Se levarmos em conta os números e a diversidade de povos indígenas na Amazônia, aquela região é muito mais representativa do que Santa Catarina. Porém, quando se trata de expressão política, temos no Estado lideranças tão relevantes quanto às amazônicas. Uma das vozes mais potentes é de Kerexu Yxapyry, liderança na aldeia Itaty, no Morro dos Cavalos, em Palhoça, e coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

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Gestora ambiental formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Kerexu é professora da escola indígena Tekoa Itaty, integrante do grupo “Kunhangue Rembiapó” de mulheres indígenas Guarani e fundadora do Centro de Formação Tataendy Rupa. Em português ela se chama Eunice Antunes.

– Trago essa militância política como uma missão de vida – contava ela, em junho, recém-chegada de uma viagem à Europa em que com outras lideranças denunciaram no Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica, perdas e violações de direitos humanos dos povos originários no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

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Kerexu, avó e mãe de três filhos, é filha de Adão Karai Tataendy Antunes, líder espiritual Guarani já falecido, e de Ivete de Souza. Em novembro de 2017, Ivete sofreu um ataque dentro de casa e teve uma mão decepada. Os jovens que praticaram o ato não teriam sido identificados. Em 2015, Kerexu foi escolhida pela comunidade para ser cacica no Morro dos Cavalos, o que a fez ser considerada como a primeira mulher a ocupar o cargo entre os Guarani do país enquanto liderança política.

A trajetória dela é marcada pela luta da homologação da terra indígena e em busca de maior visibilidade. Assim como ocorreu em 2018, neste ano ela concorreu nas eleições de outubro ao cargo de deputada federal pelo PSOL. Não alcançou o coeficiente eleitoral para integrar a deseja Bancada do Cocar da Câmara Federal, mas em um cenário diverso político e financeiro recebeu 35.215 votos.

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Desde que começou a envolver a comunidade, como crianças, jovens, mulheres e idosos na proteção do território do Morro dos Cavalos, também chegaram denúncias e conflitos que fazem parte da pauta nacional dos indígenas na defesa do meio ambiente. A atuação ganhou uma dimensão maior, como a defesa do bioma a Mata Atlântica.

– O foco mundial é a Amazônia, mas aqui em Santa Catarina existe a floresta da Mata Atlântica que sofre com a especulação imobiliária e com o avanço do agronegócio irregular ao não respeitar limites. Sou uma voz que levo esse apelo para fora do país com a esperança de que por estarmos num estado que produz muito alimento, o mundo também se some na proteção da nossa mata e assim mantermos o equilíbrio de todos os biomas – explica Kerexu.

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Confira a reportagem especial OriginárioSC, que mostra as comunidades indígenas de SC

As palavras têm ações concretas na comunidade. Ao lado do Centro de Formação Tataendy Rupa foi criado um canteiro com mudas com prioridade para a agroecologia. O objetivo é produzir espécies para reflorestar áreas degradadas dentro do território. Foi montada uma estufa com sistema de irrigação e a água puxada de uma nascente. O adubo é feito por compostagem. As famílias seguem o hábito de trocar sementes com Guarani de outras aldeias.

– Acreditamos que a semente precisa germinar em terra boa. Às vezes, aqui pode estar fraca, mas lá na outra aldeia melhor. Então, a gente faz este sistema de troca, principalmente com o milho tradicional, e suas várias espécies, o que para nós é um presente, é algo sagrado – explica a líder da aldeia Itaty.

Saem os pinus, entram as árvores frutíferas

Durante a reportagem especial sobre os povos originários de Santa Catarina, nossa equipe acompanhou Kerexu até a parte alta do morro. Caminho de chão, íngreme e onde o carro fica na metade. Trata-se de espaço bastante degradado devido ao aterro das obras da BR-101. Na subida é perceptível um extenso plantio de pinus. Visão que também tem que passa pela rodovia: dos dois lados da estrada a mata nativa vai dando lugar aos eucaliptos. A plantação foi feita por antigos madeireiros, os quais deixaram o rastro em estradas presentes mesmo 50 anos depois.

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A preocupação com o mato faz sentido: o eucalipto exige muita água para a sobrevivência, sendo que o cultivo de maneira inadequada faz secar as reservas das águas subterrâneas próximas da superfície, os chamados lençóis freáticos. Alertados sobre a possível inutilização do solo, os Guarani criaram um Plano de Gestão Territorial e Ambiental para, a partir desse, começar a recuperação de parte do terreno.

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Gestora ambiental formada pela UFSC, Kerexu é professora da escola indígena Tekoa Itaty (Foto: Patrick Rodrigues)

Com o apoio do Ministério Público Federal foi feito um projeto com as mulheres, para a retirada dos pinus menores e o reflorestamento do lugar. Devido ao tamanho da área o projeto segue reduzido, mas o sonho é expandir.

– Estamos trabalhando com árvores nativas. Plantamos próximo das nascentes dos rios e como muitas são frutíferas a gente já sente a diferença: vários pássaros antes desaparecidos voltaram para este lugar em busca de alimento – observa Kerexu.

Com 17 anos, monitor ambiental celebra retorno dos animais

Werá Antunes, 17 anos, é monitor ambiental do projeto e explica que o objetivo é focar nas áreas mais críticas. Estudante do Ensino Médio na escola Indígena Itaty, ele conta que além de árvores nativas também plantam milho, mandioca e batata doce para ajudar na alimentação.

– Recebo uma bolsa como monitor, assim como outras duas pessoas. Me considero privilegiado, pois trabalho com algo que para nós Guarani é muito importante, a mata, e tudo que ela nos dá. Por isso, não vejo como um trabalho – diz.

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Werá Antunes é monitor ambiental na terra indígena no Morro dos Cavalos, em Palhoça (Foto: Patrick Rodrigues)

Werá conta que desde criança alimentava um sonho: um dia ser uma grande liderança da aldeia. Acredita que isso venha do que observava em casa, onde o pai exercia o cacicado. Hoje, a mãe dele é cacique na aldeia Yakã Porã, na Enseada do Brito, também em Palhoça.

– Hoje, com 17 anos, me sinto um líder. Nosso trabalho está fazendo animais voltarem para cá, e isso provoca alegria no meu povo, e acho que é isso que um líder deve fazer.

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