Eles são falantes, engraçados, debochados. Quando um está mais quieto, o outro repara. Se a pele de alguém está mais bonita, ganha elogio. Notam até quando a respiração está diferente. O mesmo vale para a cor dos lábios e a rouquidão da voz. Nada passa despercebido quando estão juntos. Unidos, são mais fortes, atentos, observadores. Se a necessidade de apoio para deixar o vício em nicotina uniu Alexandre, Severiano, Kelen, Marta, João, Gabriel e Elisabeth, foi a acolhida que receberam das coordenadoras do Programa de Controle do Tabagismo Lúcia e Fabiana que permitiu a eles permanecerem juntos.

Continua depois da publicidade

A postura afetiva permitiu com que se estabelecesse uma relação de liberdade e carinho entre eles. Seus encontros são para falar de coisa séria, mas parecem uma festa. Como as supervisoras são ex-fumantes, compreendem bem o que passam os demais. Em vez de oferecerem julgamento, remédio ou uma vaga no programa de tratamento, entregam seus olhos, ouvidos, abraços. Cada encontro é uma espécie de afago na alma de quem participa.

Kelen parou de fumar por causa do filho. Alexandre, porque viu o sogro parar primeiro. Severiano foi alertado por uma parada cardíaca. João parou em inacreditáveis 24 horas após o primeiro encontro. Beth fez uma promessa para a mãe. Marta ia passar por uma cirurgia. Gabriel calculou e descobriu que economizaria R$ 600 se largasse o vício.

Cada um com seus motivos, todos com um propósito comum. Foi assim que se tornaram amigos e indispensáveis um para a vitória do outro. Livre há 20 anos do tabaco, a bióloga Fabiana Reis Ninov coordena o grupo de manutenção por acreditar nele como uma forma de autocura. Como o vício em cigarro é uma doença crônica, ela sabe que nunca estará totalmente livre.

Continua depois da publicidade

Por isso se uniu a Lúcia Trajano, médica do sistema público que topou adaptar o formato proposto pelo Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (Inca) para um modelo, como elas definem, mais próximo ao da vida real:

– O cigarro acaba ficando pequeno perto do que trazemos para esse núcleo. Aqui falamos da vida.

Os encontros do grupo de manutenção (com integrantes que conseguiram alcançar a meta de parar de fumar) ocorrem às quartas-feiras, a cada 15 dias, na Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre. Quem se livra do vício pode ajudar os que ainda estão tentando parar. Essa ajuda pode ser acompanhada de consultas médicas, remédios antidepressivos e adesivos de nicotina. O único problema é que, depois de largar o cigarro, eles acabam criando uma nova relação de dependência: uns dos outros.

Continua depois da publicidade

Para deixar o cigarro

– Disque parar de fumar: pelo Disque-Saúde, das 7h às 22h, de domingo a domingo, o interessado em se livrar do cigarro pode tirar dúvidas pelo 0800-61-1997.

– Consulte o posto de saúde da sua região para saber se ele oferece o programa. Em Porto Alegre, para saber a qual posto você pertence, ligue para o 156 dando o seu endereço. Caso não tenha cadastro no posto, é só fazê-lo e aguardar ser chamado pelo programa

Ajuda para sair do luto

Viúva há três anos e oito meses, Maria Chaves Soares, 75 anos, vivia praticamente em função da casa e da filha quando leu no jornal sobre o projeto que oferece atividades culturais e esportivas no Clube Caixeiros Viajantes. Decidiu romper o isolamento e arriscou participar de aulas de alongamento e dança. Em poucos dias, o entusiasmo da professora Luciana Dornelles e do grupo a contagiou. Quem não está animada, diz Luciana, ganha uma injeção de ânimo e logo se rende à mística da coletividade.

Continua depois da publicidade

– Estava no fundo do poço quando comecei a frequentar as aulas. A presença das amigas que fiz e o fato de mexer com o corpo deram um novo sentido para minha vida. Trouxe até a autoestima de volta – afirma Maria.

Foi a identificação com a realidade de outras senhoras um dos fatores que mais ajudaram a aposentada a sair do luto. Além de exercitar o corpo, cerca de 400 pessoas que integram o projeto Itaú Viver Mais – 90% delas mulheres – também gastam o tempo para conversar, contar histórias, fazer amizades e planejar atividades de lazer fora dali. O baile é uma das preferidas.

– Eu estava deprimida em casa e, quando resolvi começar a sair, meus filhos deram a maior força. Vi que no grupo a gente tem histórias parecidas. Os problemas se repetem, só mudam de endereço. Juntas, a gente aproveita mais. Saímos para dançar, passeamos. Já arrumei até namorado. A vida nunca foi tão boa – diz a aposentada Wilma Benatti, 74 anos.

Continua depois da publicidade

O fortalecimento dos laços por meio de atividades que desenvolvem o bem-estar físico e emocional ajuda mulheres como Maria e Wilma a repensarem a forma como querem envelhecer. Com saúde e energia de sobra para aprender novas tarefas e desfrutar momentos de diversão, elas passam a receber uma série de convites depois que começam a frequentar o grupo.

– Uma puxa a outra. O que precisam, muitas vezes, é serem ouvidas e ter companhia. E o grupo favorece essa troca – explica a supervisora Maria Inês Moraes.

Virando a mesa agora

Uma cena ocorrida na infância de Reinaldo Alexandre de Ávila ficou associada ao problema de obesidade que ele acaba de vencer. O garoto almoçava com os irmãos quando foi obrigado a comer cenoura. Sem o costume de ingerir legumes, vomitou logo após ter engolido, e o pai, em uma atitude de ira, virou a mesa, quebrando os pratos que estavam sobre ela. Passados mais de 30 anos, com o episódio gravado na memória, Reinaldo estava com 190 quilos e colecionava problemas de saúde.

Continua depois da publicidade

Então, decidiu dar uma guinada na própria vida: emagreceu 102 quilos sem fazer cirurgia bariátrica ou entrar em programa de treinamento físico. A conquista, garante, não existiria sem o apoio de um grupo de pessoas que viviam situação semelhante.

Participar de um programa específico para redução de peso foi a maneira encontrada pelo violinista de 40 anos para chegar rapidamente ao objetivo. Em 15 meses, reestruturou os hábitos alimentares e aprendeu novas receitas. Mais do que mudar o cardápio, alterou a forma de pensar e ver a comida. Com método, foco, informação e disciplina, cortou açúcar, farinha branca e reduziu o sal. O acompanhamento do grupo foi o principal trampolim para que ele saísse do fundo do poço.

– Eu era uma bomba-relógio, estava pronto para explodir a qualquer momento. Calculei que teria uma vida até os 50 anos. Aí que decidi fazer algo por mim. Me sentia forte, mas não o bastante para enfrentar isso sozinho. E no grupo, cada um fala um pouco de si, pergunta do outro, vemos o que temos de parecido com o outro e nos impulsionamos.

Continua depois da publicidade

Depois de mudar radicalmente os hábitos e o visual, Reinaldo tornou-se uma espécie de guru do emagrecimento. Hoje, realiza palestras motivacionais e compartilha suas histórias no Facebook e no blog Virando a Mesa Agora.

Fundador do Centro de Recuperação e Estudos da Obesidade (onde Reinaldo buscou apoio), o assistente social Marcelo Kessler explica que o sentimento de união é o que torna possível a mudança pelo trabalho em grupo. Segundo ele, as pessoas são estimuladas a pensar não apenas no benefício próprio, mas no coletivo.

– O indivíduo tem de aprender a se comportar diferente justamente porque um aprende do outro. Aprendemos por imitação, ou inspiração. Muitas vezes, o exemplo é bom e nos sentimos motivados – afirma.

Continua depois da publicidade

Entre os momentos-chave de um processo coletivo, Kessler destaca a catarse, quando cada um coloca suas angústias para fora como forma de expressar dilemas a serem entendidos. Junto aos pares, diz, é mais fácil sentir-se compreendido.

Receitas compartilhadas

Para fazer a ponte entre o consultório e a cozinha, a nutricionista Simone Bach decidiu criar e compartilhar com seus pacientes pequenos programas no Youtube, no qual passa macetes sobre o preparo de alimentos saudáveis. Em casa, os casais jovens e os não tão jovens assim, podem ver juntos, de preferência com a mão na massa, dicas sobre planejamento de refeições, armazenamento, escolha e tempero dos alimentos. Batizada Cozinha Bach (youtube.com/user/cozinhabach), a iniciativa glamuriza as refeições feitas artesanalmente, em contraponto ao hábito de comer na rua ou encomendar comida pronta. A ideia, segundo Simone, é ensinar detalhes básicos que as pessoas desconhecem e assim, fazê-las comer melhor, juntas:

– O apoio é fundamental. Quando ele não existe, o tratamento nutricional é muito mais difícil. As pessoas têm um boicote em relação a dieta. O namorado faz churrasco, pede telentrega. Nas famílias, tem a questão do preparo. Quando o exemplo em casa não acontece, os filhos não conseguem.

Continua depois da publicidade

Procure a sua turma

Bons motivos para participar de um grupo:

– Você não é um caso único. Outros podem ter o mesmo problema

– As soluções adotadas pelos outros podem inspirá-lo a tomar novas medidas

– Você pode aproveitar as informações que se fornecem em grupos

– O grupo pode oferecer amparo, apoio, estímulo e incentivo

– Nem todos os grupos são para todas as pessoas: procure um que se adapte as suas necessidades

– Antes de entrar, fale com o responsável para avaliar se existe proveito para você

Fonte: Marcelo Kessler, fundador do Centro de Recuperação e Estudos da Obesidade (Creeo)