Quatro dos 41 bairros de Joinville concentram quase um terço dos 88 homicídios registrados na cidade neste ano. Até o último fim de semana, 28 mortes violentas – sete em cada um – ocorreram no Aventureiro, Comasa, Jardim Paraíso e Paranaguamirim. Segundo a 5ª Região da Polícia Militar (RPM), os bairros Jardim Paraíso e Paranaguamirim enfrentam situação de maior vulnerabilidade e incidência de ocorrências ligadas ao crime organizado.

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Blitze feitas nas áreas mais violentas ajudam a diminuir índices
Blitze feitas nas áreas mais violentas ajudam a diminuir índices (Foto: Salmo Duarte / A Notícia)

O comandante da 5ª RPM, coronel Amarildo de Assis Alves, destaca que, embora estejam situados em regiões opostas – Paranaguamirim na zona Sul, e Paraíso, na zona Norte –, os bairros estão entre os com mais problemas de segurança pública. Uma das motivações seria o conflito entre facções criminosas rivais, que colaboram para o alto número de homicídios nessas região.

Um dos casos foi registrado no dia 29 de maio, quando quatro pessoas ficaram feridas depois que a casa em que estavam, na rua Canis Minor, no Jardim Paraíso, foi alvo de tiros. Um mês depois, a polícia prendeu o suspeito dos disparos em Curitiba. Na ocasião, o rapaz, de 19 anos, confessou o crime e disse à polícia que a motivação do crime era uma desavença entre facções rivais.

– Para reduzir as ocorrências de crimes nestes dois extremos, a PM aumentou a presença nesses locais. Nos últimos meses, fazemos blitze permanentes, não só no trânsito, mas também para cumprir mandados que já resultaram em prisões e na apreensão de drogas, armas e objetos decorrentes de furtos e roubos – diz.

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Na zona Sul de Joinville, as ações reduziram os números de assaltos à mão armada, de pequenos furtos (bicicletas, celulares etc.) e de homicídios. No Paranaguamirim, a última morte violenta ocorreu no dia 16 de julho, segundo levantamento de “A Notícia”. No Jardim Paraíso, o período sem homicídios é maior. Até o fechamento desta edição, a última morte violenta havia ocorrido em 11 de maio, portanto, há 103 dias.

Segundo o comandante do 17º Batalhão da PM, tenente-coronel Hélio Puttkammer, nos bairros sob a responsabilidade do batalhão, houve redução de 40% nos registros de roubos e furtos contra o patrimônio, nos últimos meses – a área inclui os bairros Paranaguamirim, Ulysses Guimarães e Jarivatuba.

– Os números variam muito, pois Joinville é uma cidade heterogênea. O certo é que nos bairros considerados mais violentos (em homicídios) e onde há menor renda, os crimes contra o patrimônio tendem a ser menores que nos bairros considerados “pacíficos”. Os fatores socioeconômicos estão relacionados diretamente às ocorrências e locais onde elas acontecem – explica.

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Apesar dos avanços, a própria PM reconhece que o número de policiais nas ruas deveria ser maior. Segundo a 5ª RPM, o efetivo está abaixo do ideal. O governo do Estado sinaliza para um possível aumento do quadro na região. Cento e vinte agentes estão em formação até novembro para atuarem em Joinville e Jaraguá.

Confira outras notícias de Joinville e região

Projeto Resgate atende a comunidades carentes

A inquietude de Mário Sant’Ana, de sua mulher e de um grupo de amigos ainda na década de 1990 possibilita, mais de 15 anos depois, que centenas de crianças e jovens tenham a chance de mudar a realidade em que vivem por meio da educação.

Criado em 1999, a Associação Projeto Resgate mantém parceria com empresas, instituições e escolas renomadas e possibilita que cerca de 370 estudantes de comunidades carentes tenham acesso a ensino de boa qualidade por meio de bolsas de estudos.

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Para reduzir a disparidade na distribuição de renda e dar uma oportunidade para que crianças e adolescentes consigam ajudar a melhorar a condição de vida familiar e comunitária, a ideia do Projeto Resgate é agir por meio de incentivo à educação.

Em vigência desde 2004, uma parceria com instituições privadas possibilita que alunos tenham a chance de ter boa formação escolar desde o ensino fundamental, disputando e conquistando vagas no ensino superior. Mais de 200 alunos carentes atendidos pelo programa já ingressaram em cursos técnicos ou superiores desde a implantação.

– Nos envolvemos com questões sociais por um acaso e, na época, percebemos que muitas pessoas precisavam de ajuda e muitas estavam dispostas a ajudar, mas esses dois universos não convergiam. Nisso, percebemos que o que eles precisavam era de alguém que pudesse fazer esse meio de campo – destaca Mário.

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O Projeto Resgate atende a crianças, em sua maioria, residentes na região Sudoeste de Joinville, em comunidades como Jardim Edilene, Estevão de Matos e Ana Júlia. Segundo o idealizador, 70% da população atendida pelo projeto pertencem à classe D; 15% são da E; e outros 15% são da C.

ENTREVISTA

Belini Meurer

“A saída está na educação”, diz cientista social e político

Para o cientista social e político do curso de direito da Universidade da Região de Joinville (Univille), Belini Meurer, Joinville e Santa Catarina ainda conseguem sobreviver às mazelas que permeiam a vulnerabilidade socioeconômica e a violência urbana, considerada por ele como patológica no Brasil. Em entrevista ao “AN”, o especialista cita o desleixo do Estado brasileiro no combate à violência e a desigualdade social, além de apontar a necessidade de investimentos nas áreas da educação, saúde e segurança pública.

Quais as áreas de maior vulnerabilidade e o que as tornam um lugar vulnerável?— O Brasil é um Estado organizado em três poderes, e os três poderes, em três instâncias. Joinville, assim como Santa Catarina, faz parte do grande Estado do Brasil, que é um Estado moderno, mas decadente. No mundo inteiro, essa estrutura está decadente porque a ideia básica era a de que os três poderes fossem autônomos e harmônicos e, na verdade, um faz o papel do outro e algumas elites mais espertas se adonam do Estado. Aí, as coisas não acontecem. No Brasil, tudo isso tem um problema: a má distribuição (de renda). A estrutura federativa do Brasil é péssima e todos querem administrar em Brasília, mas os problemas de Santa Catarina não são os problemas do Acre ou de Sergipe. Os problemas de Santa Catarina são de Santa Catarina, e é isso que acaba acontecendo. O Brasil está de uma forma bastante patológica, parece que não tem solução, não tem caminho, mas Santa Catarina é um dos Estados ainda sobrevivente dessas mazelas todas.

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Qual é a situação do Estado e de Joinville neste contexto?

— Santa Catarina tem gargalos terríveis em algumas cidades, com péssimo desenvolvimento humano, onde não há uma assistência adequada. Cidades da região serrana, como Bom Jardim, são extremamente vulneráveis. No Planalto Norte, também. Precisaria fazer uma integração do Oeste com o Litoral. Tudo acontece no Litoral e o Oeste é deixado de lado. Joinville é uma cidade muito rica, poderosa, e aí acontece uma situação comum às grandes cidades brasileiras. O êxodo rural muito forte, que aconteceu nos últimos 60 anos, agora se inverteu e essa massa toda está na área urbana. No caso, quando ele é deslocado da sua cultura e colocado em outro espaço, fica vulnerável, fragilizado e acaba aderindo às mazelas da cidade. Aí pode vir o crime, a droga e pode ir aderindo a esse canto da urbanidade. E a grande concentração de pessoas em um mesmo lugar gera, inevitavelmente, a violência. Uma população onde alguns têm muita riqueza e outros, não. A violência, na verdade, é uma coisa inerente aos humanos. Em qualquer sociedade do mundo tem violência, isso é natural. O problema é quando isso sai do normal.

Em Joinville, essa situação está controlada?

— Não dá para dizer que Joinville já é (um problema) patológico, doentio. Não é ainda. Penso que como doentio a situação do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, da Grande Porto Alegre, onde presos já não são mais divididos e o juiz negocia com os chefes das facções, o que significa que o Estado perdeu o controle.

Tem algum caminho para recuperar o controle?

— Para mim, não tem outra alternativa senão a educação, em tempo integral, mas uma educação refeita, repensada. Não essa educação que está aí porque ela não dá conta da situação, e os professores não conseguem resolver esse problema. Não adianta jogar, encher de gente lá ou aumentar os muros da escola e colocar todos lá dentro, porque vira um tipo de presídio onde os professores são os carcereiros. E não é isso, tem que repensar, em tempo integral, tirar da rua. Se o Brasil quiser resolver, tem que colocar dinheiro em cima, não adianta espernear.

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A escola do crime vem de dentro dos presídios?

— Visitei o Presídio (Regional) de Joinville junto com uns alunos (do curso de Direito). Conversamos com alguns detentos pelo outro lado da grade e aí eu vi que tinha um cidadão sozinho, de 38 anos. Me aproximei dele. Era um cara inteligente, conversador e perguntei o que que houve. Ele disse que ¿puxava carro¿, que na linguagem dele é “roubar carros”. Começamos a conversar, eu, os alunos e ele, que explicou como fazia para abrir cada carro. Quando surgiu o Gol (modelo bola), disse que comprou um só para desmontar e ver o sistema de fechamento. Aí, entra um jovem de 19, 20 anos na cela dele, fica lá um ou dois anos, e depois solta. O que que ele vai fazer? Estágio naquilo que ele aprendeu. Dia e noite juntos, ele e o mestre. Colocam todos juntos e não é assim. Os humanos não são porcos. Eles pensam, até admitem que fizeram e estão presos, mas a condição em que foram presos cria neles uma vontade de confrontar.

O aumento do efetivo, na nossa realidade, resolveria parte da demanda por segurança?

— Acho que sim. Santa Catarina ainda está em uma situação mais confortável. O policial catarinense é bem visto, educado e não ouço falar em corrupção na polícia. Muitos agora têm curso superior e isso é um ganho muito grande, mas tem um problema que não é atrativo: com o salário que é pago, não vale a pena. O policial está colocando a vida dele em risco, tem família e, de repente, coloca tudo a perder. Então, o salário tem que ser digno e atrativo. Para estancar isso, tem que aumentar o efetivo. Em Joinville, a cidade cresceu e o número de policiais diminuiu. Quem leva “na cabeça” é a classe média, que é o professor, o jornalista, o médico. É esse que é assaltado e que perde o carro, porque as coisas não acontecem.