A cada dois minutos, uma pessoa morre por causa de doenças do coração no Brasil. Em Santa Catarina, em 2017, a média de mortes por problemas cardiovasculares foi de 29 por dia. É a doença que mais provoca mortes no mundo inteiro e, mesmo assim, ainda há uma série de desinformações a respeito das enfermidades relacionadas ao coração e ao sistema circulatório. Além dos mitos que já existem há anos a respeito destas doenças, como colocar o sal como único vilão dos casos de hipertensão e os sintomas em um infarto, atualmente as redes sociais também se tornaram um canal para repasse de notícias e orientações erradas.
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— A informação correta é nossa maior aliada para reduzir o índice de doenças cardiovasculares, inclusive essa é maior causa de óbito hoje no mundo. E as "fake news" são um desserviço para a saúde — explica a cardiologista Júlia Niehues da Cruz Bellucci.
Os três maiores problemas cardiovasculares são o infarto, o AVC e a insuficiência cardíaca, que causam 350 mil mortes a cada ano, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). A importância de compartilhamento de informações corretas sobre os perigos de negligenciar este órgão vital levou à criação do Dia Mundial do Coração há 19 anos. Ele é celebrado em 29 de setembro, quando campanhas e atividades são organizadas no mundo inteiro para esclarecer as verdadeiras ameaças e o melhor caminho para cuidar do coração.
— Sabemos que o perfil da população tem mudado. As pessoas achavam que só idosos e pessoas com doenças crônicas é que tinham risco cardíaco, mas esta não é a realidade. Inclusive, houve um aumento de 30% na quantidade de pessoas com menos de 30 anos que infartaram, segundo um estudo divulgado pelo Ministério da Saúde em 2013 — avalia Júlia.
A cardiologista ressalta que é importante que exista uma avaliação com especialista quando há histórico familiar, doenças como pressão alta, diabetes, obesidade, alteração de colesterol, se a pessoa é fumante e atletas que fazem atividades físicas mais intensas, para evitar o risco de desenvolver doença cardíaca. Além disso, é importante ficar atento aos sinais: dor no peito, falta de ar, tontura, desmaios, palpitação e dor no coração são indicativos de que algo está errado no corpo.
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Confira as respostas da cardiologista Júlia Niehues da Cruz Bellucci, de Joinville, para algumas destas questões:
Tossir repetidamente ao sentir sinais de infarto ajudam o coração a recuperar o ritmo normal?
A parte respiratória não tem nenhuma relação com a parte cardíaca. Então, a dor não será aliviada com a tosse. Ela não melhora nem piora no caso de infarto, já que a enervação cardiovascular não tem nenhuma relação com a parte respiratória.
Tomar água gelada fecha veias do coração e causa problemas cardíacos?
Os sistemas são separados e o trato gastrointestinal não tem relação com a parte cardiovascular, nem de enervação, circulação ou com alteração de pressão ou de frequência cardíaca. Como são separados, um não influencia no outro.
Tomar AAS (ácido acetilsalicílico) é bom para prevenção de doenças cardiovasculares?
O uso do AAS ainda é bem questionável. Quando o paciente carrega muito risco cardíaco, como diabetes ou colesterol alterado, alguns médicos indicam como prevenção primária. Mas a Diretriz Brasileira de Cardiologia não coloca isso como obrigação. Não há evidências que ele possa diminuir a incidência, até porque o AAS tem muitos efeitos colaterais, como surgimento de úlceras e sangramento. Mas isso é individualizado pelo médico. Inclusive, há pacientes que já infartaram e fazem uso do AAS, mas mesmo assim voltaram a infartar. Então, só o fato de usar não quer dizer que você não vai ter nenhum problema cardiovascular.
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Tirar sal da comida evita o aumento pressão arterial?
É mito porque a maioria dos casos é pelo componente genético. Às vezes, até mesmo crianças que são magras e que fazem mais atividades físicas e adultos que não tem um perfil metabólico para ter hipertensão são diagnosticados com hipertensão, porque tem o componente genético. A raça, a idade, o sedentarismo, o peso, tudo influencia também. Então, não é um componente isolado como o sal que vai fazer diferença. Quando o paciente está em tratamento para pressão alta, o que mais influencia para baixar é o controle do peso, e não a retirada do sal.
Pessoas magras não correm risco de ter problema no coração?
As pessoas que se dizem saudáveis, que não tem doença crônica, correm risco também. O infarto pode ser a primeira manifestação em pelo menos metade das pessoas que tem essa complicação. Imagine, 50% das pessoas que não tinham sintoma nenhum antes de infartar. Por isso, é importante identificar e fazer a prevenção antes que ocorra qualquer problema, até porque a história familiar, às vezes, é mais importante do que os fatores de risco. Há genes que participam da formação de placas de gordura, então, mesmo se o paciente não tem colesterol, não tem diabetes, se ele tiver histórico familiar, é um importante fator de risco.
Se não estiver sentindo uma dor no peito irradiando para o braço esquerdo, não pode ser um infarto?
Algumas pessoas tem um perfil de apresentação de dor diferente. Então, eles não vão manifestar essa dor típica. É o caso das mulheres, dos idosos e dos diabéticos. Às vezes, só tem uma manifestação como falta de ar, em outras vezes, só acelera o coração. Então, se estiver sentindo qualquer sintoma diferente, que é novo, tem que procurar a avaliação de um médico.
A vacina da gripe prejudica quem tem doenças cardiovasculares?
Essas fake news sobre as vacinas são um problema de saúde pública, porque muitas pessoas pararam de se vacinar por essa questão. A vacina da gripe não tem relação nenhuma com piora de evento cardiovascular, não existe nenhuma comprovação disso. É claro que a vacina não é isenta de efeitos colaterais, mas esses efeitos são muito pequenos se comparados ao benefício da imunização de doenças infectocontagiosas. Além disso, nos pacientes que têm insuficiência cardíaca, que estão mais debilitados e mais fragilizados, uma pneumonia ou outra doença podem descompensar a doença deles. A indicação é imunizá-los não só com a vacina da gripe, mas também a do pneumococo, que é outro tipo de infecção pulmonar. Essa é uma forma de prevenção primária.
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