
Vou começar falando em primeira pessoa: cresci sem referências profissionais negras. Não estou sozinha nessa história. Segundo o Instituto Locomotiva, 94% da população negra brasileira não se sente representada nas mídias em geral. A subserviência das mulheres negras é historicamente o mais realístico retrato, que reafirma as relações sociais e de poder dentro dos sistemas. O lugar de fala é a possibilidade de dominar um espaço e discutir assuntos, e ele é mínimo.
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Tive acesso à educação de qualidade e a criticidade faz parte do meu desenvolvimento — li Sil Bahia e Nina Silva, cheguei mais perto de Djamila Ribeiro e aprendi com Monique Evelle: "Mulher negra precisa ter nome e sobrenome, se não o racismo a chama do que bem entender".
Ouvidos atentos repararam nos comentários: "elas não são como as outras." Nós juntas somos 27% da população do País, mas por que então contamos nos dedos as que alcançam lugar de fala e representação?
O racismo estrutural é história do presente, que segrega e limita desde a educação básica até o mercado de trabalho. Segundo o Instituto PretaLab, mulheres afrodescentes e de baixa renda são o perfil predominante das domésticas (57,6%).
Apenas 10,4% das mulheres negras do Brasil têm ensino superior completo. A sociedade criou e naturalizou os lugares da mulher negra, e a intelectualidade não é um deles. Djamila Ribeiro traz a necessidade de trabalhar de forma interligada todas as formas de opressão estruturadas: raça, classe e gênero. Qualificação profissional é essencial para dominar assuntos e debater. O empoderamento é um rompimento da herança do silenciamento. Estamos longe de encontrar igualdade nas oportunidades e em consequência, na representação. Precisamos afirmar a posição da mulher negra pensante na sociedade.
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Sou engenheira por formação, trabalho na área de pessoas de uma empresa de tecnologia de grande porte e sigo observando o espanto ao se depararem com o meu contexto social quando me apresento. O espaço que tenho hoje é espelho para mulheres e meninas negras se enxergarem de forma positiva e bem sucedida num futuro próximo que deixa de ser utópico. Surge então o sentimento de pertencimento à esse ambiente.
O Brasil tem cerca de 195 mil empresas de tecnologia e nelas está retratada a ausência da mulher negra, com sua participação e produções praticamente invisibilizadas. Cargos e cadeiras antes negadas descaradamente são aos poucos ocupadas quando lutamos e nos encorajamos a assumir o lugar de fala como de direito.
Mas buscando os dados encontramos um ecossistema em que apenas 15,53% de estudantes ingressando em cursos relacionados à computação são mulheres (Inep/MEC 2013). Trazendo para o contexto de evasão do mercado, 41% das mulheres que trabalham com tecnologia acabam deixando a área, contra 17% dos homens. Quantas dessas mulheres são negras? Não existem dados sobre a presença da mulher negra no mercado de tecnologia no Brasil.
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Voltando um passo e entendendo o aspecto educacional, fica nítida a relação. Em 120 anos, segundo a própria Escola Politécnica da USP, a instituição não formou nem 10 mulheres negras. Quando buscamos as pioneiras da ciência no Brasil, nenhuma das mulheres citadas no CNPQ é negra. Falta acesso, incentivo e representação.
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Trazendo para o dia a dia, quantas mulheres negras você conhece do ecossistema de tecnologia que o nome vem a cabeça de imediato? Fazer questão de tomar consciência sobre os fatos, sobre o caminhar da história e seus impactos é essencial para atuar de forma inicial para mudanças positivas.
Te convido a essa reflexão, só nesse texto mulheres negras incríveis foram citadas. Você conhece o trabalho delas? Quantos livros ou artigos de autoras negras você já leu? Te incentivo a buscar um novo networking, buscar incluir e ter um olhar crítico diário.
É necessário democratizar o ecossistema da tecnologia.

*A Thienne foi convidada pela Tech Power para escrever sobre sua experiência enquanto mulher negra no setor de tecnologia. A Tech Power é uma iniciativa que busca ampliar a participação e liderança feminina no setor tecnológico da Grande Florianópolis por meio da comunicação. O projeto foi criado por mulheres que trabalham na Dialetto, empresa de assessoria de imprensa e marketing digital especializada em tecnologia. Saiba mais.