Após movimentações políticas e pedidos de estudantes e entidades ligadas à educação, o Ministério da Educação (MEC) confirmou nesta quarta-feira (20) o adiamento das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020. As provas, que estavam marcadas para os dias 1º e 8 de novembro, vão ocorrer 30 ou 60 dias depois do previsto – a decisão será feita após o MEC consultar os estudantes em uma pesquisa pela internet.
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O adiamento ajuda os estudantes na preparação para o exame em um momento de ensino prejudicado no Brasil inteiro. Com escolas fechadas por causa da pandemia do coronavírus, e sem previsão de retorno em vários estados, o ensino à distância precisou ser adotado. No entanto, as diferentes realidades no país fazem esse período ressaltar as desigualdades sociais. Internet de boa qualidade, sinal de celular e pacotes de internet móvel ainda são luxos para uma grande parte da população, que sai em desvantagem na preparação para o Enem e vestibulares no fim do ano.
Moradora de Florianópolis, a estudante Janaína Monteiro Lopes, de 18 anos, está se preparando para o Enem e se considera em uma boa situação, mas vê que o momento é desigual:
– Eu tenho um apoio. Faço parte de um cursinho pré-vestibular comunitário, então tenho acesso aos materiais necessários, eu tenho rede de internet em casa e um computador e aparelho celular. Mas essa não é a situação de grande parte dos estudantes brasileiros. Acredito que é extremamente desigual uma competição dessa forma.
A quarentena até ajudou Janaína a ter mais tempo para estudar. Sem trabalhar, revisa os materiais no período da manhã e tem aulas pela internet à noite. Para ela, a principal dificuldade é manter a disciplina.
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– A partir do momento que você não precisa sair de casa pra se dedicar aos estudos é muito mais fácil desviar o foco pra fazer qualquer outra coisa, menos estudar, como assistir uma série por exemplo. A procrastinação nesse momento é sua maior inimiga, mas com força de vontade é possível manter a rotina – conta a estudante.
A jovem é favorável ao adiamento do Enem, mas entende que “o ano letivo já foi perdido” e será muito difícil recuperar o que ficou atrasado durante a quarentena.

Cursinhos gratuitos ajudam na preparação em casa
Antes de qualquer pandemia começar no Brasil, Janaína foi uma das selecionadas para a turma 2020 do Projeto Einstein, um cursinho social voltado a alunos de baixa renda que atende na Grande Florianópolis. Fundado na metade de 2015, o projeto é administrado por universitários de várias instituições da região, e todos os professores são estudantes voluntários do nível superior. O Einstein escolhe 120 alunos por ano em um processo seletivo, e oferece preparação voltada ao Enem e vestibulares. As aulas seriam sempre presenciais, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mas o coronavírus mudou tudo.
– A quarentena foi um grande baque para a gente. Estamos tentando ao máximo trabalhar para continuar ajudando os alunos, para fazer com que aprendam o suficiente. Conseguimos que todas as aulas se transformassem de maneira online. Os encontros presenciais seriam todos os dias das 18h às 22h na UFSC, mas agora fazemos em videochamadas pelo computador – explica o presidente do Projeto Einstein, Vitor Cazula.
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Por causa do espaço físico, os 120 alunos do Einstein costumavam ser divididos em duas turmas. Sem esse problema na internet, os professores têm feito videochamadas com todos de uma só vez, em ‘aulões’ adaptados para o isolamento social. Cazula explica que antes de mudar as aulas para a internet, os integrantes do projeto fizeram uma pesquisa para entender a realidade dos alunos. Felizmente, todos os aprovados na turma de 2020 tinham acesso a internet em casa. Alguns somente pelo celular, mas o acesso facilitou a adaptação.
– Obviamente tem alguns probleminhas, porque o ensino não é a mesma coisa. Acaba tendo várias perdas. Os professores precisaram adaptar as aulas, existem problemas de conexão que deixam a aula um pouco travada. A evasão dos alunos é sempre uma dor nossa, e é um trabalho grande querer motivar os nossos alunos. Com a quarentena as coisas ficaram mais complicadas. Estamos entrando em contato com todos os alunos que não estão participando das videochamadas para verificar o que está acontecendo – conta Vitor.
“O Enem vai ser um reprodutor de desigualdades”
Diretor do Cursinho do Zinga, projeto que leva aulas gratuitas a moradores de baixa renda do Norte da Ilha, em Florianópolis, o professor Lucas Ferreira relata um cenário de dificuldade maior. Dos 100 estudantes que o cursinho atende atualmente, Ferreira conta que metade não tem internet em casa. Dentre a outra metade que tem acesso, alguns possuem apenas pacotes de dados no celular que esgotam rapidamente com vídeos e materiais de ensino.
Para manter todos estudando, os professores distribuíram aos alunos sem internet apostilas impressas que foram doadas. Os que conseguem alguma conexão podem assistir aos vídeos que os tutores preparam e publicam em um canal no YouTube.
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– Temos dois grandes problemas. O primeiro é da saúde, o segundo é da renda. O desemprego passou a atingir muita gente, quem está em vulnerabilidade não vai ter como fazer qualquer preparatório. Hoje a pessoa tem problema para pagar o aluguel, alimentar a família. O Enem vai ser um reprodutor de desigualdade se não for adiado – destaca Ferreira.
