Pisar nas areias da Praia da Joaquina com o prancha embaixo do braço resulta em reações diferentes voltadas a Lucas Vicente, surfista de Florianópolis, nos últimos tempos. Deixar a casa no bairro Saco dos Limões, na Capital, até as ondas do mar é um trajeto rotineiro desde a tenra infância ao o rapaz de 18 anos. Porém, desde o fim do ano passado ele é saudado como Lucas Vicente, o campeão mundial júnior de surfe.
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Os surfistas locais, velhos conhecidos, cumprimentam o jovem com um entusiasmo diferente, afinal ele é cria da Joaca, apelido da praia florianopolitana. Ambulantes e turistas curiosos perguntam o motivo das atenções voltadas para ele quando está por ali. A justificativa satisfaz. Podem ver diante dos olhos um possível campeão mundial de surfe profissional ainda menino.
– Agora as pessoas me olham com outro olhar. Geralmente chegava na praia e eu era o Lucas que tinha futuro, e agora é o Lucas que é campeão mundial. Por isso, estou treinando dobrado, não só receber a parte boa, mas também essa parte, de treinar mais, uma fama para carregar e mais metas. Antes, minha meta era ser campeão mundial, agora é se classificar para o circuito mundial profissional, que é tão difícil quanto. Tenho de treinar dobrado e me esforçar muito – reconhece.
Dois brasileiros campeões do circuito mundial vieram de conquistas nos juniores. Adriano de Souza, o Mineirinho, ganhou o sub-18 em 2003 e em 2015 alcançava a glória máxima do surfe do globo. Em 2013 foi a vez de Gabriel Medina vencer entre os juniores e no ano seguinte na elite. O primeiro é uma das inspirações de Lucas Vicente – a outra é Ricardo dos Santos, catarinense morto em 2015 -, e o segundo detém um feito que ele vai ousar repetir neste 2020.
É muito difícil, mas não impossível. Acho que foi o único que fez isso. Os outros ainda demoraram alguns anos para entrarem e serem campeões. Mas vou tentar fazer história também.
Com o título no currículo – o troféu será entregue no primeiro semestre, em cerimônia na Austrália -, as metas para 2020 estão atualizadas. Lucas Vicente vai buscar pelo menos tentar entrar na elite do surfe mundial do ano que vem.
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– O objetivo é lutar pela vaga no circuito mundial, tentar ficar entre os 100 primeiros e dar meu melhor para ficar entre os 10 do QS (divisão de acesso) para me classificar (para a elite).

Nascido para surfar
Os surfistas da Joaquina que cumprimentam com entusiasmo não se surpreendem com o feito de Lucas Vicente, obtido em 29 de novembro, em etapa em Taiwan, o título mundial júnior – ele é o oitavo brasileiro a alcançar a conquista. A praia é quintal de casa, como costuma dizer. Nela perceberam que ele nasceu para surfar. Pequeno, sem tanto equilíbrio até para andar, já insistia estar sobre a prancha.
Primeira lembrança do surfe é com meu pai na praia. Ele me colocava em pé na prancha, ainda na areia. Aos poucos foi me levando na água e cada vez eu fui gostando. Tinha dias que ele saia de casa de manhã cedo para surfar e não me levava, eu ficava chorando até ele voltar.
João Carlos Alexandre, hoje um dos treinadores – o outro é Kleber Cavalcanti, que atua na Região Nordeste -, voltava para casa por volta das 9h e retornava à praia com o filho caçula.
– Ele tinha uns 3 ou 4 anos nesta época. Depois eu entrava com ele e aos poucos fui liberando – atesta o pai.
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Aos cinco Lucas Vicente competia com ajuda de João e depois passou ir para a água sozinho. E vencia. Os prêmios de competições eram usados para bancar os custos das disputas seguintes. Garotinho, chegava a competir em até duas faixas etárias diferentes para obter mais premiação.

– Fui campeão catarinense sub-12 a primeira vez quando tinha 10 anos, já competia categoria maior. Aos 11 fui bicampeão.
Na transição entre infância e adolescência já viajava para competir ou treinar sem o pai ou a mãe, Andréa. Mesmo com as viagens, tirava boas notas na escola. Longe da classe, fazia trabalhos, estudava o conteúdo repassado pelos professores e ia bem nas provas aplicadas assim que estava de volta a Florianópolis.
Com 16 anos passou um mês no Havaí para treinar, quando chegou a morar sozinho em uma casa por pouco mais de um mês. Tomava conta de si, cozinhava, arrumava a casa e surfafa. E ainda chegou a receber um amigo, também surfista, e mais jovem que ele.
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– Ele tem responsabilidade. Vai sozinho. Chega no lugar e avisa que chegou, que está tudo certo. Sempre tem algum conhecido ou alguém esperando por ele no destino. O problema é quando perde uma conexão – diverte-se João.