Zero Hora – Qual é a estratégia de Al-Sisi? Por que eles escolheram um método tão violento, tão ou mais violento do que se usava no antigo regime?
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Cristian Donath – Muitas pessoas estão tentando entender por que ele escolheu esse caminho. Nas últimas semanas, estive falando com pessoas no Cairo e que se entende é que muitos egípcios estavam fartos com os apoiadores da Irmandade Muçulmana (que desde a queda de Mohamed Mursi protestavam). Os opositores aos muçulmanos inclusive insultavam os cidadãos islâmicos e essa situação teria encorajado os generais e feito que acreditassem estar autorizados pelo público para terminar com esses protestos. O estranho é que eles realmente pensaram que isso seria um fim. Há especulações de que os generais queriam apenas provocar a Irmandade Muçulmana a reagir de forma violenta, o que os autorizaria a perseguir a Irmandade de uma maneira muito forte. É difícil saber com precisão qual era a meta deles. Pessoalmente, acho que não estivessem tentando eliminar a Irmandade Muçulmana, mas querendo desestabilizá-los e forçá-los a negociar. Há duas narrativas opostas no Egito e isso se reflete nas ruas e na mídia também. Não há nos veículos de comunicação egípcios um meio termo. Também está muito pouco claro quem está atacando as igrejas coptas. Há um esforço para associar a Irmandade com terrorismo. Infelizmente, o cenário é obscuro sobre quem está engajado e é impossível saber, por exemplo, quem está por trás dos ataques às igrejas.
ZH – A Irmandade Muçulmana tende a seguir o caminho do terrorismo?
Donath – Será surpreendente se fizer. O terrorismo é um termo amplo, mas se definirmos como atos de violência contra civis para efeitos políticos, a Irmandade declarou que não irá retroceder no tempo, voltar aos anos 1960. É claro que os apoiadores usam a força e têm feito ataques a forças de segurança, mas falam em reação e defesa. O perigo é que, quanto mais o tempo passa com os líderes da Irmandade presos, maior o perigo de se quebrar a disciplina da Irmandade. E eles são muito bons em manter a disciplina. Quanto mais o tempo passa, aumenta o risco de alguns membros se engajarem em terrorismo. Obviamente, eles perderiam qualquer tipo de legitimidade, de encanto, tanto com a minoria laica que os apoio quanto com a comunidade internacional. Há muitas dúvidas sobre se passarão para o extremismo, de que a Al-Qaeda os esteja rondando. E o cenário é propício com esse estado de emergência. E os militares ficariam mais do que felizes se mantivessem o estado de emergência para prender sem acusação e levar os presos a tribunais militares. Mas a Irmandade cometeria um grande erro em ir para este caminho, mas talvez não consigam controlar todos os seus membros.
ZH – Quão democrática é a Irmandade Muçulmana?
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Donath – As credenciais democráticas estão sendo realmente testadas. No passado, eles se disseram estar comprometidos com a democracia, mas demonstraram não ser democratas liberais. O governo Mursi fez muito pouco pela democracia. Não evitou, por exemplo, ataques à minoria xiita.
ZH – Onde está o movimento Tamarrod agora?
Donath – Parece estar operando muito próximos ao regime. O Tamarrod parece apoiar inclusive os meios usados pelos militares. Por mais de 15 anos, pessoas que se chamaram liberais, que não querem religião na política, os secularistas, fizeram pactos com regimes militares para impedir que os islâmicos assumissem o poder. E esses civis se aliaram com os militares com esse fim. O aspecto mais perturbador do que está ocorrendo agora, a meu ver, é um retorno da mentalidade pré-revolução, a de sacrificar os direitos humanos para assegurar que os islâmicos fiquem no poder. Isto leva muitos analistas a suspeitar que o movimento que parecia ter sido começado por jovens teria sido cooptado por estas pessoas que apoiavam o antigo regime, o “estado profundo”. Os militares sempre estiveram por perto e a Irmandade inclusive alega que Mursi não conseguiu fazer mudanças porque esse “estado profundo”. Isso, claro, é apenas parte da verdade porque havia muitos problemas nas atividades políticas da Irmandade Muçulmana, mas é fato que os apoiadores do antigo regime foram deixados em seus lugares na burocracia.
ZH – Qual é a diferença entre aqueles que estão no poder agora e os que governavam na era Mubarak?
Donath – Muitos dos líderes da era Mubarak foram removidos, mas muitos menos visíveis ainda estão em seus postos. Mursi tentou, por exemplo, se livrar dos governadores militares nomeados por Mursi, que foram substituídos por islâmicos. Agora, os generais voltaram a nomear militares para esses postos.
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ZH – A reconciliação política é possível?
Donath – Espero que sim, gostaria que houvesse uma pontinha de possibilidade, mas é muito improvável, embora seja a única maneira de seguir adiante. Ninguém sairá ganhando se não houver. Mursi não tem como voltar ao poder e a Irmandade precisa se dar conta disso, mas por outro lado, a violência dos militares torna a negociação improvável. Este é um período muito negro na história do Egito. Em dez anos, vamos lembrar desse momento como um período muito obscuro.
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