As ruas estreitas, compridas e com nenhuma ou poucas transversais fazem parte do dia a dia de quem circula por Florianópolis, especialmente em bairros como Campeche, Armação, Pântano do Sul, Rio Vermelho e Ingleses, e até mesmo no Centro. As servidões de passagem, abreviadas para “servidões”, têm origens distintas na Capital.
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Nos bairros mais afastados do Centro, as servidões surgiram a partir da divisão de terrenos agrícolas no período de ocupação açoriana. Após 1750, foram criadas estradas para ligar as primeiras freguesias da cidade — na Lagoa da Conceição, no Ribeirão da Ilha e em Santo Antônio de Lisboa. No entorno dessas vias, os lotes tinham formato de “tiras”, compridos e com frente estreita.
Segundo Samuel Steiner, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), esse formato permitia às familias o cultivo da terra e também a própria subsistência. Foi sobre essa base que os loteamentos regulares e irregulares aconteceram.
— Também houve um processo quase orgânico de divisão patrimonial. Muitas vezes, para não serem obrigados a abrir novas vias, os descendentes do lote original faziam um desmembramento a partir da frente desse lote, em duas, três partes. E aí o lote que já era estreito passava a ser mais estreito — explica o professor.
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Um processo diferente ocorreu nas servidões que se formaram nos morros de Florianópolis. No Maciço do Morro da Cruz, por exemplo, as encostas passaram a ser mais habitadas no século 20, principalmente pela população de renda mais baixa que não tinha acesso a moradias formais. Nesse caso, as servidões nasceram de forma informal, por meio de acordos entre os moradores ou por práticas de uso compartilhado de terrenos. Depois, a prefeitura regularizou e forneceu infraestrutura.

Transtornos para a mobilidade e urbanização
Para quem transita de carro ou a pé, as servidões podem causar transtornos. O florianopolitano Leonardo Trentin, de 23 anos, sempre se incomodou ao visitar os avós no Campeche, devido às “ruazinhas” que dificultam a passagem e o acesso de carro a ruas principais.
O jovem resolveu criar um vídeo no TikTok explicando a origem das servidões e propondo soluções para a mobilidade no bairro no Sul da Ilha. Ele é formado em Direito, mas sempre se interessou em estudar mobilidade e planejamento urbano. O vídeo chegou a 20 mil visualizações.
— Sendo daqui, um motivo que fez eu me interessar pelo urbanismo é que Florianópolis tem muitos problemas em relação à mobilidade — comenta Leonardo.
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— Floripa tem uma epidemia de servidões e pequenas ruas sem fim, que ficam nas margens de ruas gerais. Isso acontece na Lauro Linhares (Trindade), na Pequeno Príncipe (Campeche), na Mauro Ramos (Centro), e congestiona muito o trânsito.
O professor Samuel elenca três principais problemas causados pelas servidões. O primeiro tem a ver com a mobilidade. Muitas vezes, essas vias não são conectadas entre si, o que acaba sobrecarregando as vias principais — como é o caso da Avenida Pequeno Príncipe, no Campeche. Esse formato se parece com uma “espinha de peixe”.
— Qualquer problema nessa via principal, por exemplo um caminhão virado ou uma interrupção por queda de árvore, causa um transtorno gigante na cidade. Porque não tem muitas rotas alternativas, de costura e de integração — ilustra o urbanista.
Outro problema é que, para quem vive em servidões, a qualidade de vida fica comprometida. Segundo o professor, os loteamentos irregulares geralmente não oferecem espaços públicos como praças, escolas e postos de saúde próximos, de modo que os moradores são obrigados a se deslocarem até as ruas principais do bairro para acessá-los.
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Já o terceiro problema é público: o modelo “espinha de peixe” eleva os custos da prefeitura com serviços como coleta de lixo, água, saneamento básico, iluminação e transporte públicos.
— Às vezes, as servidões têm 1,5 ou 2 quilômetros, então as pessoas têm que andar esses 2 quilômetros para chegar na via onde o transporte público chega. Os caminhões de lixo, muitas vezes, têm que entrar de ré nessas servidões, porque não tem lugar para fazer a volta e ele tem que ir e voltar na mesma via. É um modelo de urbanização que cria uma qualidade urbana e de vida bastante precárias — conclui o professor.
Segundo o professor, a solução para esses problemas passa pela implantação de uma nova estrutura urbana. É possível abrir ruas para integrar os bairros, por exemplo. Esse processo, porém, interfere diretamente na vida das famílias que ali vivem, especialmente em casos de desapropriações.
— Mesmo em bairros informais existe a possibilidade de uma melhoria, mas isso exige também uma capacidade de negociação, de investimento e de priorização por parte do poder público. Florianópolis é uma cidade que tem investido muito pouco em planejamento, sobretudo com investimento concentrado em algumas áreas já privilegiadas. Se a gente olhar, os grandes investimentos viários e as grandes infraestruturas reforçam um processo de qualificação de algumas áreas e de precarização de outras.
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Veja fotos de servidões no Morro da Cruz
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