Se a Cíntia criança, “rata de videolocadora” (como ela mesma se define) e fundadora de um cineclube espontâneo com amiguinhas, vizinhas e irmã, conhecesse a Cíntia de hoje (que é diretora, sócia de uma produtora audiovisual e que em 2025 deve estrear o filme “VIRTUOSAS”, produzido por ela), certamente ficaria orgulhosa.
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O longa-metragem “VIRTUOSAS” encerrou as filmagens no fim de agosto. Esta é a primeira vez que Cíntia Domit Bittar senta na cadeira de diretora de um longa. A produção foi filmada totalmente em Florianópolis. Além de dirigido pela catarinense de Caçador, “VIRTUOSAS” é estrelado pelas catarinenses Bruna Linzmeyer e Juliana Lourenção.
A obra mergulha no universo do movimento coach cristão, em um retiro de empoderamento de mulheres virtuosas. Mistura humor ácido, suspense e terror. A obra, no entanto, só estreia em 2025.
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Abordar o tema foi uma escolha de Cíntia, que criou o âmago do roteiro em 2020, nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, definido por ela como “um momento tenebroso”. Ela revela que a história gira em torno de as personagens acreditarem em uma lenda enquanto há uma criança não vacinada que chora sem parar.
— Escolhi contar a história através de personagens mulheres que rejeitam uma luta histórica por direitos e preferem viver de acordo com distorções de trechos bíblicos, utilizados para garantir a manutenção dos poderes dos grupos dominantes em nossa sociedade. E elas vivem assim de forma consciente, fizeram essa escolha. Ou ainda há outras que se aproveitam dessas crenças para manipular, enriquecer e ganhar mais poder às custas dessa crença — conta.
Elenco conhecido do público
É difícil contar mais sobre o filme sem revelar muito da história. O longa é estrelado por nomes já conhecidos do público, como Bruna Linzmeyer, Maria Galant, Juliana Lourenção, Sarah Motta e Brisa Marques.
— Todas, com suas diferentes vivências, construíram personagens sólidas e cativantes, com personalidades únicas dentro da trama — afirma.
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— Construímos um filme cheio de suspense em que cada cena traz mais detalhes e informações sobre o que realmente está acontecendo na trama. O que posso adiantar é que as personagens são mulheres complexas e cada uma vive ali um terror muito próprio. Uma das faces de fazer terror feminista é construir personagens mulheres complexas, ambíguas, inesperadas, cativantes, independente de estar mais para a “mocinha” ou mais para a “vilã”. Considero um equívoco pensar que história de terror feminista é aquela em que a mocinha sobrevive ao vilão homem e ponto. Mulheres são muito mais complexas que isso e merecem suas próprias histórias e arcos narrativos.
Veja fotos da produção
Desafios de filmar em Florianópolis
Com o filme totalmente gravado em Florianópolis, foi preciso se adaptar a todas as mudanças de clima da Capital catarinense.
— Pode parecer algo menor, mas impacta bastante nas filmagens e é um problema que só tende a se agravar com a crise climática — pontua.
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Mas as intempéries não superam a sensação de estar em casa. Não só na de Cíntia, mas na da produtora e da maior parte da equipe, o que colabora com a logística da produção.
— A maior recompensa é poder estar em casa, mesmo que isso signifique viver na bagunça total por alguns dias. E chegar da filmagem e dar um cheiro na minha gatinha Zaya e no meu gatinho Mustafá é bom demais — conta.
De “rata de videolocadora” a diretora de cinema
O interesse de Cíntia pelo audiovisual começou ainda na infância. Além de viver nas videolocadoras de Caçador, ia ao cinema sempre que podia. Mas a última sala de exibição fechou no início dos anos 1990, então restava aproveitar viagens a cidades maiores, como Curitiba, no Paraná, para assistir aos filmes na telona.
— Guardo memórias muito lindas dessa época, de riscar no jornal a programação das salas e pedir pra alguém me levar — relembra.
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A imersão neste universo veio naturalmente, e contou com muito incentivo da família.
As fitas VHS que alugava eram exibidas no “cineclube” espontâneo na casa da família. As frequentadoras mais assíduas eram a irmã, as vizinhas e as amiguinhas da escola. Além disso, assistir filmes na TV também despertou em Cíntia a vontade de fazer parte naquele universo. Sem filmadora, criava histórias narrativas de rádio, gravando em fitas cassete.
No entanto, Cíntia quase não entrou profissionalmente no cinema. Quase virou médica. Mas, em 2003, passou para o Curso de Cinema na Unisul, único na área disponível na Grande Florianópolis naquela época. Deu uma chance.
— Fiz isso com muito receio, pois tinha medo de não dar em nada, de não conseguir atuar na área. Esse medo fez com que eu estudasse muito desde o início e topasse qualquer oportunidade de trabalho ou de pesquisa que surgisse — conta.
Ainda bem: na graduação, iniciou a carreira com edição e montagem. Seguiu como montadora e assistente de direção até concluir a graduação, em 2007. Em 2010, fundou a Novelo Filmes (hoje, são em três sócias, todas crias do mesmo curso) e fez o primeiro curta como diretora, “Qual Queijo Você Quer?”. A produção conquistou prêmios como Melhor Filme no Festival do Rio 2011.
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Cinema de mulheres e para mulheres
O cinema, no entanto, ainda é hostil com mulheres (especialmente as não-brancas). Um levantamento divulgado este ano mostra que mulheres ainda estão de fora das produções de grande público lançados em 2022. Os dados estão no levantamento Cinema Brasileiro: raça e gênero nos filmes de grande público (1995-2022), feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), segundo informações da Agência Brasil.
— É difícil porque vivemos inseridas no modelo de dominação mais antigo do planeta, que é o patriarcado. O cinema é uma indústria e, como em qualquer indústria, há funções encaradas com muito preconceito quando ocupadas por mulheres, desde funções técnicas até as artísticas — pontua.
Para Cíntia, é necessário cada vez mais ocupar os postos de comando da narrativa: de quem escolhe a história e dá o corte final. Ela vê isso diariamente e sente na pele esta necessidade, como sócia de produtora liderada por mulheres, e como produtora, diretora, roteirista e montadora.
— É uma mudança sistêmica. Precisamos de mais mulheres ocupando comissões de seleção e júris, mais mulheres decidindo desde para onde vai o fomento público até os filmes que entrarão em cartaz nos festivais, salas e tv/streaming. E, evidentemente, não basta ser mulher. Nosso setor, assim como a sociedade, precisa de mulheres comprometidas com a luta por direitos e oportunidades iguais, em defesa da democracia e da equidade de gênero através de um recorte intersecional que abranja raça, classe, orientação sexual, territórios, tudo.
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As dificuldades ao longo da carreira foram um desafio. De editais conquistados e nunca pagos, ao desmonte a nível nacional da cultura. Às vezes, Cíntia conta, a vontade é de jogar tudo para o alto.
— A descontinuidade de programas de fomento, a imprevisibilidade das ações… acabam com a gente.
Como resposta, Cíntia mergulhou mais fundo na política audiovisual, na tentativa de mudar esta realidade. Hoje, é titular no Conselho Superior do Cinema (MinC) e vice-presidenta do Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina (SANTACINE).
Fez parte também da chapa fundadora da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API) e foi da diretoria por três mandatos consecutivos. Também foi conselheira pelo audiovisual no Conselho Municipal de Política Cultural de Florianópolis e esteve à frente do Fórum Setorial Audiovisual Florianópolis de 2017 a 2022. Além disso, é membra fundadora da elaSCine – Mulheres do Audiovisual Catarinense.
Futuro do audiovisual
Para Cíntia, a evolução do cinema brasileiro depende da regulação dos streamings, que tramita no Congresso. A esperança dela é que se alcance uma regulação favorável à indústria brasileira independente, e que a remuneração de direitos autoriais em ambientes digitais também seja regulamentada.
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— São dois assuntos que afetam diretamente o futuro da indústria audiovisual catarinense e brasileira atualmente e futuro próximo. São assuntos para agora. Para um futuro mais à frente, o que espero é que consigamos enfrentar a crise climática. Porque sem contornarmos esse macro tema nem adianta pensar no resto.
Pessoalmente, o desejo é seguir realizando os projetos e dar ao público uma boa experiência, principalmente experiências coletivas, nas telonas. Para Cíntia, as salas de cinema são insubstituíveis.
— Por fim, sobre minha carreira, sonho e trabalho para conseguir viabilizar ao menos metade das ideias que passam por minha mente inquieta.
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