Do movimento que depôs Mohamed Mursi da presidência egípcia, ressoa um alarme que rompe fronteiras e serve de sinal para a Irmandade Muçulmana, grupo fundamentalista multinacional com fortes tentáculos pelo mundo árabe: a onda democratizante que se convencionou chamar de “primavera” rejeita governos autoritários e pede regimes plurais.
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– A Irmandade Muçulmana é um partido que ficou na ilegalidade por muito tempo e que segue a religiosidade. Com a queda de Mursi, a maioria mostrou que não queria isso. A deposição de Mursi (líder do grupo) não só coloca em xeque a Irmandade Muçulmana, mas também retrata a dissidência e o contingente de pessoas que lhe são desfavoráveis – diz Juliana Castelo Branco, especialista em Oriente Médio da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que interpreta o “movimento político” do Egito como a vontade de se ter a religiosidade apenas como um dos elementos da sociedade civil.
A fricção entre quem deseja um Estado fundado na religiosidade e quem defende uma nação laica se fez notar nas últimas horas. O guia supremo da Irmandade, Mohamed Badie, afirmou na sexta-feira que os partidários de Mursi continuarão mobilizados “aos milhões” nas ruas de cidades como Cairo e Alexandria. Essa determinação já levou, desde então, a dezenas de mortes em enfrentamentos.
Historicamente, a Irmandade (assim, em uma só palavra, como é popularmente conhecida), fundada por Hasan al Banna em 1928 defendendo a sharia (lei islâmica), opõe-se a tendências seculares de países como Líbano, Turquia e Egito. Repudia influências ocidentais que estão entranhadas nos povos desses países de maioria islâmica. Seu lema é uma síntese: “Deus é o único objetivo. Maomé, o único líder. O Alcorão, a única Lei. A jihad (luta religiosa) é o único caminho. Morrer pela jihad de Deus é a nossa única esperança.” O símbolo também: duas espadas de ouro sob o Alcorão com o slogan “Prepare-se”. O juramento, idem: “Ouvir e obedecer”. E a organização: hierarquia rígida e muita submissão.
Para entrar na nova vida política egípcia, o grupo formou o Partido Liberdade e Justiça, liderado por Mursi. No governo, passou a concentrar poder e impôs, na Constituição, a regra segundo a qual as leis aprovadas pelo parlamento jamais poderão contrariar a sharia.
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– A Irmandade controlou o processo constituinte e isolou os outros partidos quando se viu no poder – diz Arlene Clemesha, professora de História do curso de Árabe da Universidade de São Paulo (USP).
Arlene entende que fica o recado para a Irmandade Muçulmana em todos os países nos quais mantém atividade e na Faixa de Gaza (onde é representada pelo Hamas): ela deve se adequar aos novos anseios democratizantes.