Os manifestantes golpistas que invadiram neste domingo (8) a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, podem responder por crime contra o Estado democrático de Direito. Especialistas avaliam se os invasores e a omissão das autoridades podem ser punidas.

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O que aconteceu em Brasília concretizou o temor de que a escalada da violência em atos antidemocráticos após as eleições resultassem em um episódio semelhante a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 2021.

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— Se a gente pode chamar o que acontece hoje de nossa invasão do Capitólio, nós temos no artigo 359-L do Código Penal o crime equivalente ao delito de insurreição — afirma Diego Nunes, professor de história do direito penal da Universidade Federal de Santa Catarina.

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O artigo citado por Nunes foi acrescentado pela lei do Estado democrático de Direito, que foi sancionada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, da ditadura militar. Ele prevê a reclusão de 4 a 8 anos para quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

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Autoridades no Direito de diversas universidades do país avaliam a situação que ocorreu em Brasília e como os invasores e o poder público omisso pode ser enquadrado, além de explicar se Jair Bolsonaro pode responder criminalmente por incitação às manifestações golpistas.

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Entenda os crimes na invasão golpista

Quais são os crimes na invasão à Esplanada dos Ministérios?

Especialistas em direito penal apontam violações previstas pela lei do Estado democrático de Direito -sancionada em 2021. Uma análise comum é de que os manifestantes poderão responder pelo crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. A pena é de quatro a oito anos. A punição pode ser ainda maior, caso tenham sido cometidos outros crimes.

— Poderia pensar na hipótese de restrição, prevista nesse artigo, porque com a depredação das instalações físicas, você vai ter uma restrição a realização de sessões nos próximos dias porque a depredação foi bastante grande — afirma o professor Diego Nunes, da UFSC.

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A advogada criminalista Flávia Rahal afirma que a caracterização é possível pela invasão dos prédios públicos, depredação e pelo simbolismo dos espaços ocupados. “Há uma mensagem clara que é atentatória da democracia”, diz.

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Outros especialistas consideram que é possível ir além e caracterizar a invasão como crime de golpe de Estado, definido como a tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A pena pode chegar a 12 anos e aumentar caso tenham sido cometidos outros delitos.

— Essa invasão fere cada um dos brasileiros e brasileiras, porque fere as instituições do Estado democrático de Direito. As pessoas que fizeram devem ser processadas e, em flagrante, presas — afirma o professor de direito processual penal da PUC-SP, Cláudio Langroiva.

Para ele, o que aconteceu em Brasília não pode ser enquadrado como manifestação crítica aos Poderes.

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Há um dispositivo no texto que afirma que não é crime “a manifestação crítica aos Poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

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— Não estamos falando de manifestações políticas, pacíficas, greves ou manifestações de qualquer natureza. É uma manifestação violenta, com uso de arma e ameaça às pessoas — diz Langroiva.

Para Lênio Streck, professor da Unisinos (RS) e um dos autores da nova lei, o artigo pode ser aplicado contra líderes e organizadores da invasão.

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Além dessas condutas, também é apontado o crime de dano e incitação ao crime, previsto no Código Penal. A advogada criminalista e professora da FGV-Direito São Paulo, Raquel Scalcon, cita ainda a possibilidade de responsabilização a partir da lei 12.850 de 2013, sobre organizações criminosas. Ela reforça que a prisão em flagrante é possível tanto durante como depois dos crimes.

No caso das autoridades se omitirem, qual é a responsabilização possível?

Caso fique comprovado que houve omissão por parte das autoridades responsáveis, Langroiva afirma que ficaria caracterizado o crime de prevaricação. Definido como retardar ou deixar de agir para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, o delito tem penal de até um ano, além de multa.

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Para o advogado Alexandre Wunderlich, professor do IDP, em Brasília, e da PUC do Rio Grande do Sul, a postura das autoridades no episódio deve ser investigada, assim como o financiamento e a organização do ataque à democracia.

— O mais grave é que aparentemente [a invasão] pode ter ocorrido conivência de órgãos policiais, o que impõe pronta investigação. As condutas afetam as instituições democráticas no seu funcionamento e regularidade — diz ele, que é autor do livro “Crime Político, Segurança Nacional e Terrorismo”.

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Bolsonaro pode ser responsabilizado pela invasão?

O ex-presidente pode ser responsabilizado caso exista provas de seu envolvimento na invasão golpista.

— A responsabilidade criminal depende de se comprovar que tenha de algum modo contribuído: incitando, instigando, orquestrando. Ademais, se ele estava ainda no Poder e nada fez para impedir, também aqui poderia haver responsabilidade criminal pela omissão — afirma Raquel Scalcon (FGV).

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Diego Werneck, professor do Insper, considera que Bolsonaro deveria ter sofrido impeachment por incitar as pessoas contra as instituições ao longo do mandato.

— Agora que saiu do cargo, os instrumentos e critérios para apurar responsabilidade são outros. No mínimo, se entendermos que o que ocorreu hoje em Brasília foi crime, seria necessário discutir a responsabilidade penal de Bolsonaro por ter incitado — diz.

Saiba o que diz o Código Penal

Crimes de Invasão

Artigo 286: Incitar, publicamente, a prática de crime

  • Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa.
  • A mesma pena será aplicada para quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.

Artigo 288: associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes

  • Pena: reclusão, de um a três anos
  • A pena aumentará até a metade se a associação for armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

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Crimes de Prevaricação

Artigo 319: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal

  • Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa

Crimes Contra as Instituições Democráticas

Artigo 359-L: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais

  • Pena: reclusão, quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.

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Artigo 359-M: tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.

  • Pena: reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

*Reportagem de Géssica Brandino