algum momento nos cristais de gelo suspensos no ar, isso dá uma sensação de cinematografia incrível. Não lembro de outro lugar que consegue reluzir todo esse aspecto gelado da sublimação (que é a transição direta da fase sólida para a fase gasosa, sem passar pela fase líquida da água) — comenta.
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Falta de frio preocupa
Mas uma coisa anda deixando Mycchel cismado: a ausência do frio. Segundo ele, os anos anteriores eram bem mais gelados que o de atual.
— Neste ano, a primeira geada foi na quinta-feira, 18 de abril. É quase inacreditável dizer que fiquei quatro meses deste ano sem fotografar nenhuma geada. Até que recebi uma ligação: “Mycchel, tuas férias acabaram”, me disse Ronaldo Coutinho ao me avisar que eu faria a primeira geada do ano de 2024”, conta ele.
Mycchel relata que a diferença está tanto em relação as temperaturas, como na sensação térmica e nos ventos gelados que antecedem fenômenos de frio numa forte nevasca.
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— Somente no ano de 2022 foram 140 geadas no Vale do Caminhos de Neve. Ali já peguei um temperatura de -10º C , dia em que um lago congelou e pude brincar de dormir perigosamente sobre a superfície e depois quebrar o gelo com golpes desferidos pelo próprio punho — relata o fotógrafo.
Cobras e rugidos de puma
São aventuras do “Caçador de Geadas”, que conta ter passado já por muitos perrengues. Desde o para-brisa congelado, a direção do carro sem visibilidade, derrapagens no asfalto por causa de gelo na pista, mãos que congelam e dificultam o manuseio do equipamento.
Ele conta que uma parte bem complexa é a caminhada pelos lugares pantanosos e depois também, a escalada de volta para a redação respirando um ar gelado que enfraquece seus pulmões. Mas nada se compara ao encontro com animais selvagens.
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— Quer perrengue maior do que pisar em cobras ou ouvir rugidos dos pumas, conhecidos aqui Serra Catarinense, como leão-baio? Eu entro mata adentro em busca da melhor imagem, então já pisei sem querer em muita cobra cascavel e urutu. Minha sorte é de que elas têm dificuldade para revidar diante do frio — descreve o fotógrafo.
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Sobre os pumas, Mycchel conta que estava no meio da mata, com tudo escuro ainda, bem antes do nascer do sol, quando ouviu um rugido. Seu primeiro pensamento foi subir em uma árvore.
— A ideia não era boa, porque o animal conseguiria escalar a árvore muito mais rápido do que eu. Correr também não dava, para não chamar a atenção. Então fui o mais lento possível até o rio, que estava gelado, e imaginei que provavelmente ele não entraria. Caminhei por dentro do rio com uma temperatura de -5ºC até chegar no asfalto onde estava meu carro — conta ele divertindo-se ao lembrar da aventura.
— E ainda tem a corrida que faço para sair de um lugar fugindo de uma manada de javalis selvagens e catetos. Olha que isso é correr mesmo, em um banhado, montanha acima, ar gelado e sebo nas canelas — conta o maratonista do frio.
Apesar de ter as mãos fraturadas, mesmo assim ele continua quebrando com os próprios punhos a espessa camada de gelo para fazer o efeito perfeito.
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— Ao quebrá-lo, o pedaço de gelo espelha a luz solar, umas das fotos mais fantásticas que gosto de fazer. Ai os ossos que aguentem. Estou com 40 anos, quase metade da minha vida persigo geadas. Deve ser porque eu nasci no dia 20 de julho de 1983, e na madrugada desta data foi registrada a menor temperatura da história da Terra. O termômetro marcou 82 graus negativos, na Estação Vostok, na Antártida. Não pode ser coincidência, né? — conclui ele com seu bom humor inconfundível.
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