O Planeta Neymar: Um Perfil chega às livrarias com pinta de best-seller. Além de dedicar 240 páginas ao jogador com incontáveis admiradores mundo afora, ter a assinatura do prestigiado jornalista Paulo Vinícius Coelho, chega às vésperas da Copa em versão bilíngue.

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PVC, como o autor é conhecido, traz o conhecimento de quem acompanhou de perto a ascensão de Neymar, mais precisamente desde 2005, quando o jogador ainda não havia completado 15 anos. O jornalista acerta em começar a narrativa da vida do atleta a partir desta fase, em que o jovem volta para Santos depois de um período de testes na Espanha. É um momento decisivo na vida do jogador: apesar do conforto oferecido pelo Real Madrid, ele não queria ficar longe do Brasil e de seus amigos.

O episódio dá a dimensão do mito que o leitor tem diante de si, um talento precoce que sabe bancar suas próprias escolhas. PVC, então, mergulha em outras fases da vida do craque, mas não segura o leitor tanto quanto poderia. Além de se deter quase exclusivamente em aspectos profissionais, em detrimento dos pessoais, O Planeta Neymar: Um Perfil cansa ao promover continuamente as qualidades do biografado. Trechos como “Neymar junta as habilidades individuais de Ronaldinho e de Robinho, por exemplo, com a enorme capacidade de fazer gols de Ronaldo Fenômeno” dão a medida da admiração de PVC pelo biografado. O tom eufórico pode agradar fãs, mas espantará quem não compartilha a mesma empolgação.

O Planeta Neymar: um perfil

Paulo Vinícius Coelho

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Biografia, Paralela, 240 páginas, R$ 24,90

Cotação: 2 de 5 estrelas

Leia abaixo o primeiro capítulo de O Planeta Neymar:

1. A Descoberta

Em 2005, José Ely de Miranda entrou na sala do então presidente do Santos, Marcelo Teixeira, com a frase perfeita caso o objetivo daquele encontro entre os dois fosse a contratação de um craque de futebol já consagrado para o alvinegro praieiro: “O senhor tem de ver!”. Miranda era responsável pelas chamadas categorias de base do Santos Futebol Clube, ou seja, pelos pré-adolescentes e adolescentes que são treinados pelo time para eventualmente serem, no futuro, aproveitados como jogadores profissionais (o que só acontece com muito poucos). Ele entrou para a história sob o apelido de Zito, um volante que foi nove vezes campeão paulista e duas vezes campeão mundial de clubes pelo Santos (em 1962 e 1963) – além de duas vezes campeão mundial pela seleção brasileira (nas Copas do Mundo de 1958 e 1962). Zito também se tornou uma lenda por nunca ter se intimidado com um certo companheiro de time chamado Pelé e por, no campo, gritar para que o melhor jogador da história do futebol voltasse para a defesa e ajudasse na marcação dos adversários, ou até mesmo para que se movimentasse mais na partida. Sobre ele, o grande cronista mineiro Paulo Mendes Campos um dia escreveu: “Zito é mensageiro de dois mundos:/ o da vida, na área adversária (onde residem os mistérios gozosos)/ e o da morte, na área do coração brasileiro (onde residem os mistérios dolorosos)”.* Aos setenta anos, seu entusiasmo parecia ser o da época em que jogava no mesmo time de jogadores épicos do Santos, como o elegantíssimo goleiro Gilmar, o curinga Lima (que jogava em várias posições) e o ponta-esquerda Pepe, dono de um formidável chute. Zito estava encantado com o talento futebolístico de um guri sessenta anos mais novo do que ele.

Naquele momento, o time do Santos comemorava as descobertas preciosas dos jogadores Robinho (que foi para o Real Madrid, Manchester City e, depois, para o Milan, da Itália) e Diego (que circulou pelos grandes campeonatos da Europa, como o alemão e o italiano, até chegar ao Atlético de Madrid), da segunda grande geração dos “Meninos da Vila” – que fez o clube voltar a ser respeitado e a conquistar o Campeonato Brasileiro de 2002. Apesar de o time santista ser a “bola da vez”, “seu” Zito, como Neymar Jr. o chama até hoje, queria mais, bem mais.

No início, o presidente Teixeira não compartilhou o entusiasmo de Zito. Disse ao ex-volante – Zito fez na seleção brasileira, ao lado de Didi, uma das mais importantes duplas de meio-campo da história do futebol mundial – que se o menino tinha apenas dez anos e o Santos só tinha categorias de base a partir de Sub-13 (da qual só podem participar garotos que completem doze ou treze anos no ano do campeonato),** não havia razão para ir vê-lo jogar. Seria melhor esperar o moleque amadurecer mais um pouco. Zito reagiu imediatamente: era preciso não só contratá-lo, mas criar categorias mais jovens em que o menino pudesse se desenvolver. A decisão não era simples: ela envolvia não apenas o aproveitamento de um talento bastante precoce – que poderia não se confirmar no futuro -, mas o investimento na criação de várias categorias infantis só para aproveitar aquele noviço. No início de 2003, Teixeira finalmente atendeu ao apelo de Zito. “Vamos ver esse seu jogador aí!”, disse, e foi assistir ao menino Neymar jogar no Gremetal, o Grêmio dos Metalúrgicos da cidade de Santos. Sem saber que o poderoso presidente do Santos estava na arquibancada naquele dia, Neymar não jogou bem. “Eu também não quis mostrar muita empolgação. Evitei fazer parecer que eu iria apadrinhá-lo. Naquele dia, ele jogou bem, mas não foi tudo aquilo que esperávamos”, lembra Marcelo Teixeira.

Semanas depois, Zito insistiu mais uma vez e Teixeira resolveu assistir a uma partida de Neymar Jr. em São Vicente (aliás, cidade natal de Robinho e do professor de literatura, músico e torcedor do Santos José Miguel Wisnik, que escreveu que nela “o futebol estava em toda parte”),*** onde o garoto morava. Naquele dia, Neymar já sabia do interesse do presidente do time da Vila Belmiro – que começava a firmar a imagem de um dos clubes que melhor aproveitavam os jogadores das categorias de base no Brasil. Se havia tido uma participação não mais do que discreta na primeira partida a que Teixeira havia assistido, na segunda o menino foi um assombro!

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“Ele já sabia que eu o estava observando. Quando cheguei, ele não se intimidou. Acabou com o jogo! Acabou! Deu drible, chapéu, fez de tudo. Só não fez chover porque o ginásio era coberto”, diz o homem que presidiu o Santos entre 1991 e 1993 e entre 2000 e 2009.

A partir daquele dia em São Vicente, Teixeira passou a ser o principal avalista de Zito na teoria de que o clube estava descobrindo um novo diamante bruto. A única dúvida era sobre o seu quilate: “O Zito nunca me falou em um novo Pelé. Nós achávamos que estávamos prestes a encontrar outro Robinho”.

Marcelo Teixeira conta que se encantou com o garoto a ponto de precisar atender ao pedido daquele ex-volante que aliviara toda a nação, em 17 de junho de 1962, quando, no Estádio Nacional de Santiago, no Chile, vestindo a camisa canarinho com o número 4 às costas, subiu de cabeça, aos 24 minutos do segundo tempo, para virar o jogo – o Brasil, com mais um gol de Vavá dali a pouco, faria 3 a 1 na então Tchecoslováquia e ganharia o bicampeonato mundial (“quando Zito chegou foi só alçar a infiel por cima da muralha eslava”,**** assim o gol foi descrito pelo cronista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que cobriu aquela Copa). Ou seja, seria necessário encontrar um lugar para acolher aquele menino extraordinário. Por determinação de Teixeira, criou-se um centro de treinamento chamado significativamente de Meninos da Vila. Qualquer garoto na faixa de dez anos teria onde jogar na cidade de Santos, desde que fosse no time do Santos, é claro. Inicialmente, o clube passou a se organizar para ter jogadores abaixo dessa idade, embora não no futebol de campo, mas no futsal.

“Eu não tinha orçamento para investir nas categorias de jogadores mais novos, e disse isso ao Zito. Mas, quando vi aquele menino jogar, percebi que precisávamos criar a estrutura. Não só para ele, mas para uma legião de jogadores que poderiam aparecer no Santos.” Em dois meses, a nova estrutura estava criada. Não era só para Neymar, mas era sobretudo por Neymar.

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* “O gol é necessário”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

** Em geral as categorias de base dos clubes de futebol dividem-se em: Fraldinha (sete a nove anos), Dente de Leite (dez e onze anos), Pré-Mirim (onze e doze anos), Mirim (doze e treze anos), Infantil (catorze e quinze anos), Infantojuvenil (quinze e dezesseis anos), Juvenil (dezessete e dezoito anos) e Júnior (dezessete a vinte anos). A Federação Paulista de Futebol realiza torneios de Sub-11, Sub-13, Sub-15, Sub-17 e Sub-20.

*** Veneno remédio: O futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

**** Bola na rede: A batalha do Bi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.