O presidente catalão, Carles Puigdemont, declarou nesta terça-feira a independência da Catalunha para, logo depois, deixar os seus efeitos em suspenso, em um confuso e tenso dia, com o objetivo de negociá-la com o governo espanhol, que rejeitou plenamente.

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“Constituímos a República catalã como Estado independente e soberano”, lê-se no texto assinado por Puigdemont e pelos outros 71 deputados separatistas após um histórico e ambíguo debate parlamentar.

De Madri, a resposta foi contundente: Puigdemont “não sabe onde está, aonde vai, nem com quem quer ir”, denunciou a vice-presidente do governo espanhol, Soraya Sáenz de Santamaría, anunciando um conselho de ministros extraordinário nesta quarta-feira às 07h00 GMT (04H00 de Brasília).

Em jogo está o futuro de um território estratégico para a Espanha, com 16% de sua população e 19% de seu PIB. E em Madri não pensam em ficar de braços cruzados.

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O objetivo da reunião do governo conservador de Mariano Rajoy será “abordar os próximos passos” a dar, para depois comparecer ante o Congresso às 14h00 GMT (11h00 de Brasília), explicou a vice-presidente.

Sobre a mesa o governo tem a aplicação do Artigo 155 da Constituição, que prevê a suspensão do autogoverno da Catalunha, restaurado após a ditadura de Francisco Franco, ou inclusive decretar um estado de emergência, mas poderia optar por uma série de medidas menos alarmantes.

Preso entre as chamadas internacionais ao diálogo e a pressão dos separatistas mais radicais, Puigdemont anunciou no Parlamento que assumia “o mandato para que a Catalunha se converta em um Estado independente em forma de república”.

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Mas logo a seguir, com um semblante sério, pediu que “o Parlamento suspendesse os efeitos da declaração de independência para que nas próximas semanas empreendamos um diálogo”.

Antes da sessão, que despertou expectativas em toda a Europa, Puigdemont recebeu ligações de mediadores internacionais que lhe obrigaram a atrasar o debate, afirmou uma fonte do governo regional.

De início o comparecimento deveria servir para aplicar o resultado do referendo inconstitucional de autodeterminação de 1º de outubro: uma vitória do “sim” com 90% dos votos, mas com uma participação de apenas 43% do censo desta região de 7,5 milhões de habitantes.

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A independência não suscita unanimidade na Catalunha, que está dividida em partes quase iguais sobre a questão, mas a maioria dos catalães quer um referendo para decidir o tema, e Madri se opõe usando a Constituição.

– CUP: uma oportunidade perdida –

Os sócios do governo separatista, o partido de extrema esquerda da CUP cujos 10 deputados são fundamentais, reprovaram que Puigdemont tenha perdido uma oportunidade.

“Tínhamos uma sessão supostamente de proclamação da república que terminou sendo uma sessão de confusão sobre se proclamamos ou não proclamamos”, disse Quim Arrufat, porta-voz da CUP.

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Segundo esta formação, Puigdemont decidiu de última hora não proclamar a república por conta da pressão internacional, gerando discrepâncias na coalizão separatista, onde convivem conservadores, democratas cristãos, progressistas e radicais de esquerda.

O governo espanhol pediu horas antes a Puigdemont que não fizesse nada “irreversível” e desistisse de agravar a crise política vivida na Espanha, a pior de sua era democrática moderna, uma demanda à qual se somaram vozes europeias.

Símbolo da tensão, o Parlamento se tornou uma fortaleza. O parque onde se encontra foi fechado ao público, com inúmeras grades protegendo as entradas, enquanto helicópteros e viaturas policiais circulavam perto.

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– ‘Esperávamos mais’ –

Do lado de fora de uma área isolada, no passeio Lluís Companys – o último presidente catalão que declarou a independência – milhares de pessoas acompanharam o discurso por duas telonas e o desencanto reinava entre elas.

“Estamos felizes, mas esperávamos mais”, comentou Pere Valldeneu, um aposentado de 66 anos, ao fim da intervenção.

“Foi um discurso muito ambíguo. Falou de respeitar o referendo, mas esperava que desse uma data limite”, disse Sheila Ulldemolins, publicitária de 28 anos.

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Muitos esperavam uma declaração inequívoca. “Estamos aguardando que declarem a independência e sabemos que teremos que estar na rua para defendê-la”, proclamava Marta Martínez, advogada de 50 anos, antes do discurso.

Antes da sessão, o governo espanhol recebeu o apoio do presidente francês, Emmanuel Macron, e do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que pediu ao Executivo catalão que “não anunciasse uma decisão que tornasse o diálogo impossível”.

As pressões, assim como a fuga de empresas e a incerteza econômica, influenciaram Puigdemont, que reclama uma mediação internacional para solucionar a crise.

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Nos últimos 86 anos, o governo catalão proclamou em duas ocasiões a independência, sem que esta chegasse a se concretizar. O primeiro a fazê-la foi o presidente regional Francesc Macià em 1931, e o segundo o seu sucessor, Lluís Companys, em 1934, lhe custando uma ida à prisão.

* AFP