Em 1850, Johann Heinrich Rosskamp, 40 anos, atuava como tecelão na região conhecida como Confederação Germânica, que envolvia uma série de cidades e países, inclusive Oldenburg. Casado com Adelheid, Johann teve sete filhos. A situação conturbada da região – que só viria a ser conhecida como Alemanha em 1871, depois de ser unificada – e as propagandas das companhias colonizadoras chamaram a atenção do casal que resolveu se aventurar e tentar uma nova vida nas terras de um país tropical. Eles se juntaram a mais 34 pessoas de Oldenburg com a mesma decisão de emigrar.
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A viagem já começou complicada, com o atraso na saída da Europa, devido à falta de vento. Como a Barca Colon era à vela, a navegação se tornava inviável. Para a família Rosskamp, a travessia foi ainda mais sofrida com o falecimento do filho mais novo, Heinrich Carl, que deveria ter em torno de três ou quatro anos. Na viagem, a ansiedade em encontrar uma terra nova deu lugar à luta contra as dificuldades, como falta de alimentos, tempestades e outros problemas.
Ao chegar à Colônia, mais desapontamentos. A estrutura prometida não estava presente e eles tiveram que passar três meses em um barracão que abrigava imigrantes. Johann se viu perdido ao não encontrar o que havia imaginado. O jeito foi se unir aos compatriotas e iniciar a exploração da área. Juntos, os alemães começaram a percorrer o local que hoje conhecemos como rua Visconde de Taunay (Deutsche Strasse).
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Quem relembra toda a história é Raulino Rosskamp, 79 anos, morador de Joinville, que busca conservar a cultura alemã e a memória da própria família. Trineto do casal pioneiro, Raulino conta os percalços enfrentados logo na chegada.
– Eles pensavam que estaria tudo pronto e só encontraram um barracão. Tiveram que começar a aterrar o mangue – explica.
Na Europa, o clã tinha certo prestígio. Era composto por profissionais da área do comércio, da indústria e da política. Em 1690, receberam até um título de nobreza. Raulino acredita que a propaganda, associada à fase ruim da Europa e ao espírito de aventura, fez com que eles viessem para cá.
Com a abertura das clareiras na Colônia, os lotes começaram a ser demarcados e as famílias passaram a ocupar as áreas. Os Rosskamp receberam o lote número 3, na rua Alemã, atual Ottokar Doerffel. O terreno envolvia as áreas que hoje correspondem às ruas Paraíba, Anita Garibaldi e Independência.
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– Muitos não conseguiram se adaptar. Eles não estavam preparados. A maioria não tinha dinheiro para retornar. Mesmo que desolados, tiveram que se dedicar ao trabalho e se tornaram lavradores.
A principal atividade passou a ser a agricultura, já que eles precisavam produzir sua subsistência. O feijão foi um dos primeiros produtos. Depois, surgiram o comércio de cabeças de gado e o aluguel de pastagens. Mais tarde, passaram a realizar as trocas de mercadorias, registradas em livros que Raulino guarda até hoje. As roças receberam plantações de cará, aipim e batata-doce.
Em um tempo em que as mulheres não eram reconhecidas, Adelheid chamou a atenção da sociedade, batalhando na difusão e conservação da cultura germânica. Sua resistência aos sofrimentos e resiliência para enfrentar as adversidades lhe rendeu um prêmio de mulher destaque desde o descobrimento do Brasil até os dias atuais.
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Uma família sempre envolvida com Joinville
A família Rosskamp se estabeleceu na região que hoje conhecemos como bairro Anita Garibaldi. Uma das filhas, Johanna Carolina, que chegou com 14 anos, se casou com Johann Heinrich Mörking, também passageiro da Barca Colon, e juntos se mudaram para Curitiba. Heinrich Wilhelm, que chegou com apenas sete anos, cresceu e construiu a vida na colônia, casando-se com Catharina Maria Margaretha Freudenberg. Um dos filhos do casal, Wilhelm Guilherme Rosskamp, o avô de Raulino, também constituiu família em Joinville.
Um dos filhos de Wilhelm, Frederico, conheceu Elise Stammerjohann, com quem se casou. Os dois tiveram, além de Raulino, mais três filhos: Aroldo, Orlando e Norberto. O patriarca trabalhava na lavoura, mas, para incrementar a renda, passou a atuar como pedreiro. A língua falada em casa era o alemão até iniciar a Segunda Guerra Mundial e o presidente Getúlio Vargas proibi-la no Brasil.
–Nós falávamos alemão direto, nas festas, nos encontros de família. Voltamos a falar depois da guerra. Senti necessidade de retomar os estudos com um professor, o que aconteceu há uns 20 anos – conta Raulino.
Ele foi aluno do Grupo Escolar Conselheiro Mafra e prosseguiu a caminhada da família na cidade natal. Em 1958, foi aprovado em um concurso no Banco do Brasil e, em 1960, começou a dar aula em cursinhos preparatórios. Foi na atuação como professor que conheceu sua esposa, Carmen, com quem teve três filhos, duas mulheres e um homem.
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– A tradição germânica sempre esteve presente em nossa família. No passado, nos reuníamos mais. Nos sábados e domingos, as pessoas se visitavam, comemoravam aniversários – relembra.
Para ele, o principal legado da imigração alemã está representado na determinação, resistência e organização.
– Os antepassados tiveram que construir uma cidade. O empreendedorismo sempre foi uma das principais marcas da cultura alemã. Podemos ver que grandes empresas surgiram em Joinville a partir dessas famílias – argumenta.
A determinação e resistência, presentes no DNA de seu Raulino, fizeram com que ele se mobilizasse para trabalhar pela cidade que ama. Foi eleito vereador quatro vezes e deputado estadual por um mandato.
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– Sempre quis me manter ativo em entidades assistenciais, sociais, educacionais e públicas com dinamismo e seriedade – ressalta.
O irmão, Orlando Rosskamp, também foi vereador. Junto de Norberto, assumiu cargos representando Joinville em Brasília, buscando investimentos para o município, por exemplo.
Atualmente, seu Raulino é um dos principais entusiastas da Sociedade Cultural Alemã de Joinville, que ajudou a fundar há duas décadas. A entidade sem fins lucrativos tem papel importante na manutenção e difusão da cultura germânica na cidade. O ex-vereador também faz questão de repassar os conhecimentos para os cinco netos. Caio Rosskamp Karam, cinco anos, é o membro mais novo da família e já arrisca algumas palavras em alemão.
* Textos: Letícia Caroline Jensen, especial para o AN