Morongo é, além de um apelido, uma marca. Um estilo de vida. E poucas coisas valem tanto, atualmente, quanto uma identidade bem definida. Principalmente nos negócios. Marco Aurélio Raymundo tem palestrado país afora para contar a plateias de executivos engravatados como se transformou em um integrante do pequeno e desejável grupo dos que não se prendem à obviedade. Daqueles que saem da curva.

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Sua empresa, a Mormaii – junção das primeiras letras dos nomes do dono, da ex-mulher e dos “ii” de Hawaii – tem um faturamento de gente grande, com 44 licenças de produtos que vão desde roupas para surfistas, passando por chocolate light, bicicletas, chinelos de borracha, carros, motos e violões. Mas não são especificamente os números que chamam a atenção de empresários das mais diferentes áreas. O que Morongo aponta como “liberdade com responsabilidade” na gestão do empreendimento é o chamariz. Todo mundo quer entender como funciona essa empresa em que os funcionários podem sair para surfar durante o expediente. É uma companhia como qualquer outra em praticamente todos os setores, mas é o Morongo way of life que dá o tom, é o perfume impregnado no ar.

Para adentrar um pouco mais neste universo particular é necessário um pequeno regresso. Nascido e criado em Porto Alegre, o rapaz hippie de alma (ou “ripanga”, palavra que Morongo usa inúmeras vezes para se definir) e filho de família da classe média alta sempre gostou de surfar. Nasceu para quebrar as ondas em um esporte iniciado ainda nas águas do litoral gaúcho. Quando se formou em Medicina, já era íntimo das areias de Garopaba, reduto praticamente intocável na época. Decidiu unir o útil ao sonho. Contrariando a todos, entre eles o pai, dono de uma empresa de ônibus, desembarcou na vila de pescadores com a mala, um filho ainda bebê, a mulher e o espírito livre. Entre uma sessão de surfe e outra, criou o primeiro posto de saúde da cidade e cuidou de uma geração inteira de garopabenses.

– Têm médicos que decidem ir para a África, eu vim pra cá – resume. – Há quatro décadas, os moradores não tinham acesso à luz elétrica.

O resto da aventura está por aí, na internet, na boca do povo. Para encarar a água gelada do oceano, doutor Morongo inventou uma roupa de borracha. A produção das primeiras wetsuits de surfe do país transformaram a garagem de casa numa pequena fábrica. Nasceu a Mormaii, uma das maiores marcas de esportes aquáticos do mundo. Retornarmos para 2014 e o estilo de vida do médico surfista é case de sucesso. Ele tem, de bate pronto, a explicação filosófica para o interesse em seus pensamentos:

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– Nós, seres humanos, na medida em que a gente foi empreendendo, criando coisas, foi exercendo nossa curiosidade. Mas a nossa curiosidade é meio malditinha, porque você olha tudo o que a gente foi fazendo desde a idade do bronze, depois do ferro, e a primeira utilidade daqueles troços era para a guerra. Mais recentemente, a gente inventou o motor, depois de inventarmos a roda. A primeira viagem do avião, logo que foi inventado, foi para a Primeira Guerra. A energia atômica foi inventada pelos gringos para meter bomba em cima dos japoneses. O computador mesmo, ninguém mais vive sem essa m?, foi criado para decodificar os códigos dos alemães – divaga, dando uma introdução professoral, sentado na sala onde dá expediente e responde e-mails bem-humorados, quase no topo de uma colina da cidade litorânea.

Yin-yang e outras vibrações

O que Morongo quer explicar é sua maneira de encarar os fatos. A linha de pensamento que rege tudo isso. Este ponto passa basicamente pelo conceito de dualidade que vem do taoísmo, lá dos chineses: yin-yang. As forças opostas e ao mesmo tempo complementares servem de manual para a Mormaii estabelecer uma relação de amor e dedicação com os colaboradores.

– Se você fizer uma análise, vai ver que nosso mundo tem um desvio yang, masculino. Esse desequilíbrio é agressivo, competitivo e expansivo. Nosso mundo não está assim? É uma característica machista. Em contraponto, há um mundo yin, que é cooperativo, pacifista e conservador, no sentido de conservacionista. Depois de muita guerra, muita pancadaria, lá pelos anos 1960 surgiu um movimento muito doido, do qual eu fiz parte, que são os hippies, que é o yin, paz e amor. É uma resposta ao mundo yang, uma alternativa.

Pronto. Morongo é um hippie que criou uma marca que vende de tudo um pouco. Definição simples, não simplista.

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– O que a gente faz aqui? Nós temos um ambiente muito mais yin, não é muito normativo, não é muito rígido. Quando a Mormaii surgiu eu era um ripanga, a empresa já nasceu doida, sem rigidez, se quiser vir, venha. Mas quando vier tem que trabalhar pra caramba, liberdade com responsabilidade. Entendeu, bicho?

Essa tal liberdade faz com que muitos e-mails de profissionais em busca de uma vaga cheguem na caixa de entrada. Mas engana-se quem pensa que na portaria há um entra e sai de surfistas. A possibilidade de mergulhar nas águas de Garopaba entre uma reunião e outra não chega a ser o maior atrativo, mas sim um sentimento de pertencimento que é transmitido no dia a dia para os produtos e, principalmente, para o público consumidor. Para os proprietários de uma marca, é um sonho. É o que se costuma chamar de intangível. Não interessa o produto específico – não que ele não tenha qualidade e funcionalidade, pelo contrário, mas o que interessa é o conceito incorporado.

– Teve um momento em que a nossa empresa produzia tudo. Eu tinha uma fábrica de chinelo, de mochila, de neoprene, de confecção. Era muito meu, eu, eu e eu, um Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) gigante, tinha centenas de funcionários. Quando você cresce, você tem que pegar empréstimo de banco, o juro é muito alto. A gente fez uma reengenharia, começamos a licenciar para fábricas de produção que não tinham marca ou precisavam de uma marca mais forte, passamos a bola. Fizemos um tipo de simbiose e isso faz parte do mundo yin, cooperativo. Nós começamos a cooperar, fazer os outros ganharem também. Assim pude expandir, ficar mais orgânico, a marca vai junto e a gente controla qualidade e desenvolvimento de produto – relembra ele, citando um dos momentos mais importantes para a Mormaii como posicionamento no mercado.

O poder da marca em números

Aproximação com o esporte, diversificação de produtos e faturamento de gigante.

1. O Grupo Mormaii tem um faturamento anual de R$ 350 milhões

2. Apoia projetos como Destino Azul (volta ao mundo de veleiro), Karumbé (proteção das tartarugas marinhas) e Aragua Social (aulas de surfe para estudantes do ensino público), além de programas de TV como Nalu Pelo Mundo (Multishow) e Na Onda (Off).

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3. São comercializados em 80 países através de 29 lojas próprias e outras 20 mil multimarcas pelo Brasil.

4. Tem 44 licenças para mais de 2,5 mil itens, desde roupa para surfe, bicicleta, chocolate, carro, violão, relógio, óculos de sol, chinelo, prancha, barraca, mochila e capacete.

5. Em 2012, entrou no mercado com uma linha de funcionais, composta de bebida energética, água, isotônico e barras de cereais.

6. Emprega 70 funcionários em sua sede, em Garopaba, e cerca de 200 na licença de wetsuits. Contando os licenciados, o grupo mantém 10 mil colaboradores

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