As investigações e respostas aos ataques golpistas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro seguem provocando reflexos jurídicos para os envolvidos e mudanças no cenário político. A principal resposta contra as ações criminosas, até agora, ocorreu com a prisão dos suspeitos de participação. No total, 1.167 pessoas haviam sido presas até a quinta-feira. Além das detenções, as decisões de maior repercussão foram as ordens de afastamento do governador do DF, Ibaneis Rocha (DF), e de prisão do ex-secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro, e do ex-comandante-geral da PM do DF, Fábio Augusto Vieira.
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Veja cronologia dos ataques golpistas em Brasília e das medidas tomadas por autoridades
A advogada e presidente da Comissão de Direito Penal da OAB de Santa Catarina (OAB-SC), Daisy Cristine Neitzke Heuer, afirma que praticamente 100% dos suspeitos estão indiciados por crimes como atos terroristas, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime.
Já no caso dos financiadores, eles podem responder criminalmente e também ter que arcar com indenizações por conta dos prejuízos. A decisão obtida pela AGU, de bloqueio de bens de 52 pessoas, já poderia ser um indicativo dessas possíveis restrições financeiras, embora somente a sequência da investigação poderá responder.
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Segundo a advogada, os próximos passos do caso envolvem as audiências de custódia, que tinham previsão de durar até o fim desta semana. Por enquanto, decisão do ministro Alexandre de Moraes impediu que a análise dos pedidos de liberdade fosse feita nessas audiências.
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Episódio marca mudanças nas forças políticas
A responsabilização dos envolvidos, no entanto, é apenas uma parte dos reflexos dos ataques a Brasília. O episódio também abre espaço para mudanças no já turbulento cenário político brasileiro.
O cientista político e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Julian Borba, avalia que os ataques foram resultado de uma polarização que se radicalizou com os questionamentos dos resultados das eleições e pontua que o bolsonarismo radical teve perdas importantes após os ataques a Brasília.
Segundo ele, o eleitorado não extremista passa a questionar cada vez mais o bolsonarismo e as ações golpistas. Além disso, a repressão rápida das autoridades também fez com que, neste momento, a capacidade de mobilização de rua do chamado bolsonarismo radical diminuísse. O motivo seria o receio de novas punições e a investigação contra financiadores dos atos. Exemplos disso são o fato de que acampamentos em frente a quartéis foram desmobilizados e atos convocados pelos extremistas para a semana passada não se confirmaram. Diante desse cenário, o espaço em que eles devem seguir mobilizados seriam as redes sociais, que se tornaram habitat da extrema direita nos últimos anos.
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Em grupos bolsonaristas no Telegram, os últimos dias foram de trocas constantes de mensagens discutindo possíveis atos, criticando as prisões dos participantes dos ataques e as decisões de Moraes.
Na visão do especialista, Lula e Moraes saíram fortalecidos após os primeiros dias de respostas aos ataques. O novo presidente, por conseguir reunir os 27 governadores e os presidentes dos Poderes para manifestações firmes e homogêneas de defesa da democracia e condenação aos atos extremistas. O ministro do STF, pelo fato de que o ímpeto golpista presente no contexto de decisões polêmicas dos últimos anos ter se mostrado uma realidade.
Novos deputados e economia podem influenciar
Como a política brasileira tem se tornado cada vez mais dinâmica, alguns pontos podem trazer novas reviravoltas ao quadro atual na avaliação do cientista político. Um deles é a nova composição dos Legislativos, que tomam posse em 1º de fevereiro e podem canalizar a expressão de movimentos mais extremistas.
— Muitos deputados com pautas radicais foram eleitos e não foram empossados, basta ver em Santa Catarina. A nova composição pode ampliar a vazão para essas ideias no âmbito parlamentar — avalia.
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Outra área é considerada importante por permitir a manutenção do apoio da ala mais moderada a Lula: a economia. Uma piora na condição financeira das famílias, por exemplo, poderia prejudicar a “lua de mel” do novo presidente com o eleitorado mais liberal.
— Muito da possibilidade do governo Lula diminuir a rejeição em parcelas da sociedade, especialmente nesses grupos mais radicais, vai ser por uma melhora no campo da economia — projeta.
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Respostas a ataques têm reflexos também em SC
As respostas a ataques têm impacto até mesmo em Santa Catarina. Confira cinco episódios que relacionam o Estado e o movimento golpista que provocou os ataques na capital federal:
- O Estado está entre os que têm mais financiadores dos atos já identificados pelas investigações até o fim da semana passada, segundo lista divulgada pelo portal g1. Os dados ainda são levantados pelo Ministério da Justiça e pela Polícia Federal, mas na última semana o ministro Flávio Dino antecipou que há suspeitos de pagarem os custos dos radicais em 10 estados
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- A Advocacia-Geral da União (AGU) fez um pedido de bloqueio de bens das primeiras 52 pessoas e sete empresas que teriam contribuído financeiramente com as invasões. Um deles é catarinense: Amir Roberto El Dine, empresário de Porto União, no Norte de SC. Ele é ex-bombeiro militar e nas redes sociais manifestou apoio a Bolsonaro nas últimas duas eleições
- Entre os mais de 1,1 mil detidos em Brasília, pelo menos 19 seriam de Santa Catarina. O governador do Estado, Jorginho Mello (PL), anunciou ainda na semana passada que a Secretaria de Articulação Nacional acompanhe a situação dos catarinenses presos por terem participado dos ataques. O gesto foi criticado por movimentos sociais do Estado
- Segundo o g1, um dos catarinenses presos, Oziel Lara dos Santos, de Jaraguá do Sul, disse em depoimento que agentes do Exército teriam ajudado a ação dos golpistas durante os atos
- Um ônibus que transportou participantes dos atos a Brasília, no último fim de semana, e que estava na lista de apreensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi apreendido na quinta-feira, quando transitava em Capão Alto, na Serra de SC
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